Baile de Sombras



Foi como mergulhar num mar escuro, senti um calafrio agourento percorrer meu corpo enquanto atravessava aquela passagem para um mundo desconhecido. Era denso, quase palpável, tinha a impressão que sentiria as sombras escorrendo viscosamente dentre meus dedos caso tentasse encostar naquele breu.

Mas antes que se tornasse um completo desespero tudo se foi. E ainda com Nacht me segurando pela cintura contra seu corpo nossos pés alcançaram algo sólido. O local tinha colunas de pedras que se erguiam até o teto, havia ossos e crânios dispostos por ali e pendurado no centro um grande candelabro de ferro escuro.

-Onde estamos? - perguntei me afastando dele e cobrindo meu corpo com a capa, o lugar claramente era mais antigo do que se podia imaginar, era grande e tinha poeira espalhada e outras coisas que não me atrevia a questionar.

-Não precisa saber com precisão. - Nacht respondeu - Apenas que é um lugar seguro para investigarmos o que de fato está acontecendo com você, sem precisar se preocupar com os outros, aqui estamos sozinhos para fazer o que bem entendemos.

Franzi o cenho - Não abuse Faust, tenho minha parcela de simpatia por você mas não me impede de te agredir se for necessário.

Ele levantou as mãos em sinal de rendição, pegando um cigarro e o acendendo em seguida.

-Que tal começar a explicar o porque andou visitando o terreno e as coisas que escondeu de mim? - dei alguns passos pelo local observando mais atentamente. Não tinham portas ou janelas ou qualquer outro tipo de entrada, apenas blocos de pedra maciços.

-Devo dizer que se espera por muitas respostas eu as não tenho - comentou se sentando no degrau que levava para uma espécie de palco elevado - É um dos motivos do meu interesse. Esse lugar que você está vendo a princípio não deveria estar aqui, são templos construídos para a prática de magias proibidas.

-A família Coldciani é antiga, tanto quanto a minha, digamos que com um pouco de pesquisa descobri que em algum ponto da história antiga elas se cruzaram. - ele tragou o cigarro e soltou a fumaça - É preciso ter afinidade [Nome], não é qualquer um que resolve mexer com demônios e conseguem sobreviver a eles.

-Mas meus pais morreram no ataque. E você disse que a energia que sentiu em mim é fraca.

-Isso que é interessante. Não há dúvidas que você tem uma ligação, mas o grau dela que é desconhecido. E sua natureza também. - me respondeu.

-Ótimo, uma aberração até no meio das coisas que já são estranhas. - disse com sarcasmo chutando algo similar a um osso que estava em meu caminho.

-Longe disso, te acho fascinante. Ouvi de Morgen sobre suas habilidades, me parece ser uma maga e tanto.

Balancei a cabeça - Morgen é gentil demais para apontar as falhas de uma pessoa, é até difícil acreditar que ele é seu irmão.

Nacht ficou quieto por um segundo, o rosto sem expressão apoiado na mão enquanto os olhos encaravam vazios para algum lugar - É difícil acreditar que ele seja um Faust. Mas enfim, você me perguntou o porque eu estava aqui mas não me disse o motivo da sua visita.

-Mas veja só - ri com escárnio - Eu preciso de motivos para visitar minhas próprias terras? Poderia estar apenas dando uma volta noturna.

Ele riu sarcástico - Não com essas vestes.

-Já mencionou ela algumas vezes Nacht, gostou tanto assim? - Encarei seus olhos claros mantendo a postura reta e o queixo erguido.

-Você me proibiu de comentar algumas coisas, então vou manter meus pensamentos guardados. - o rapaz bateu com a mão na testa algumas vezes com um sorriso dançando em seu rosto.

Tinha algo estranho naquelas provocações trocadas, uma que eu talvez não quisesse admitir a princípio, brincadeiras com um fundo de verdade.

-Estive aqui de tarde com Marx e Julius, não lembro de uma boa parte da minha infância achei que com um feitiço de memória seria possível recuperar algumas. Mas não aconteceu. - e continuei - A maioria delas parecem estar bloqueadas.

Nacht pareceu levemente surpreso batendo o pé no chão algumas vezes - Pode ser o resquício que eu detectei em você. Um selo, mas o que pode estar prendendo é o problema.

-Poderia ser apenas memórias, mas e se for algo a mais?

Mesmo que não tivesse entradas naquela sala subterrânea, uma corrente de ar pareceu percorrer o lugar assim que a fala deixou sua boca fazendo até mesmo parte da barra da capa balançar. Uma sensação inquietante se instalou em meu peito, mas foi como ele mesmo disse, não tinha como voltar.

-E o que precisamos fazer para retirar isso?

-Te preparar para as consequências, acredito que um ritual ou outro dê certo. - me respondeu levantando - Tenho certeza que já me deparei com algo parecido nos livros, mas a questão principal é...

O rapaz andou até mim circulando como uma cobra que se prepara para sufocar sua presa - Estar preparada para enfrentar seus medos mais profundos, aqueles que te rasgam os pensamentos a noite. Saber como enfrentar as verdades que você nega e esconder os monstros que assombram seus pesadelos.

-Para revelar o mistério que te cerca [Nome], vai precisar passar por coisas muito além da agonia. - senti mãos nos meus ombros - Não estou querendo te assustar, até porque parece bem determinada.

-Considere apenas como o aviso de um bom amigo.

-Se eu tivesse dúvidas Nacht, não tinha aceitado. - Virei a cabeça para o encarar pelo canto de olho proferindo com determinação - Apenas me diga o que fazer.

Antes de responder o cenário se revolveu novamente se dissipando e voltando a ser as ruínas banhadas pela luz prateada da lua que ainda se encontrava no céu. Senti um aperto nos meus ombros e o cheiro de fumaça do cigarro me envolvendo antes de se afastar subitamente.

Olhei para trás para ver Nacht andando em direção a saída da propriedade com uma mão no alto - Por hora apenas espere meu convite para a próxima dança, temos um baile inteiro pela frente.







N/A: Obrigada por ler até aqui!

Até mais, Xx!

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