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obs: esse capítulo contém cenas de violência física. Muito cuidado ao ler, e se você tiver qualquer problema, por favor, fale com um responsável. Nossa saúde fica acima de tudo!

boa leitura ❤️

...

FELINA

Esperei alguns dias porque não tive coragem. Mas hoje é diferente. Estamos no recesso do feriado de Natal e como tenho um pouco de amor pela vida decidi sair de casa. Finalmente.

As pessoas amam o Natal. Outras exceções simplesmente odeiam, e eu sou uma delas. Na minha cabeça quem gosta do Natal só deve ter uma família bem estruturada, porque só assim para ter um ambiente feliz, com músicas, presentes e comida. Meu Natal se resume a um jantar de comida congelada do supermercado e talvez um presente.

Mas não este ano. Eu avisei Adora que iria embora de casa, e que ela devia me buscar às três no parque. Melhor se eu caminhar por um tempo longe o suficiente de Sombria. Vou morar com Adora e Mara. Elas compraram um colchão para mim, e estou levando apenas minhas roupas e poucas decorações da parede do quarto. São as únicas posses materiais que preciso.

Sombria está na sala, e eu no quarto. Pensei que eu conseguiria fazer isso numa boa porque a vontade de ir embora é maior que qualquer coisa. Mas então a minha mãe adotiva está assistindo TV e penso se ela vai fazer algo comigo assim que ver minha mochila cheia. Seria mais fácil se ela não estivesse aqui.

"Ou eu posso fugir" penso enquanto dobro o uniforme de basquete. Não. Não. Não... Quero que ela me veja sair por aquela porta de cabeça erguida. Quero que ela fique com raiva de mim do mesmo modo que fiquei durante a vida toda. Quero que ela sinta dor ao ver que está me perdendo.

Respiro fundo e fecho a porta do quarto atrás de mim, mas não sem antes dar uma olhada nele. Ainda parece o mesmo. Talvez eu não o veja nunca mais, e fico grata por isso. Tudo o que tenho são memórias ruins.

— Eu tô indo embora — digo em voz alta assim que entro na sala. Sombria vira o corpo lentamente, como se não tivesse entendido. Ela me encara com raiva. Minha espinha fica arrepiada. Acho que vou vomitar. Não sei mais como controlar meu corpo. — Eu não posso aguentar ficar aqui mais um dia, então não tente me impedir.

Deus, acho que vou vomitar mesmo.

— Você não pode fazer isso — a voz dela sai enfurecida, mas seu tom não é alto. Está tentando se controlar.

Aperto meu braço com a mão livre, nervosa. Sombria avança dois passos na minha direção, e mando meu corpo não recuar. Não vou ser fraca.

— Menina ingrata! Eu fiz tudo por nós, para essa casa, eu te criei assim e é desse jeito que me agradece? Indo embora?

— Eu não tô nem aí para isso! Você me enganou a vida inteira só pra pegar dinheiro que eu sei! — as palavras saem como um furacão: potentes e para machucar. Não posso lutar com ela, mas posso tentar ferir ela de outro jeito. Sombria apenas fica com mais ódio e não nega. Então falo mais baixo dessa vez, com esperança e tristeza, para ela sentir um pouco do que tive. — Nunca se importou comigo um segundo na sua vida, não é?

Ela não responde. Meu corpo começou a tremer e não consigo fazer parar. Parte porque estou apavorada, e em outra porque Sombria foi minha vida e estou deixando-a para trás.

— Para onde vai?

— Não é da sua conta.

— Como vai ficar indo para a escola? Ainda sou sua treinadora, está lembrada? Não pode me descartar da sua vida assim!

— É só fingir que não me conhece, exatamente como todo dia — respondo, minha língua como uma faca afiada. Bufo pelas narinas, bem próxima da mulher que me adotou. — Você vai me deixar conduzir o time do jeito certo, entendeu?

— Não se eu expulsá-la.

Sombria sorri maliciosamente. Eu recuo um passo. Em vez de ficar com medo, acabo rindo.

— Sou a melhor jogadora da escola. Sem mim não passa de uma treinadora de merda!

Ela percebe que está perdendo a briga Então respira fundo e fecha os olhos, mas não relaxo diante disso. Minha mão continua fechada em um punho bem ao lado do meu corpo caso qualquer coisa aconteça, e eu não vou hesitar. Sombria não vai me machucar (agora).

Então chega mais perto de mim e acaricia meu rosto como costumava, a mão gelada e quase morta que tanto temi. Antes que eu consiga sair, ela aperta minha bochecha e me puxa com a outra mão, me encurralando até ter o rosto próximo do meu, uma distância suficiente para eu sentir seu hálito e respiração. Posso até sentir o coração dela batendo acelerado, ou talvez deva ser o meu pronto para escapar do peito de tanto pavor.

— Você vai voltar para mim.

— Não!

— Não vai durar um segundo lá fora. Sabe por quê? Ninguém vai te amar como eu. Ninguém se importa com uma adolescente ridícula, órfã e burra como você por aí! Quando perceber seu erro vai voltar correndo para mim, porque sou a única que aguenta. Eu te suportei por anos e consigo por mais. Por dinheiro as pessoas fazem muito.

Essas palavras me atingem e mordo o lábio até sangrar apenas para segurar o choro. Essa mulher é horrível, horrível, horrível... Só quero ir embora daqui.

Ela é uma bruxa.

Então digo bem alto, nem que precise ficar surda para ir embora:

— Você tá errada! Assim que eu puder ser independente não vamos nos ver nunca mais, e aí você vai parar de receber a droga do dinheiro do governo! Eu sei de tudo — cuspo as palavras em seu rosto. Sombria me aperta ainda mais, mas não ligo. Minha raiva é maior do que isso. — Se é tão preocupada com dinheiro assim, tudo bem, pode continuar recebendo até o ano que vem. Isso não me interessa. A única coisa que eu tenho certeza é que nunca mais quero ouvir a sua voz ou ser tocada por você! Eu te odeio! EU TE ODEIO!

Solto-me dos seus braços antes que possa responder. Estou quase na porta quando Sombria agarra meu cabelo. Tudo dói, cada fiozinho, até a raiz. Ela puxa sem dó, e se eu não fosse tão rápida teria caído no chão. Solto um grunhido alto e Sombria xinga várias vezes.

Alcanço minhas coisas e corro para a porta. Sombria respira cansada, e fica parada me observando ir embora.

— Se vier atrás de mim eu chamo a polícia — eu ameaço-a e logo fecho a porta numa batida violenta.

Ando pela rua rapidamente, nem presto atenção na calçada ou nas pessoas se perguntando o que acabou de acontecer. Toco meu cabelo, agora todo assanhado e volumoso, e sinto nojo dele. Quero desesperadamente chorar, desabar mesmo, mas não até chegar no carro de Adora. Não posso chorar no meio da rua. Se isso acontecer vou acabar caindo e incapaz de levantar.

Tudo em mim é marca de Sombria, e espero que nunca mais aconteça. Eu costumava odiar o meu corpo. Será que agora posso superar isso? Minha cabeça vai e volta, e me sinto embaixo d'água porque não ouço nada. Os sons estão abafados, meu cabelo cobre a visão, os pés tocam o chão, porém nada parece estável. Me sinto tonta e perdida.

Chego na praça, exatamente como combinei com Adora, e o carro dela já está lá. Não sei quanto tempo demorei, mas ela não vai se importar com atrasos.

Dou batidinhas na janela. Pelo meu reflexo vejo como estou cansada e tremendo como um gato molhado.

Ela está ouvindo música e lendo (ela é tão perfeita, nossa), mas percebe meu estado e logo abre a porta, diminui o volume e muda a postura.

Por um instante não falamos nada, só a música toca baixinho nas caixas de som, e eu me permito respirar direito. Adora arruma todas as coisas no banco traseiro e espera eu falar qualquer coisa, porém não consigo expressar nada. Encaro minhas mãos com dor. Não acredito que finalmente consegui ir embora. Se nada disso der certo, vou ficar sozinha para sempre.

— E aí? Conseguiu?

— Sim — minha voz mal sai. Tiro o celular do bolso e mostro o que consegui. Adora assente, está tão nervosa quanto eu.

— Sinto muito, Felina. Tudo vai ficar bem agora. Eu prometo.

Aí eu desabo de vez.

Choro tudo o que preciso e tenho direito, até não conseguir ar, soluço diversas vezes. Minha visão embaça com as lágrimas quentes, e escondo o rosto com as mãos. Adora me puxa em um abraço. Não consigo ver, mas ela está fungando também. Ambas permanecemos no carro por minutos, e nem vejo o tempo passar. Quero desaparecer com Adora e sei que ficarei bem.

Isso tudo vai mudar minha vida para pior ou melhor, e esse choro vai ser meu último. Prefiro jogar tudo fora para nunca mais pensar nisso ou sofrer de novo.

— Eu estou bem — digo e umedeço os lábios. Preciso me hidratar. Adora dá um sorrisinho discreto e seca o meu suor da testa com a mão. — Vamos logo sair daqui.

— Nosso plano vai funcionar — Adora aperta minha mão e desejo não soltá-la nunca mais.

Durante todo o trajeto choro silenciosamente, fungando algumas vezes. Se Adora percebe não diz nada. Encaro meus braços. Está com marcas roxas, e outras que eu mesma fiz há muito tempo. É doloroso olhar, mas são um lembrete de algo que não vou mais fazer. Agora sei que posso ficar tranquila, ao menos em parte.

Passo as mãos no cabelo. Ainda está doendo por conta daquele puxão. Se eu pudesse arrancar agora seria uma boa. Toda vez que sentir vou pensar nela. Não quero isso.

— O que aconteceu? — Adora pergunta, mas não tira os olhos da rua. — Você resmungou.

— Hm. Nada demais. Eu só tava pensando que agora detesto meu cabelo. Ela puxou com muita força.

Adora faz uma careta de nojo.

— Sinto muito.

— Tudo bem.

— Mas sobre o cabelo... Nós podemos resolver — Adora sorri maliciosa. Consigo sorrir um pouquinho também. — A Mara marcou uma tarde no salão para mim, antes do baile de inverno. Quer ir também?

— Tá me convidando pro baile ou pro cabeleireiro? — consigo sorrir. Adora revira os olhos com graça. Ela fica tão bonita quando sorri.

— Os dois.

— Então eu aceito. Ia ser legal desapegar de tudo — concordo. Quero saber como Adora vai ficar quando cortar o cabelo dela também.

Ainda teremos a final do campeonato de inverno e logo depois o baile de confraternização. Vai ser uma semana louca, mas vou deixar isso para o ano que vem. Agora é...

— Natal? — pergunto com humor, para a minha surpresa. Adora estaciona o carro na porta da casa dela, e o jardim está decorado com pisca-piscas e enfeites que deixam o lugar parecendo uma loja de shopping. Isso é hilário.

— Você gostou? Eu e Mara estávamos esperando você chegar para comer alguma coisa, abrir os presentes e tudo mais.

— Tem presentes pra mim? — pergunto animada. Gosto de presentes, não muito do feriado.

— Claro que sim, sua boba.

Agora sim esse feriado é bom. Presentes, Adora...

— Isso é incrível.

Não acredito que minha vida está mudando assim. Me sinto uma intrusa na vida de Adora, mas ela estendeu a mão para mim. É a melhor coisa que eu poderia pedir.

Ela seca minhas lágrimas do rosto e nos beijamos. É tão bom que quase sinto meu corpo voar até as nuvens. Estou apaixonada por ela há anos e finalmente conseguimos chegar até aqui, com um pouco de paz durante um dia.

— Feliz Natal, meu amor — ela sussurra para mim e sorrimos. Não saímos do carro antes que eu possa beijá-la de novo.

...

rt se vc chorou

hi Lorena kkkkkk brincadeira

oi, pessoal! como vocês estão? espero que bem!

o que acharam do capítulo? ele foi bem difícil de escrever, eu demorei demais, e tentei tomar cuidado nas palavras e descrições.

esse assunto de violência doméstica e infantil é muito delicado, então se você passa por isso, por favor, busque ajuda!

enfim, pelo menos a felina conseguiu sair dessa. a história ainda não acabou, podem esperar para mais skdkdk

ah, queria agradecer a todo mundo que entrou no grupinho do whatsapp 💖💖 vocês são incríveis! e quem ainda não entrou, o link tá no meu quadro de mensagens, mas eu também posso mandar pelo pv (basta me chamar)

VEM AÍ

AMANHÃ (sexta-feira)
CAPÍTULO NOVO

pode anotar viu?

é muito obrigada pelos 13k! ❤️❤️

não esqueçam de votar

beijos! se cuidem!

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