03
FELINA
Eu odeio, odeio, odeio, odeio admitir coisas. Principalmente algo que devia ser pessoal, meu problema, só meu.
Agora é uma dessas situações.
Começou com o dia normal na escola, aulas e aulas que nunca tem fim. Fiquei prestando atenção como sempre mesmo com tédio e sono. Aí chegou a aula de álgebra, horrível por sinal, mas consegui resolver um exercício, por incrível que pareça, mas não mostrei a ninguém. Nenhum aluno conseguiu fazer exceto eu, pelo que parecia. O professor nos olhou com desapontamento e impaciência. Nessa hora eu quis dizer bem alto "até a Adora consegue resolver isso e vocês não!".
Lembrei que ela nem estava lá, e que ela conseguiria resolver sim o cálculo. Porque ela é uma nerd com a cabeça enorme e sabe de tudo. Admito.
Depois o treino. Sombria nos instruiu como sempre, de pé e mandava fazermos exercícios, depois lances, e então um jogo rápido. Eu gritava com todo mundo dizendo os melhores modos de jogar, e sinceramente, estava certa. Sei o que é melhor. É cansativo. Eles não querem nem se esforçar para fazer algo bom o suficiente, e no final minha voz fica rouca de tantas instruções.
Eles olharam feio para mim na saída.
Não ligo.
— Mas eu só acho engraçado que você, Kyle, é desleixado e ainda sim está no time — falo mesmo. Ele sempre foi muito sensível, mas é o mais determinado de nós. Kyle se afasta sem dizer nada.
— Cala a boca, Felina — Lonnie cospe e vai atrás dele, deixando a quadra. Reviro os olhos. Eles sabem que não foi sério.
Eu tento não ser tão má, mas simplesmente explodo. Eles me conhecem. Sou assim.
— Pelo menos eu admito quando estou obcecada por algo, Felina.
— Quem aqui tá obcecado, Rogelio? — pensei que já estava sozinha.
— Você, ué. Estamos só treinando. Não é sério ainda. Não temos que ser perfeitos em tudo. E para de reclamar da Adora. Ela teve sorte. Você não tira ela da cabeça desde que as aulas começaram!
— Não falei nada dessa Adora.
Rogelio estala a língua. Ele é grande e musculoso. Pode me jogar pra longe se quiser, mas eu sou rápida e mais durona. Ele só está dizendo essas coisas porque é namorado do Kyle e quer defendê-lo.
— Só admita.
Abro a boca para responder. Ele sai sem querer receber resposta. Bato um pé no chão.
Ok, eu admito para mim. Talvez eu nunca diga isso em voz alta, mas, estou sim pensando demais na Adora.
Estou pensando nela o tempo inteiro.
Porque ela era minha distração, minha rotina, e agora quebrou. Não tenho com quem brigar, provocar, até rir às vezes.
Porque tenho inveja que ela é mais inteligente e talentosa. Porque ela foi para Bright Moon e nos deixou. Me deixou. Porque eu nunca vou ser melhor do que ela, ou ter uma casa e mãe como a dela.
E porque estou apaixonada por ela há seis anos.
...
— Que se foda a Sombria! — falo alto para o céu.
Arremesso uma pedra qualquer na direção do campo de futebol da escola. Está vazio e eu posso desfrutar do vento frio sozinha aqui. Quase todos os alunos estão passando o intervalo dentro da escola porque ninguém aguenta o outono se aproximando. Eu gosto. Me cubro com os casacos que tenho e aproveito um pouco de paz longe de tudo.
Estou furiosa. Ontem a noite, depois de jantar, Sombria me fez treinar no quintal correndo e arremessando até meus braços doerem. Disse que não estava boa o suficiente, mas não mudei nada. Sei que ela só faz isso porque não tem nada de melhor pra se entreter. Ficou indo na cozinha para conferir se eu estava lá, a cada dez minutos. Fiquei faminta e quase desmaiei já que tinham só uns biscoitos no armário e não foram suficiente. Basicamente ando comendo mais na escola do que em casa.
Não dormi bem por causa da dor (mesmo exausta) e da fome. Mal prestei atenção nas aulas. Devorei meu almoço que peguei da cantina e me isolei no campo. Eu posso morar na escola e vai ser melhor que com a Sombria. Odeio isso.
Tento fazer massagem no meu braço. Ele tem algumas marcas ainda, e dói demais. Eu tenho costume de correr e arremessar a bola sempre, e faz tempo que não sinto tanta dor. A Sombria pegou pesado dessa vez. Preciso comprar uma outra pomada de massagem.
Dou um grunhido e coloco meus fones de ouvido novamente. "Ain't Nobody" é tão boa e antiga que dou um sorrisinho. Desço da arquibancada gelada e pego minhas coisas. Eu podia muito bem sair da escola sem ninguém notar. Em vez disso encaro as pichações no muro que leva ao banheiro. Tem vários desenhos bonitos e meio estranhos, frases e nomes. Há um monte de garrafas jogadas no chão. Essa escola está uma bagunça mesmo. Nem limpar isso tem condições.
Chuto uma delas de leve para ver se há tinta. Uma delas tem sim, preta, e recolho-a do chão. Está suja por fora.
Encaro o muro.
Agito a lata sem pensar.
Quando me dou conta estou fazendo um desenho idiota da cara da Sombria, e é só um boneco mal feito. Só acho divertido por conta da música em meus ouvidos e parte de mim sempre vai ter aquele lembrete do rosto feio da minha mãe, estampado na parede do banheiro. Será que um dia vai olhar e pensar que é ela? Ia ser hilário.
Mas a diversão não dura muito. Em parte porque a tinta acaba quando estou pintando o cabelo dela, e porque um funcionário me chama de longe.
Nem me mexo. À esta altura já não me importo se for pega. Nem me dei ao trabalho de me esconder ou ser discreta, pra começo de conversa.
— Felina! — ele grita mesmo chegando mais perto. Devia estar limpando algo ali perto e me viu. Está com a vassoura na mão. — O que está fazendo?
Arqueio a sobrancelha e gesticulo com a lata na mão.
— Não é óbvio?
— Tenho que te levar na sala do diretor.
— É uma pena — digo sarcástica. A opção não me intimida. Ele sabe que não vou resistir e só indica a escola com a cabeça. Largo a lata no chão e sigo o moço da limpeza, sem ânimo algum.
Entro na sala do diretor Hordak com cara de tédio. Na verdade quero sorrir, porque significa que vou ficar na escola até mais tarde, e qualquer tempo longe da Sombria é um bom tempo.
— Pichação — o moço diz e se retira. Ainda estou parada de frente ao diretor e não me sento.
— No intervalo, Felina?
Hordak tem a voz grossa e grave. Tento não parecer indefesa porque ele parece violão de desenho animado.
— É, né.
Ele balança a cabeça e estala a língua. Está desapontado.
— Pensei que teria mais cuidado agora que é capitã. Tem boas chances de entrar em faculdades e não quero sujar o seu histórico com vandalismo.
Solto um risinho rouco.
— Nós sabemos que eu já fiz coisas ruins o suficiente pra sujar meu histórico.
— Eu sei. Mas não quero. Você é muito esperta. Uma jóia aqui. Não posso arriscar — Hordak pega caneta e papel, escreve alguma coisa e me entrega. — Detenção hoje depois da aula. Eu arranjo um motivo melhor.
Dou uma olhada no papel e suspiro. O pessoal da detenção é esquisito.
— Da próxima vez que decidir vandalizar a escola faça escondida ou a noite para não ser pega e eu não vou precisar passar por isso com você de novo, ok?
— Certo.
Coloco o papel no bolso. Hordak me dispensa e saio lentamente. Tinha esquecido como ele não é tão mal e durão quanto parece.
— Obrigada.
...
eu AMO esse capítulo!
p.s.: ainda não superei a quinta temporada e choro toda vez que lembro :')
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