Epílogo 2

"If you stay with me
Darling, I could be your man
If you let me be
Your lover, I'll do anything
If you stay with me
Daring, I could be your man
I could set you free
And we could be happy"
Dreamer; Ivory Hours.


Carter

A luz fraca que entrava pela fresta da porta bateu diretamente nos meus olhos, a luminosidade fraca incomodou-os por um instante, e pisquei algumas vezes para me habituar com a vida real.

O rosto dela estava virado para o meu, calmo, tranquilo, e me senti aliviado por vê-la ali, ao meu lado. Ela respirava lentamente, os olhos pregados e as mãos enfiadas para baixo do travesseiro, era como se o mundo pudesse acabar que as coisas ficariam bem mesmo assim.

Todos os dias, quando eu abria meus olhos e podia contemplar cada detalhe do seu rosto, eu me sentia um pouco mais aliviado que no anterior, porque todas as manhãs eu acordava fora de um sonho e ela ainda estava lá comigo.

Contornei seu rosto com a ponta dos meus dedos, empurrando o cabelo longo para longe do seu rosto. Queria que seus olhos se abrissem para mim e ela me lançasse o mesmo sorriso de sempre, mas também queria que ela continuasse descansando, não podia perturbá-la por puro capricho.

Eu gostava de poder acordar antes dela de vez em quando e ir adiantando as coisas, deixar o café da manhã no esquema ou adiantar a arrumação da casa, especialmente porque eu costumava deixar tudo meio que espalhado por onde eu passava e, para evitar o estresse, enquanto ela continuava dormindo, eu só ia recolhendo o que eu largava pelo apartamento e guardava no lugar.

Comecei pelo banheiro, coloquei as toalhas no cesto de roupa suja e joguei os frascos de shampoo vazios no lixo, encontrei uma camiseta minha caída atrás da porta e ela teve o mesmo destino das toalhas. Queria deixar tudo minimamente arrumado para que ela não precisasse se preocupar em terminar de arrumar a casa nas vésperas de uma viagem que ela ainda nem sabia que aconteceria.

Corri por todos os cômodos arrumando o que faltava e quando finalmente terminei tudo, fui para o tão esperado café da manhã, porque minha barriga roncava tão alto que os três andares de baixo eram capazes de ouvir.

Eu sabia que ela tinha acordado. Eu conseguia sentir com tanta afinco os seus olhos sobre minhas costas, que minha nuca ardia e eu sentia minhas orelhas esquentarem.

Silenciosamente, ela passou os braços ao redor do meu corpo, me abraçando por trás enquanto eu virava o bacon na frigideira.

— Bom dia, meu bem — Ela me apertou, passando a cabeça por baixo do meu braço ter uma visão ampla do fogão. — O que a gente vai comer?

— Os melhores ovos com bacon desse canto do país! — Abri um sorriso orgulhoso, porque era a única coisa que eu sabia que conseguia fazer bem. — Dormiu bem?

Ela confirmou com a cabeça, pegando dois pratos e colocando no balcão. Allison estava de bom humor, o que era ótimo, porque eu teria que falar pra ela que tinha gastado mais dinheiro do que o previsto comprando passagens mais caras para pegarmos um voo para Boston no dia seguinte.

A garota se sentou em um dos banquinhos e apoiou os cotovelos sobre a superfície gélida do mármore, o sorrisinho pequeno que se formava em seus lábios vermelhos fazia meu coração bater mais forte, vê-la sorrir era uma das melhores coisas do meu dia.

Dividi o café da manhã nos dois pratos e me sentei ao lado dela, que encheu nossos copos com suco de maçã. Ela colocou as mãos sobre as pernas, esticando as costas e virando o banco em minha direção, tamborilando os dedos freneticamente.

— Não vai comer? — Estreitei os olhos.

— Quando acha que a gente pode ir pra Boston? — Ela praticamente atravessou minha pergunta.

Eu ri abafado. Sabia! Virei para frente, espetando alguns pedacinhos dos ovos com a ponta do garfo, enrolando para colocá-lo na boca.

— Amanhã — Enfiei o garfo na boca.

Ela hesitou, confusa. Seus olhos piscaram rapidamente, perdidos, era como se eu tivesse arrancado todas as informações de seu cérebro, das mais antigas até as mais recentes, e tivesse jogado no lixo, ela estava tentando restaurar tudo lentamente.

— Como assim? — Perguntou, atônita. — Daniel, você tá brincando?

Enfiei mais uma garfada na boca, o que a deixou ainda mais irritada. Ela detestava que brincassem com seus sentimentos, sempre se considerava fraca e por isso não gostava de brincadeiras que envolvessem seus sentimentos.

— A gente vai pra Boston amanhã — Peguei o celular, deslizando o dedo sobre a tela até encontrar o e-mail com o pedido do check-in do voo e mostrei para ela. — Comprei ontem!

— Quando? Que horas? — Ela franziu o cenho. — Por quê?

— Achei que ia gostar de passar uns dois ou três dias por lá e...

Seus olhos se encheram de lágrimas de repente. Ela costumava dizer que meus olhos eram como o oceano e que, quando eu chorava, tudo ficava mais turbulento, como ondas numa tempestade, mas ela provavelmente nunca prestou atenção nos próprios olhos quando estava chorando.

Era como um tsunami brutal e avassalador, levando embora casas, carros e pessoas como se fossem de papelão.

Por um instante, pensei que tinha estragado tudo. Merda, e agora? Eu tentei fazer algo legal...

Ela deve ter percebido meu desespero, ela sempre percebia, aquela garota me lia tão facilmente que eu parecia um livro infantil da quinta série. Um sorriso cresceu na curvatura de seus lábios, ela riu entre as lágrimas antes de pular no meu pescoço, me abraçando com tanta força que quase me derrubou do banquinho.

— Obrigada... — Ela enterrou o rosto na curva do meu pescoço.

— Não precisa agradecer, amor — Segurei seu rosto entre as mãos. — Só que eu vou precisar de ajuda com a mala... Você sabe...

— Você sempre esquece alguma coisa — Ela riu, entrelaçando os dedos aos meus. — Eu sei...

Eu não conseguia imaginar o quão difícil tinha sido para ela passar tanto tempo longe dos pais quando ela morava na Califórnia, às vezes, mesmo que ela tentasse esconder e negar, eu a pegava chorando depois de conversar com a mãe, com a irmã ou com o irmão caçula.

Também sentia falta dos meus pais, às vezes queria que fosse fácil vê-los e me cobrava por não conversar tanto com meu sobrinho, porque ele já era quase um pré-adolescente e eu sentia que estava perdendo fases da vida dele que eu nunca pensei que perderia.

Mas com Allison o buraco parecia muito mais embaixo, como se ela tivesse abandonado tudo o que tinha para trás. Às vezes eu me perguntava se ela realmente era feliz estando ao meu lado, ainda que estivesse tão longe da família, e às vezes me perguntava se aquilo tinha sido a melhor escolha para nós dois.

Ela terminou de comer rapidamente, como um jato, e eu a acompanhei, porque não deu tempo nem de lavar a louça. Allison me puxou pelo pulso, pedindo pra eu pegar as malas na prateleira de cima do armário e eu as coloquei sobre a cama desarrumada.

— Eu te amo — Ela virou pra mim de repente, como se estivesse preocupada. — Sabe disso, né?

— Eu também te amo, mas por que isso agora? — Perguntei, ajudando-a a pegar alguns casacos.

Ela soltou os casacos sobre a cama e juntou os pés, quase como uma estátua. Seus olhos subiram para os meus, ela era capaz de ler cada entrelinha da minha mente, e por mais assustador que aquilo soasse, ainda era um alívio.

— Não quero que pense que fiz uma escolha errada vindo para cá. Eu te amo, e eu quero ficar ao seu lado para o que der e vier, entende? — Ela puxou uma das minhas mãos e a colocou sobre deu peito, pressionando até que eu fosse capaz de sentir seu coração. — Lembra? Eu sinto!

Eu respirei fundo, encarando o espaço entre nós dois como se ele fosse, de alguma forma, se materializar de repente.

— É que... Eu vejo como você fica toda vez que fala com sua mãe, com a Madison e com o Sam e... Sei lá. Eu sei o quanto dói em você, porque eu também sinto, e não gosto quando as coisas doem em você! — Segurei-a pelos braços, circundando seus cotovelos com minhas mãos.

Ela sorriu e pendeu a cabeça para o lado, apertando os lábios.

— Eu escolhi você, Daniel Carter. E se eu te escolhi, é porque tenho certeza de tudo!

Quando chegamos em Boston depois do voo, eu não sabia o que esperar. Tínhamos decidido ficar em um hotel para não atrapalhar a vida dos meus pais e nem da mãe dela, já que ficar no pai dela não tinha nem sido cogitado como opção.

Arrumamos nossas coisas rapidamente pelo quarto apertado e não demoramos para entrar no carro. Ainda não tinha caído a ficha de que não éramos mais adolescentes e que eu tava prestes a ver o bebê de um dos meus melhores amigos, e toda vez que aquilo passava pela minha cabeça, eu me sentia um tanto estranho, quase anestesiado.

Era estranho. Anos antes, nós estávamos sofrendo com dramas adolescentes e com nossas festas frustradas por intrigas de ensino médio, agora eu estava indo visitar um recém-nascido com a minha namorada que já era praticamente minha noiva.

Eu me sentia estranho, mas feliz, estávamos crescendo e crescendo de verdade, mas as memórias boas da nossa adolescência ainda pareciam frescas demais para que Jordan tivesse um filho. Sei lá, era esquisito.

Parei o carro na frente da casa deles, tinha os avisado que passaria por lá logo depois do almoço, então não foi estranho ser recebido por Jordan na porta, com um sorriso que ia de orelha a orelha. Ele estava cansado, mais do que da última vez que eu tinha o visto, mas achava que era justamente por ter um bebê novo na família.

Eu me lembrava de quando o meu sobrinho tinha nascido, meu irmão foi de um cara cheio de energia, sorridente e brincalhão, pra um zumbi em um piscar de olhos.

— Jordan! — Allison pulou para fora do carro, correndo na direção do cunhado. — Que saudade!

Ela o abraçou apertado, estava empolgada e parecia até uma criança atrás de doce. Eu me lembrava de como era toda aquela euforia, quando meu sobrinho nasceu, eu tinha treze para quatorze anos e, mesmo assim, era como se eu estivesse prestes a ganhar um presente de natal adiantado.

O cumprimentei rapidamente, caminhando atrás deles até o andar de cima. O silêncio na casa parecia quase como uma lei, e o clima parecia um pouco mais tenebroso do que deveria, tudo estava bagunçado, como se eles não tivessem tido tempo suficiente para deixar a casa em ordem antes da chegada do novo integrante.

Me senti tenso por um instante, quase como se eu estivesse invadindo a casa dos dois na hora menos oportuna, e aquilo se perpetuou até o momento em que Jordan abriu a porta do quarto.

Madison estava sentada com as costas apoiadas em vários travesseiros, a feição cansada diferia muito da que eu estava acostumado, sempre com um sorriso no rosto e uma opinião na ponta da língua, ali, ela parecia quase frágil demais para ser verdade. Os dois braços embalavam um pacote de cobertinhas felpudas, parecia até que ela estava segurando uma boneca de plástico, porque o bebê mal se movia.

Tive medo de me aproximar, era tudo frágil demais e eu, por outro lado, era grande como uma muralha enorme, parecia que qualquer movimento meu poderia fazer tudo quebrar em um instante.

Allison, por outro lado, se aproximou da irmã sem rodeio algum, sentando-se ao lado da ruiva, na beirada da cama, e se esgueirando por cima do ombro da irmã para ver o que tinha dentro do bolo de cobertas. Seus olhos brilhavam tanto que o sol ficaria com inveja. Com a ponta dos dedos, ela abaixou a beirada da coberta e abriu um sorrisinho involuntário e gentil.

Eu permanecia congelado no meio do quarto, parecendo uma estátua de pedras. Madison passou a filha para os braços da irmã mais nova, que se levantou cuidadosamente enquanto balançava cuidadosamente o corpo de um lado para o outro.

A ruiva abriu um sorriso singelo e generoso para a irmã, se aninhando aos braços do marido, que tinha se sentado ao lado dela e passado o braço por cima de seus ombros. Allison, por outro lado, parecia se sentir como se segurasse metade do universo entre os braços.

Quando meu sobrinho nasceu, eu não o peguei no colo, na verdade, eu nunca tinha pegado nenhum bebê no colo justamente porque morria de medo de derrubar ou de machucar. Bebês são frágeis, vulneráveis e dependentes de tudo, e eu sempre fui meio bruto.

A primeira vez que peguei Sean no colo, ele já tinha um ano e meio, já sabia andar, correr e tava aprendendo a falar, então não tinha mais tanto medo de levantá-lo, virá-lo de ponta cabeça, jogá-lo para cima e fazer todas as brincadeiras malucas que meu irmão detestava que eu fizesse.

Mas Allison parecia boa com aquilo, mesmo inexperiente e segurando Makena de forma meio desengonçada, ela, com certeza, estava se saindo muito melhor do que se eu tentasse.

— Vem aqui, amor — Ela virou-se para mim com um sorriso enorme. — Olha só!

Ainda inseguro, eu dei os primeiros passos na direção dela. Pousei minha mão em seu ombro pra que ela soubesse que eu estava bem ali, ela levantou o rosto em minha direção e abriu um sorriso gigante ao virar-se para o bebê.

Makena era minúscula se comparada a mim, seus bracinhos se mantinham encolhidos dentro da coberta, mostrando apenas suas mãozinhas fechadas. Eu não fazia ideia de qual era a cor de seus olhos, porque ela estava dormindo e parecia bastante tranquila, mas ela definitivamente se parecia mais com o Jordan que com a Madison.

A pele era de um tom de avelã ainda imaturo, ela não tinha muito cabelo e as sobrancelhas pareciam longe de existir, mesmo que Jordan tivesse um par de sobrancelhas bem grossas para que ela herdasse, mas acho que bebês normalmente não vêm de fábrica com muitos pelos pelo corpo. O narizinho era um meio termo entre as abas largas de Jordan e a ponta fina de Madison, e mesmo que o cabelo de Jordan fosse quase tão escuro quanto os meus, Makena tinha fios mais acinzentados.

Eu nunca tinha pensado em ter filhos antes, sabia que criar uma criança poderia ser um saco, mas vendo Allison com a nossa sobrinha nos braços, eu me senti estranhamente tentado a amar a ideia de poder ter um filho com ela, ou quantos filhos ela quisesse ter.

Ali, todas as vezes que meus pais disseram que um filho era resultado de um amor que transborda, fizeram sentido de repente. O amor de Jordan e Madison tinha transbordado, e eu queria que o meu amor e o de Allison transbordasse quando chegasse nossa vez. Mesmo que eu tivesse medo de ser pai, de não saber o que fazer, a ideia tinha se tornava menos assustadora a cada vez que eu a via ninando Makena com um sorrisinho nos lábios.

Eu não tinha como fugir daquilo, não importava mais quantas vezes eu tentei fugir da verdade por medo de assumir para mim mesmo. Allison definitivamente era a mulher da minha vida, e o meu futuro nunca seria o mesmo se ela não estivesse ao meu lado. Eu passaria todos os dias da minha vida com ela, e aquilo definitivamente não seria um problema para mim.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top