9. O.O.C.

Cooper

Afoguei minhas costas no pufe cor-de-rosa que ficava no quarto de Adalia na casa dos pais dela, com as mãos tapando o rosto. Minhas pernas se projetavam para fora do short que eu trajava, o calor era insuportável e eu mal conseguia pensar direito. Depois de muito tempo de terapia, eu finalmente tinha conseguido vencer a insegurança que sentia sobre minhas pernas, então usar um short não era mais um problema para mim.

— Anda, Allison, qual a droga do problema? — Perguntou ela, sentando-se na beirada da cama.

Agarrei a almofada felpuda que estava jogada no chão, ao lado do pufe, e a afundei contra meu rosto, gritando ali dentro, como se ela fosse capaz de traduzir tudo o que eu sentia de forma completamente inteligível.

— Eu ainda não falo histeriquês, Allison, traduz! — Ela cruzou os braços na frente do peito.

Adalia, apesar de estar muito diferente de quando estávamos no High School, continuava com o tom ácido na voz e com a mesma objetividade de sempre, o que era um alívio para mim, de certa forma.

Seu cabelo cacheado caía volumoso por seus ombros e se estendia até metade de suas costas, uma franja pouco acima de suas sobrancelhas se enrolava em cachos perfeitamente finalizados, e seu tom escuro, preto e não castanho, dava ainda mais beleza para sua pele cor de avelã. Ela optara por não mudar o diastema entre os dentes da frente, característica que compartilhava com Jordan, o irmão mais velho, e com o Dajan, o pai.

Seus lábios volumosos se curvaram em um bico inconformado. Ela ajeitou os cachos com a ponta dos dedos, enrolando a ponta de um deles no dedo e o soltando logo em seguida, dando um pouco mais de definição para a mecha.

— Nossa, por onde eu começo? — Perguntei, mais para mim que para ela, tirando a almofada do rosto.

— Pelo começo seria bem interessante, eu acho — Ela ergueu uma de suas sobrancelhas.

A encarei, descontente. Eu sabia que tinha que começar pelo começo, mas não sabia pontuar exatamente onde era o começo de tudo aquilo — se era quando eu sonhei com ele, ou quando eu vi sua foto, quando o deixara para trás para me mudar para a Califórnia, ou quando eu o vira no fliperama.

Era difícil. Aquele drama basicamente era o fantasma que eu negava a existência até, pelo menos, vê-lo novamente.

— Allison, só vai direto ao ponto, eu vou entender, ou tentar — Ela alisou a barra da camisa colorida que vestia.

Sentei-me propriamente sobre o pufe, levantando os pés e cruzando as pernas. Passei a mão incontrolavelmente e milhares de vezes em uma única mecha do meu cabelo, alisando-a ainda mais com os dedos enquanto pensava nas melhores palavras para começar a dizer tudo o que estava dentro de mim de forma minimamente inteligível.

— Eu vi o Daniel no fliperama e agora eu não consigo tirar aquele imbecil de dentro da minha cabeça, porque, infelizmente, eu ainda amo aquele cara, mas a Angeline disse que eu preciso seguir em frente para o meu próprio bem. Uma parte de mim, uma parte bem pequenininha, acredita que talvez ela esteja certa, mas a maior parte de mim diz que eu não deveria seguir em frente. Agora eu tenho um encontro com um cara e eu definitivamente não quero ir, porque ele é basicamente o meu mais novo chefe e isso quebra completamente todos os meus valores morais e ele é esquisito e chato! — Vomitei as palavras sobre Adalia rapidamente.

Ela mal teve tempo para reagir. Seus olhos se arregalaram para mim, tentando assimilar toda a informação que eu empurrara sobre ela. Ela piscou algumas vezes, atônita, entrelaçando os dedos uns nos outros e respirando fundo.

— Uou — Ela pigarreou. — Certo, e por que você não vai falar com ele?

— A Angeline disse que...

— Ah, Allison, francamente, por que você seguiria um conselho da Angeline? — Ela riu. — Eu amo ela, mas, sério, quando foi que ela te deu algum bom conselho na vida?

— Hã... — Eu estava completamente rendida.

Eu até tentei me lembrar de algum bom conselho que Angeline me dera, especialmente antes de eu conhecer Adalia, mas não consegui pensar em nenhum bom exemplo para contra-argumentar.

— Mas ela parecia estar certa no que disse — Respirei fundo. — Faz sentido, sabe?

— Sim, faz sentido você seguir em frente, desde que você tenha certeza do que está fazendo — Adalia deu de ombros. — Vocês nem ao menos conversaram, mal tentaram se reaproximar para saber como as coisas estão. Às vezes, você só jogará uma oportunidade fora!

— Como assim? — Franzi o cenho, confusa.

Adalia suspira, convencida de que a resposta era óbvia demais e só eu não fosse capaz de enxergá-la.

— Vocês se amaram de uma forma que eu nunca vi antes, entende? — Ela apoiou o peso do corpo sobre os braços. — Um amor como aquele nunca acaba, porque é de verdade. Se você seguir em frente convencida de que aquilo não foi o bastante para que você tentasse falar com ele novamente, honestamente, acho que eu deixaria de acreditar no amor de uma vez por todas!

Ela olhou para o teto, contemplando as estrelas que brilhavam no escuro, grudadas no teto branco, meio amareladas pelo tempo.

— Não se vive um amor como aquele duas vezes na vida, Allison, ou é para ser, ou não é. E se nem mesmo aquilo foi o suficiente para te fazer procurar por ele, acho que o amor nem vale tão a pena assim!

Engoli em seco. Se dependesse de mim, as coisas estariam diferentes, mas eu me sentia insegura demais para chamá-lo e dizer tudo o que queria, talvez ele nem sequer quisesse me ouvir.

— E o que eu faço, então? — Murchei os ombros, me curvando para frente e apoiando o rosto nas mãos.

Adalia sorriu com a pergunta, como se ela estivesse esperando por ela desde o começo. E, no fundo, talvez eu até soubesse o que ela queria que eu fizesse.

— Não é óbvio? — Ela franziu o cenho. — Você vai falar com ele!

— Mas e quanto ao Corey?

— Você pode desmarcar, falar tipo "ah, que pena, mas eu estarei ocupada" — Ela deu de ombros. — Problema dele!

Fiz uma careta desaprovadora, a situação era um pouquinho pior que aquela.

— Qual o problema? — Adalia estreitou os olhos, percebendo minha apreensão. — Quando é esse tal encontro?

Abri um sorriso sem graça, torto e desengonçado, como quando uma criança apronta alguma e vai contar para a mãe o que fez. Cocei minha nuca, puxando o cabelo para frente e, novamente, alisando uma mecha do cabelo.

— É hoje — Disse, soltando uma risadinha nervosa. — Daqui a pouco, pra ser mais precisa!

— Puta merda, Allison — Ela esbravejou. Eu quase conseguia ver o fogo saindo por seus olhos. — Agora você vai ter que ir, mas a primeira coisa que você vai fazer quando sair dessa porcaria de encontro é ir falar com o Carter!

***

Eu engoli em seco, tomando coragem o suficiente para abrir a porta da lanchonete. Eu não estava nervosa para vê-lo, eu estava nervosa pela sensação horrível que eu sentia por estar me submetendo àquilo. Eu não queria que meu emprego dependesse daquele encontro idiota, eu queria ser contratada pela minha competência, por isso eu tinha levado outros conteúdos úteis para a minha contratação dentro da bolsa.

Se ele tentasse desviar o foco do encontro, eu teria as armas perfeitas para voltar para a minha contratação.

Quando subi as escadas da entrada e empurrei a porta larga, que tinha uma janela de vidro com uma plaquinha com o letreiro "OPEN" bem definido, corri os olhos pelo local, procurando por Corey em algum lugar, ele me dissera que já estava a minha espera.

As mesas se espalhavam pela extremidade do local comprido, todas dispostas abaixo das grandes janelas que davam uma ampla visão do movimento da rua, o balcão da lanchonete era amplo e tinha um estilo retrô dos anos cinquenta, o que dava um ar muito mais acolhedor para o lugar.

Meus olhos encontraram Corey em uma das últimas mesas do restaurante, perto da parede dos fundos, bem ao lado da janela coma vista mais bonita do local. Me dirigi até ele, sentindo meu cabelo balançar nas minhas costas, me sentei rapidamente, bem de frente para ele, dando um sorriso simples e pouco significativo. Deixei minha bolsa de lado e observei ele colocar um sorriso simpático nos lábios e ajeitar os óculos com a ponta dos dedos.

— Você tá bonita — Disse ele, fazendo sinal para a garçonete.

— Valeu — Abri minha bolsa, vasculhando pelo meu sketchbook. — Aqui, eu trouxe meu sketchbook antigo pra você dar uma olhada. Pensei que, já que vou trabalhar com vocês, a melhor forma de você me conhecer e medir minha competência, é vendo como foi o meu começo na arte!

Empurrei o caderninho sobre a mesa. Corey girou-o com os dedos e observou a capa antes de levantar os olhos em minha direção novamente. Ele abriu um sorriso conformado, como se eu não tivesse seguido as falas que ele mesmo programara dentro de sua cabeça, mas que não se importava o suficiente para tentar mudar o que eu tinha dito.

— Esse caderninho não é realmente o meu começo, mas é bem perto disso, eu acho — Dei de ombros. — Tenho ele desde 2015, tem bastante coisa aí!

— Tinha quantos anos quando começou esse sketchbook? — Perguntou, levantando os olhos até os meus.

— Eu completei dezessete no meio de 2015, então eu tinha dezesseis e dezessete anos, depende... — Respondi, ansiosa para que ele abrisse o caderno logo.

Corey finalmente abriu o caderno, passando suavemente o dedo sobre o primeiro desenho, uma mandala simples e meio rabiscada que eu desenhara durante uma aula de matemática.

Seus olhos eram atentos a todos os detalhes. Ele não deixava nada passar. Virava as páginas com calma e analisava todas as técnicas usadas como um verdadeiro especialista. Me sentia até um tanto boba por mostrar desenhos feitos na minha adolescência para ele, porque sabia que eles não tinham tanta técnica quanto os recentes, mas eram importantes para mim e para o meu crescimento dentro da arte, de certa forma.

Ele passou por inúmeros desenhos de olhos, de estudos de partes do corpo humano, como torsos sem cabeça e braços, muito menos pernas, passou por páginas e mais página de estudo de mãos e pés, assim como musculatura e até anatomia animal.

— Você já era muito boa com essa idade, impressionante — Disse sem desviar os olhos do caderno. — E esse aqui?

Corey virou o caderno para mim, apontando para o desenho da página.

Pintado com aquarela, o rosto de Daniel estampava o caderno com detalhes tão reais que eu praticamente podia tocá-lo com a ponta dos dedos e sentir a textura de sua pele macia sob minhas digitais. Os olhos verdes e vidrantes olhavam para mim, sérios, as sobrancelhas grossas e retas estavam baixas, talvez um pouco mais baixas do que realmente eram, e o cabelo praticamente se mesclava com o fundo escuro que eu pintara de nanquim.

Respirei fundo, sentindo meu peito pesar momentaneamente.

— É meu ex-namorado... — Sorri para o desenho, sem perceber. — Nossa...

— Ah, sinto muito por te mostrar isso, então — Meio sem graça, ele virou o sketchbook novamente para si.

— Sem problemas... — Apertei os lábios e respirei fundo.

— Ele não parece com aquele jogador do Pirates? — Estreitou os olhos para o desenho. — Aquele cara é bonito e talentoso, né? Como que pode? O pior é que ele ainda é simpático. Não tem como competir com um cara assim! — Ele deu uma risada meio sem graça. — Enfim, eu não quero falar sobre o trabalho hoje, sabe, Allison?

Corey fechou o caderno e o empurrou de volta para mim, praticamente desprezando o resto dos desenhos.

— Você já está contratada, hoje não é um dia para isso — Ele deu uma risada convencida.

— Mas eu pensei que...

— Que hoje nós íamos tratar de coisas chatas do trabalho? — Perguntou e eu confirmei com a cabeça. — Não, nada disso! — Ele sorriu amplamente, ajeitando a postura no banco. — Eu queria saber mais de você, tudo mesmo. Não me leve a mal, mas eu te achei bem interessante quando nos vimos anteontem e, sei lá, pensei que... Você sabe...

Eu hesitei, eu não esperava que ele fosse ser tão direto quanto aquilo. Eu não sabia o que esperar, não sabia se ele queria que eu transasse com ele logo de cara, ou se ele só queria uma companhia fácil. As intenções dele eram claras, mas, ao mesmo tempo, indecifráveis e aquilo me assustava um pouco.

— Honestamente, não sei. Eu acabei de te conhecer — Endureci o tom.

— Por isso mesmo eu te chamei, vamos nos conhecer aos poucos — Ele deu de ombros. — Não vou atropelar as coisas, sei que pode parecer estranho, mas eu realmente quero tentar!

— Não sei, não, Corey — Baixei os olhos para a mesa. Por um lado, era a oportunidade perfeita para eu tentar seguir em frente, mas, ao mesmo tempo, eu não queria. Não queria de jeito nenhum seguir o conselho de Angeline, especialmente sabendo que meu coração não estava de acordo com aquilo. — Eu não estou pronta para esse tipo de coisa!

Eu tentei amenizar o tom, não queria magoá-lo ou coisa do tipo, por mais que eu soubesse que nunca seria capaz de correspondê-lo.

— Eu posso esperar você estar pronta — Disse ele, procurando pelos meus olhos.

— Corey... — Levantei o rosto, olhando rapidamente pela janela.

Eu congelei por completo.

Pisquei algumas vezes apenas para ter certeza de que eu estava realmente enxergando bem, belisquei levemente o meu braço, por baixo da mesa, apenas para ter certeza de que aquilo não era uma alucinação ou coisa do tipo.

Meu coração acelerava cada vez mais, loucamente, entre os meus pulmões, como se forçasse as paredes e as costelas para tentar sair correndo dali o mais rápido possível.

— Algum problema? — Corey perguntou, estendendo a mão em minha direção, na tentativa de segurar a minha, mas recuei instintivamente.

Meus olhos não conseguiam desprender do dele. Porque ele estava bem ali, do lado de fora, estagnado como uma estátua, me encarando com tanta intensidade que eu era capaz de ver a dor dele se materializar enquanto ele tensionava a mordida e apertava os dedos ao redor da alça da sacola do mercado.

Ele engoliu em seco ao mesmo tempo que eu tentei colocar minha respiração em ritmo. Seu semblante estava cabisbaixo, como se ele acabasse de se deparar com um fantasma. Não. Não era como se ele tivesse acabado de ver um fantasma, ele não estava assustado, ele estava sentindo uma dor insuportável preencher todo o seu corpo.

Era como se eu tivesse acabado de apunhalá-lo no peito com uma adaga curta e cheia de veneno. Era como se, lentamente, eu girasse a arma branca sobre o buraco aberto em seu peito e me deleitasse com a tortura lenta e dolorosa que o matava por dentro.

Eu praticamente era capaz de ouvir seu coração batendo forte e reprimido, se contorcendo dentro de seu peito.

— Eu já venho — Levantei-me sem tirar os olhos da janela.

Ele deve ter entendido tudo errado. Tudo errado. Eu não posso perder essa chance, não posso deixá-lo escapar, não dessa vez!

Corri desesperadamente até a saída da lanchonete, esbarrando nas mesas, tropeçando nas cadeiras e quase derrubando a garçonete com uma bandeja cheia de copos de suco e refrigerante.

Agarrei a maçaneta da porta, sacudindo-a para que se abrisse mais rápido.

— Ih, menina, às vezes ela emperra — Um senhor, o dono da lanchonete, apareceu atrás de mim, me empurrando com leveza para o lado.

O senhor de cabelos grisalhos torneou a maçaneta com os dedos e a abriu com facilidade. Eu, sem tempo a perder, desci a escadaria da frente da lanchonete, desengonçada, tropeçando nos meus próprios pés, mas ele não estava mais lá.

— Daniel — Chamei, sentindo meu peito doer com ainda mais força. — Daniel!

Girei sobre os calcanhares, olhando ao redor e procurando por algum sinal dele, ele não podia simplesmente ter desaparecido tão rapidamente, ele não podia simplesmente fugir de mim daquela forma.

— Daniel — Gritei mais uma vez, correndo para a esquerda, para mais perto da janela em que nossos olhos se trombaram na esperança de encontrar qualquer cosia que me dissesse onde ele se metera. — Por favor...

— Allison!

Virei-me para trás, ofegante, na esperança de que fosse a voz dele, porque a voz distante e abafada me poderia ser de qualquer um. Meu cérebro não conseguia mais computar as informações que chegavam até mim, o calor não me deixava pensar com clareza, talvez eu nem tivesse visto Daniel por ali, talvez eu estivesse apenas enlouquecendo.

Corey aproximou-se rapidamente.

— Tá tudo bem? — Perguntou, me segurando pelos ombros. — Aconteceu alguma coisa?

Umedeci os lábios com a língua e tensionei o maxilar, engolindo o bolo que se formara na minha garganta.

— Pensei ter visto alguém... — Sacudi a cabeça, tentando apagar aquela imagem da minha mente. — Esquece isso, vamos lá pra dentro!

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