8. Cardboard Box Spaceship
Carter
O clima quente de Brookline naquele verão me dava ainda mais motivação para permanecer deitado sobre minha antiga cama com os dedos enroscados no controle do videogame e sem a mínima vontade de levantar. O ar-condicionado era um mal necessário que, por vezes, me dava crises de alergia, mas era ainda melhor do que suportar o calor do lado de fora.
Pausei o jogo assim que ouvi passos pelo corredor, eu sabia que seria interrompido de qualquer forma. Desviei os olhos da televisão para a porta do quarto no momento em que minha mãe bateu à porta antes de abri-la e colocar a cabeça para dentro, deixando seu cabelo escuro e longo escorrer por seus ombros descobertos e pender pela lateral de seu rosto. Era inegável a sua preocupação comigo nos últimos dias, de certa forma, eu não podia a julgar por aquilo.
Ela abriu um sorriso ameno e logo deu os primeiros passos para dentro do quarto, sentando-se na beirada da cama e repousando a mão sobre uma de minhas pernas.
— O papai vai sair com o tio Leight pra resolver algumas coisas, queria sua companhia hoje — Disse ela, desviando os olhos para a televisão. — Mas não quero te atrapalhar, se preferir ficar jogando videogame, vou entender!
— Não — Sentei-me propriamente sobre a cama, largando o controle do videogame ao lado do meu corpo e puxando o controle da televisão, desligando a mesma rapidamente. — Não vai me atrapalhar em nada, sabe disso!
Ela alargou o sorriso, contente com o que tinha ouvido.
Quando eu era criança, amava sair com minha mãe para todos os lugares que ela ia, do mercado até as reuniões que corporativas que, por vezes, ela precisava ir no lugar do meu pai enquanto ele viajava a trabalho, por mais chato que fosse, por mais entediado que eu me sentisse esperando naquelas salinhas solitárias com sofás pretos e poucas almofadas — que eu costumava usar para brincar enquanto esperava por ela —, eu gostava. O fato de ter um tempo com ela só para mim, sem precisar dividir a atenção com meus irmãos mais velhos, com meu pai e até mesmo com o trabalho, era a melhor sensação do mundo.
Isso mudou quando eu me tornei um adolescente que vivia em festas. Ela continuava me chamando para sair com ela, mas eu recusava a maior parte das vezes, sentia como se eu precisasse me distanciar tanto dela quanto do meu pai para provar que eu estava crescido, por mais que, muitas vezes, eu ainda ia chorar no colo deles como o mesmo bebê chorão de cinco anos.
— Então se arruma logo, hoje você vai ser meu motorista particular — Ela levantou-se, passando a mão pelo meu rosto e afagando meu cabelo. — Te espero lá embaixo!
Confirmei com a cabeça, observando-a sair do quarto. Pisquei algumas vezes antes de suspirar, um tanto arrependido, a vontade que eu tinha de sair de cima da cama desaparecera no momento em que minha mãe saiu pela porta.
Me levantei e peguei roupas limpas dentro do armário, não demorei no banho porque sabia que minha mãe, assim como eu, detestava ficar esperando por muito tempo, então eu desci as escadas ainda com o cabelo meio úmido. Ela terminou de ler a página do livro que estava lendo naquela semana e o deixou sobre a mesa de centro da sala antes de levantar-se e pegar a bolsa prada branca com detalhes perolados.
Ela pegou abriu o zíper da bolsa e, agilmente, com os dedos finos, vasculhou todo o interior da bolsa até encontrar a chave do carro dela e a lançar em minha direção. Peguei a chave no ar, observando-a caminhar até a saída da casa e, sem delongamento, a segui até o jardim.
A casa dos meus pais tinha uma garagem que dava para dentro da lavanderia, mas, pela praticidade de não precisar ajeitar o carro lá dentro junto com o do meu pai, minha mãe costumava deixar o dela no jardim.
Destranquei o carro, desativando o alarme, e sentei-me no banco do motorista, desconfortável.
— Como consegue dirigir com o volante tão perto e tão baixo assim? — Perguntei, procurando a alavanca para ajustar a posição do banco e a altura do volante.
Minha mãe revirou os olhos com tanta força que pensei que eles cairiam de seu rosto. Ela fechou a porta do banco do passageiro e colocou a bolsa no banco de trás antes de virar-se para frente novamente e puxar o cinto de segurança.
— Eu sou bem mais baixa que você, Dani — Ela retrucou enquanto me observava ajustar os espelhos.
Dei partida no carro e senti o motor roncar antes de segurar firme no volante e desengatar o freio de mão. Olhei os retrovisores antes de me virar para trás e me certificar de que não estava passando mais nenhum carro na rua para que eu pudesse sair dali.
— Para onde, gatinha? — Perguntei, parando o carro perto da calçada.
Minha mãe riu, empurrando meu ombro.
— Você é tão parecido com seu pai que chega a ser irritante, sabia? — Ela espremeu os lábios, ligando o rádio do carro. — Vamos para o Copley Place, tenho que comprar algumas coisas por lá...
Eu sabia que até o fim do dia, dependendo da minha mãe, eu viraria um cabide de sacolas. Toda vez que ela separava roupas para doação, ela "repunha" com roupas novas, principalmente para ela e para o meu pai, já que meus irmãos e eu não morávamos mais por lá. Ela sempre aproveitava para comprar alguma decoração nova para a sala de jantar ou para qualquer lugar da casa que ela considerava estar vazio demais.
No fundo, algo me dizia que ela queria fazer aquilo comigo não só para ter minha companhia, porque ela poderia ter minha companhia dentro de casa a hora que quisesse, eu mesmo sempre procurava por ela pela casa e ficava horas junto dela. Ela queria saber o que estava acontecendo comigo, queria saber o porquê de eu, de um dia para o outro, ter deixado todo o ânimo ir embora.
Era uma boa estratégia, de certa forma, sabia que ela ia me pegar de desprevenido, e por isso eu acabaria, inconscientemente, ficando com a guarda montada por mais tempo, mas ela era invencível naquele jogo, ela sabia exatamente o momento certo de perguntar qualquer coisa, ela sabia quando eu estava com a guarda baixa e sempre se aproveitava para me atacar com perguntas "despretensiosas".
Eu a acompanhei de loja em loja, enquanto ela me perguntava qual calça eu achava que meu pai gostaria, ou qual blusa caía melhor em seu corpo, ouvi ela planejar toda a semana em sua cabeça. Ela pingava entre as lojas, encarava as vitrines, escolhia a dedo cada peça que ela colocaria para dentro do guarda-roupa, às vezes, até me perguntava se eu estava precisando de alguma roupa nova, como se ela se esquecesse de que eu já ganhava dinheiro suficiente para me manter e comprar roupas novas quando precisasse.
— Tá com fome, filho? — Perguntou, encarando o horário na tela do celular.
— Um pouco — Senti minha barriga roncar automaticamente. — Na verdade, acho que eu tô com mais fome do que eu pensava...
— Ótimo — Ela sorriu, entregando-me a última sacola que estava em seus braços. — Vou procurar um restaurante para nós e você vai guardar essas coisas no carro!
— Ah... Então tá... — Estreitei os olhos, observando toda a empolgação na voz da minha mãe.
— Eu te mando mensagem do lugar que eu estiver, não demore!
Confirmei com a cabeça.
Minha mãe e eu seguimos por caminhos diferentes. Fiz todo o caminho de volta até o estacionamento, parando de frente para o elevador enquanto esperava que ele chegasse no andar em que eu estava para poder me levar para o subsolo do prédio.
A porta abriu-se pouco tempo depois e eu entrei sem olhar para qualquer pessoa que estivesse lá dentro, com aquela quantidade de sacolas, tudo o que eu queria era chegar logo no estacionamento e me livrar de todas elas. Dei uma olhada rápida nos botões do elevador, percebendo que o andar do estacionamento que o carro estava, já tinha sido apertado.
Recuei um passo para trás, puxando o celular de dentro do bolso da calça com certa dificuldade. Respondi algumas mensagens antes de dar uma olhada nas minhas redes sociais.
— Compras da namorada? — Alguém perguntou ao meu lado, despertando minha atenção.
Aquela voz era estranhamente familiar, eu jurava que era uma das vozes que eu mais ouvira na minha vida, especialmente porque parecia ser a voz do Jordan. Estreitei os olhos, pensando estar alucinando ou coisa do tipo. Não tem como ser ele, sem chances...
— São da minha mãe — Respondi, antes de olhar para o lado. — Jordan!?
O sorriso largo que ele formou nos lábios mostrou o diastema que ele sempre teve entre os dentes da frente. Ele não tinha mudado muito desde a última vez que eu o vira, talvez estivesse alguns quilos acima do que quando ele se formara no High School, e também tinha um pouco mais de olheiras abaixo dos olhos, mas seu semblante continuava calmo e reconfortante de alguma forma.
— Quanto tempo, capitão! — Disse ele, dando um tapinha nas minhas costas. — Acompanho todos os seus jogos no Pirates, você tá arregaçando por lá. Quem diria, hein?
Eu ri, meio sem graça. Era um elogio que, vindo dele, um dos melhores jogadores de Brookline High School quando eu era o capitão do time e ele, o meu vice, tinha muito significado para mim.
Jordan, desde que eu entrara no High School, agira como se fosse um irmão mais velho para mim. O que Brandon costumava fazer no Pirates, era o que Jordan fez comigo quando eu tinha quinze anos e era o jogador mais baixo do time e, mesmo assim, tinha tirado o antigo quarterback da linha de frente e o colocado como reserva.
Os caras do time, que eram mais velhos, mais altos e mais experientes, não aceitavam muito bem que um pirralho como eu estivesse como vice-capitão do Jordan, até que, um ano mais tarde, eu me tornara o capitão e o Jordan, o vice. No começo tinha sido complicado, ninguém costumava me levar muito a sério, especialmente porque uma parcela achava inaceitável um novato ter tantos olhos voltados para ele, mas depois de conquistar a confiança do time inteiro, as coisas ficaram mais leves, mesmo que Jordan seguisse sendo o cara que mais puxava minha orelha quando as coisas estavam saindo do controle. Ele foi um capitão muito melhor que eu, mesmo que eu tivesse segurado o título por mais tempo.
— Não precisa mais me chamar de capitão, eu não sou mais o capitão do time — Ergui uma das minhas sobrancelhas. — Mas eu vou recuperar o título, onde já se viu? Eu sou incrível!
Jordan riu, jogando a cabeça para trás. Desci os olhos por seus braços, os dedos fortes torneando as alças de plástico amarelas de uma loja infantil, franzi o cenho, confuso, quando a porta do elevador se abriu e nós saímos de lá de dentro lado a lado.
— A família tá crescendo — Disse Jordan, antes que eu tivesse oportunidade de perguntar qualquer coisa.
Levantei os olhos, desordenado.
— Como assim? — Perguntei, descendo as sobrancelhas.
— Eu vou ser pai — Ele abriu um sorriso calmo.
Eu congelei por um instante. Será que era isso que o Ethan queria saber se o Jordan já tinha me dito? Eu não conseguia falar alguma coisa, não tinha uma reação para aquilo, eu não sabia o que dizer. Eu tinha certeza de que ele estava feliz, seu rosto, seu sorriso, sua calma e até o jeito que ele segurava aquela sacola plástica colorida denunciava o quanto ele estava contente com a ideia de ser pai, mas ainda era um tanto estranho pensar naquilo. Jordan não era muito mais velho que eu, nossa diferença de idade era de dois anos e meio, e, de certa forma, eu não conseguia me imaginar sendo pai aos vinte e cinco anos.
— Tá brincando? — Perguntei sem desviar os olhos dele.
Jordan balançou a cabeça lenta e negativamente. A curvatura de seus lábios grossos me transparecia uma calma que eu nunca sentira antes. Aquela era a notícia mais legal que eu tinha ouvido naquela semana, especialmente depois de voltar para Brookline.
— É menino ou menina? — Empolgado, me aproximei dele.
— Menina — Ele respondeu, caminhando ao meu lado.
— Já tem nome? — Procurei a chave do carro no meu bolso.
Ele confirmou com a cabeça, carregando um par de olhos brilhantes só de tentar imaginar como seria o rostinho da criança.
— Makena — Disse ele e eu não pude deixar de sorrir.
— Parabéns, então — Respondi, tentando destravar o carro.
O contorcionismo que eu fazia com os dedos, tentando ajeitar a chave do carro na mão enquanto impedia as sacolas de caírem no chão, era ridículo de se assistir.
— Você continua com a mesma mania de não pedir ajuda, né? — Ele riu, tirando a chave da minha mão e destravando o carro.
Jordan abriu a porta do motorista e apertou o botão no painel que abria o porta-malas. Empurrei a tampa para cima e ajeitei as sacolas ali dentro, fechando a tampa e pegando a chave com Jordan. Tranquei o carro e me virei novamente para ele, guardando a chave no bolso da calça.
— Mas e quanto a você? — Perguntou, apoiando as costas no carro. — Você deixa sua vida pessoal bem longe dos holofotes, então fica difícil saber de muita coisa. E o seu número antigo também não funciona mais!
Eu dei risada, conformado. Pouco tempo depois de ter chegado no Michigan, fui chamado para uma festa de uma das fraternidades da faculdade. Eu tinha ficado tão bêbado na festa que mal conseguia pensar, estava completamente perdido e não conhecia muita coisa por ali.
Eu ainda não tinha amizade com ninguém lá dentro, apesar de eu não ter grandes dificuldades em fazer amizades, eu estava tão massacrado no começo da faculdade, que demorei para conseguir me aproximar das pessoas, mesmo dentro do time. Tinha tentado voltar sozinho para o dormitório masculino, acabei encontrando um pacote de chiclete no bolso e, ao invés de jogar o pacote fora, joguei o celular dentro do lixo e nunca mais o encontrei.
— Aconteceu um acidente com meu antigo celular — Confessei, não muito orgulhoso. — Mas eu posso te passar o número novo, a intenção é não jogar o celular no lixo sem querer, dessa vez!
— Você não muda, né? — Ele riu, sacando o celular de dentro do bolso. — Eu não quero nem saber como você jogou seu celular no lixo sem querer!
Peguei o celular dele e digitei o número novo, salvando meu contato e mandando uma mensagem de texto para mim para que eu salvasse depois.
— Como foi a faculdade? — Perguntou, cruzando os braços na frente do peito e deixando a sacola entre seus pés.
— Cansativa. Pensei em abandonar aquela droga todo santo dia durante todos os quatro anos de duração — Passei as mãos pelo rosto. — Mas, pelo menos, eu entrei em um time profissional e tenho um diploma, agora!
— Arrumou uma namorada, pelo menos? — Ele ergueu uma de suas sobrancelhas.
Eu congelei. Senti todo o calor do meu corpo desaparecer pela minha pele, talvez eu tivesse empalidecido, talvez eu tivesse morrido e me esqueci de cair, duro, no chão. Engoli em seco e baixei os olhos.
— Não... — Respondi, desconfortável.
Jordan permaneceu em silêncio, encarando-me dos pés à cabeça. Sua postura ainda era a mesma de sempre, inabalável e racional, como se todas as coisas que saíam de sua boca passassem por, pelo menos, quinze análises diferentes. Ele respirou fundo, estufando o peito e pendendo a cabeça para o lado.
— E por que isso te assombra tanto, Carter? — Perguntou, intrépido.
Eu senti meu peito queimar por um instante. Ele provavelmente já sabia da resposta e eu me sentia um idiota por ter tanta dificuldade em admitir aquilo para mim.
— Por que eu ainda amo ela... — Confessei.
Quando se tratava de Jordan, eu não poderia afastar a verdade por muito tempo, ele sabia que, mesmo depois de tanto tempo longe, eu continuava com os mesmos problemas para me abrir e assumir os meus sentimentos, mas, de certa forma, com ele, eu sabia que poderia dizer qualquer coisa, porque ele saberia o que fazer. Ao menos eu esperava que soubesse.
— Entendo... — Ele afastou o corpo do carro, pousando uma das mãos em meu ombro. — Devia falar com ela. Você sabe que não existe outra saída!
Eu confirmei com a cabeça.
Eu sabia, mas não sabia se tinha coragem o suficiente para fazê-lo, para encará-la novamente depois de tanto tempo, não sabia se seria capaz sequer de abrir minha boca, quando tudo o que eu queria fazer era tê-la por perto novamente.
Senti meu celular vibrar dentro do bolso incansavelmente. Baixei os olhos rapidamente, puxando-o para cima e encarando a tela, era minha mãe me ligando. Eu tinha demorado demais...
— Sinto muito, Jordan, eu tenho que ir — Respondi, atendendo o telefone. — Já tô subindo, mãe!
— Sem problemas — Ele deu de ombros. — Outra hora a gente conversa com mais calma. Mas... Vai falar logo com ela, idiota!
Eu sorri para ele, um tanto bobo, mas mais tranquilo.
— Pode deixar!
Corri para o elevador novamente, observando-o caminhar na direção do próprio carro. Apertei o botão do andar em que estava anteriormente com a minha mãe e esperei que o elevador me levasse até lá.
Não me preocupei em correr para encontrá-la novamente, sabia que ela não sairia do lugar, independente de quanto tempo eu demorasse para atravessar todos aqueles corredores e vitrines até encontrá-la sentada na frente de um restaurante de fachada escura com luzes brilhantes no letreiro.
Ela levantou-se com um sorriso no rosto e enlaçou nossos braços para que eu a conduzisse até a entrada do restaurante.
– Encontrou com alguém? — Perguntou, curiosa.
— Com o Jordan — Parei de frente para a recepcionista. — Mesa para dois, por favor!
A recepcionista levantou os olhos lentamente na direção do meu rosto. Suas bochechas lentamente adquiriram um tom avermelhado e seus olhos se expandiram de repente.
— Ah... Sr. Carter? — Ela disse baixo demais, mas alto o suficiente para que eu ouvisse. Eu sorri fraco e ela olhou rapidamente para o balcão à sua frente.
Ela passou a ponta dos dedos sobre a lista de nomes no grande caderno que abrigava as reservas de mesas do local, vasculhando pelo mapa do restaurante as mesas que estavam marcadas como vazias, fazendo um trabalho eficientemente rápido.
— Tem uma mesa. Vou chamar o garçom! — Disse ela.
O garçom não demorou a chegar, sua postura impecável e o terno preto caindo sobre seus ombros mostrava classe e sofisticação, ele pegou dois cardápios de dentro de um suporte metálico perto do balcão e virou-se para nós dois.
— Me acompanhem, por gentileza — Disse ele, curvando-se levemente para frente.
Ele nos guiou até a mesa vaga que a recepcionista separara para nós, em uma ala um tanto mais privativa do restaurante. As luzes eram amareladas e o lustre pequeno escorregava por um fio enrolado em uma corrente cinza até abrir em uma estrutura metálica e geométrica pouco acima da mesa, os bancos estofados de couro preto adornavam a mesa com tampo de madeira amarelada, criando um contraste aconchegante e industrial.
O garçom nos entregou os cardápios, disse seu nome e nos pediu para chamá-lo quando nossas escolhas para o almoço já estivessem na ponta da língua.
Levantei o cardápio na frente do meu rosto, observando por cima da margem os olhos cinzas da minha mãe correrem por todas as opções rapidamente, pulando de coluna em coluna, virando as páginas do cardápio e pensando muito bem no que ela escolheria para comer. Eu, por outro lado, não estava muito preocupado com o que comer, tinha até cogitado em copiar o prato da minha mãe e, só para não falar que eu estava copiando, mudar a bebida para não levantar tantas suspeitas.
Ela levantou os olhos para os meus de repente, me surpreendendo. Instintivamente, desci os olhos para o cardápio, com medo do que ela poderia dizer, como uma criança que fez besteira.
— Qual o problema, Daniel Kellan Carter? — Ela ergueu uma de suas sobrancelhas.
Mamãe abaixou o cardápio, repousando o mesmo ao lado de sua bolsa e apoiando os cotovelos sobre a mesa, puxando meu cardápio para longe do meu rosto com a ponta dos dedos. Eu tentava me esconder atrás daquele pedaço de papel cartão decorado como se, magicamente, ele fosse fazer minha mãe perder completamente o interesse em saber o que se passava dentro da minha cabeça.
— Não é nada — Respondi, abrindo um sorriso forçado. — Vai pedir o quê?
— Não mude de assunto, mocinho — Séria, ela tirou o cardápio das minhas mãos e o colocou sobre o dela. — Chega de agir de forma estranha por aí sem dar qualquer tipo de explicação!
— Mãe, eu já sou adulto, não preciso me explicar mais — Encostei as costas por inteiro no encosto do banco.
Ela ergueu novamente uma de suas sobrancelhas, descrente do que eu estava falando. Ela sabia que eu não era do tipo que escondia as coisas, por mais que já não fosse mais um adolescente e muito menos uma criança, toda vez, mesmo em Michigan, eu mandava mensagem para ela dizendo o que eu fazia ou deixava de fazer, às vezes, também a dizia o que estava acontecendo, mas, depois que cheguei em Brookline, fazer aquilo era como tentar escalar uma montanha sem equipamentos de segurança.
— Você continua sendo meu filho — Foi a vez dela de afastar-se da mesa e se encostar totalmente no banco, cruzando os braços na frente do peito. — Eu me preocupo com você, e você está estranho desde que voltou para Brookline!
Respirei fundo. Eu não queria precisar ouvir a mesma coisa que todas as outras pessoas já tinham me dito. Eu sabia que a resposta era ir falar com Allison e eu não precisava que mais ninguém me dissesse aquilo, eu estava cansado de ouvir o óbvio, eu queria que as coisas se resolvessem, queria que os sentimentos fossem mais simples de serem compreendidos.
Tamborilei os dedos sobre a mesa e chamei o garçom, esperei minha mãe fazer o pedido e, ao invés de copiar o prato que ela pedira, olhei para a capa do cardápio e pedi o prato de destaque da semana e um suco, tudo para fugir do assunto o quanto eu pudesse, porque eu sabia que não existiria escapatória, especialmente com alguém como minha mãe sentada bem de frente para mim.
Apoiei o rosto em uma das minhas mãos, me curvando para o lado, mentalmente exausto. Minha mãe esticou o braço sobre a mesa, atravessando-a de um lado para o outro até alcançar minha mão. Ela torneou seus dedos sobre minhas mãos, afagando levemente com o polegar, seu sorriso não era gentil, era compreensivo, mas não era nada gentil. Ela não queria ser gentil comigo, ela queria me ver bem, nem que fosse preciso ser dura e quebrar meu coração em mil pedaços para isso.
— Algo me diz que isso tem a ver com a Allison — Ela comentou e eu hesitei, surpreso. Antes que eu pudesse perguntar qualquer coisa sobre como ela sabia, ela completou: — Sou sua mãe, eu sei das coisas!
Bufei, rendido, esvaziando meus pulmões por completo antes de me ajeitar no banco e baixar a cabeça.
— Eu acho que... — Franzi o cenho, encarando o descanso de copo sobre a mesa. — Eu não acho, eu tenho certeza, na verdade. — Minha mãe abriu um sorriso, mais contente com a mudança na fala. — Eu ainda a amo, e vê-la novamente me fez perceber que eu nunca deixei de fazer isso.
Minha mãe permaneceu em silêncio, mas endireitou a postura e ergueu o queixo orgulhosamente, como se finalmente pudesse enxergar em mim o homem que eu tinha me tornado. Seus olhos se estreitaram em minha direção e ela apertou os lábios cobertos por um batom nude que eu odiava, mas que ela adorava. Ela pendeu a cabeça para o lado e ajeitou o cabelo sobre os ombros, enrolando-os para trás para que eles nãos fossem capazes de cair sobre seu prato de comida que não tardaria a chegar.
Eu, por outro lado, permanecia com os ombros baixos e o semblante desanimado, encarando a mesa vazia à minha frente.
— Você sabe o que fazer — Disse ela lentamente e eu confirmei com a cabeça. — Mas esteja preparado para o pior, também!
Passei a mão pelo rosto, tentando afastar aquela sensação horrível de incapacidade do meu corpo. Com as sobrancelhas erguidas em convencimento, encarei-a duramente, talvez com um tom muito mais sério do que eu realmente queria transparecer.
— Eu não pretendo deixar ela escapar dessa vez!
Minha mãe sorriu de canto, como se uma lembrança saltasse diante dos seus olhos de repente. Seus olhos cinzas brilhavam abaixo da luz fraca que pendia sobre a mesa, deixando todos os arredores obscurecidos.
— Sei que não vai deixá-la escapar dessa vez — Ela levou curvou-se mais para frente, encaixando sua mão delicada em meu rosto. — Afinal, você é filho do seu pai, você é um Carter. Nós não desistimos — Ela deslizou o polegar pelo meu rosto, me fazendo arrepiar. — Mas não deixe que isso faça com que você se sinta indestrutível. Nós Carters somos persistentes, mas sensíveis até demais. E você, apesar de ser muito parecido com seu pai, tem muito de mim...
Engoli em seco, eu sabia o que ela queria dizer com aquilo.
Eu sabia. Sabia que eu era tão teimoso e persistente quanto o meu pai, sabia que eu guardava meus sentimentos trancafiados dentro do meu peito tão bem quanto minha mãe costumava fazer, e sabia que eu era tão sensível quanto eles dois juntos e aquilo podia ser devastador para mim. Tudo era uma grande montanha-russa, meus pontos altos eram muito altos e minhas quedas eram destruidoras e assustadoras.
— Só tome cuidado com o seu coração, querido!
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