7. listen before i go

Cooper

Angeline me fez levantar da cama bem cedo. Eu não estava nem um pouco empolgada, na verdade, o desânimo estava tomando conta de todo o meu corpo. Tinha passado as duas últimas semanas procurando por um emprego em Brookline, mas as escolas não precisavam de professores de artes — especialmente no começo do verão —, e nenhum lugar de Brookline precisava de uma ilustradora.

Eu estava disposta a começar a procurar por Boston ou nas cidades vizinhas, mas não naquele dia, especialmente porque Angeline tinha sido incisiva em não me deixar fazer nada.

Segundo ela, eu só precisava a acompanhá-la enquanto ela dava uma olhada em alguns tipos de madeira que ela achava que seria interessante levar para o "arsenal" do estúdio dela. Eu topei porque pensei que seria uma boa ideia esvaziar a cabeça por um tempo.

Eu estava sonolenta e cansada, mal conseguia manter meus olhos abertos enquanto Angeline dirigia pela estrada curta que nos guiava até a madeireira. Tinha acordado bem em cima da hora marcada, não tive tempo de pentear o cabelo ou de escolher uma roupa mais apresentável, tudo o que tinha encontrado fora uma camiseta amassada e uma legging preta, e aquilo tinha que servir para acompanhar Angeline.

A loira deu uma última olhada na rua antes de estacionar o carro em uma baliza quase perfeita entre o carro azul e o carro preto que ocupavam as vagas da frente e a de trás, respectivamente. Ela deu uma última ajeitada no carro antes de desligá-lo e destravar as portas para sairmos.

Angeline acionou o alarme do carro e sorriu para mim, gentilmente, como se pedisse silenciosamente para que eu, pelo menos, me esforçasse para melhorar a cara.

— Vai ser legal — Disse ela, ajeitando a blusa de malha fina sobre seus ombros. — Vai passar o dia comigo, como nos velhos tempos, só que, dessa vez, não vamos fazer trabalhos de matemática!

— Não sei se ver tipos de madeira é a minha coisa favorita no mundo — Suspirei, murchando os ombros.

— Você não vai ver tipos de madeira, eu te garanto isso!

Foi o que ela disse, mas, durante metade do dia, tudo o que fizemos foi ver tipos de madeira e descobrir qual era o melhor para ser colocado na cozinha da casa de uma velha de setenta anos que estava reformando a casa quase milenar que ela morava.

Chegamos a almoçar em um shopping no caminho de volta para o estúdio, e aquela tinha sido a coisa mais divertida do meu dia até então — um hambúrguer de carne grelhada, queijo e mais um monte de comidas processadas que não eram nada nutritivas.

Angeline deixou o carro com o manobrista do prédio empresarial em que seu estúdio se abrigava, com os passos largos ornamentados por suas pernas compridas, ela caminhou ao meu lado até o elevador, apertou um dos botões e endireitou a postura, sorrindo para si mesma no espelho.

Ao longe, com uma pasta preta entre os braços, um rapaz de óculos corria, desajeitado, na direção do elevador. Instintivamente, apertei o botão para que as portas se abrissem novamente, observando os dois pedaços de metal deslizarem novamente para abrir passagem para que o moço entrasse.

Ofegante, ele ajeitou os óculos com as pontas dos dedos e soltou um sorrisinho discreto para mim, e retribuí da mesma forma. Ele trajava uma camisa preta, abotoada até o pescoço, uma jaqueta de sarja verde-musgo caía sobre os ombros estreitos e terminava pouco acima da barra da camiseta, seus óculos de armação retangular estavam um tanto tortos, talvez por terem caído diversas vezes, talvez por ele ter dormido de óculos algumas vezes. Seu rosto era fino, o que dava a impressão de que seus olhos fossem maiores, apesar de, por trás dos óculos, parecerem completamente proporcionais.

— Muito obrigado! — Ele agradeceu.

— Sem problemas — Respondi, virando meu rosto para o chão.

Uma folha de papel creme, com uma gramatura entre 100g ou 120g, visto que era mais grossa e menos maleável que as folhas de sulfite, se estendia sobre meu pé direito. Curvei-me naquela direção, tocando a folha com a ponta dos meus dedos e a segurando pela beirada para ter certeza de que meus dedos não estragariam qualquer coisa que estivesse desenhada sobre o papel.

Virei a folha, mostrando o desenho para os meus olhos. Alguns esboços de borboletas se estendiam por praticamente todo o perímetro da folha, tinham diferentes formatos e tamanhos, diferentes técnicas aplicadas, algumas nem tinham sido feitas para serem simétricas. Eu conseguia identificar cada um dos materiais usados para aqueles esboços — carvão e grafite, muito bem distribuídos entre os elementos.

— Acho que deixou isso aqui cair — Estendi a folha para o rapaz. — Gostei da técnica que usou com o carvão e o esfuminho na borboleta maior!

O sorriso do rapaz se alargou, rasgando seu rosto por completo.

— Você desenha? — Perguntou ele, com os olhos brilhantes. Confirmei com a cabeça.

— A Allison é a melhor desenhista que eu conheço! — Disse Angeline, atravessando a conversa com um sorriso amplo. — Corey, essa é a minha melhor amiga, Allison. Allison... Bom, esse é o Corey!

Corey estendeu a mão em minha direção e demos um aperto leve e singelo, com um sorriso simplório e até meio vazio. Intercalei o olhar entre ele e Angeline, tentando entender as verdadeiras intenções da loira com aquela apresentação repentina.

— O Corey trabalha no Road Art, o estúdio do andar abaixo do meu — Angeline explicou, apertando o botão do elevador para que as portas se fechassem novamente.

— É um estúdio pequeno, ainda, estamos tentando lançar algumas campanhas de quadrinhos e tudo mais, os planos estão saindo da caixinha! — Corey sorriu, orgulhoso do trabalho. — É bem duro, ainda não temos ilustradores o suficiente, então acabo ficando bem sobrecarregado!

— A Allison tá precisando de um emprego — Angeline prontificou-se em dizer.

— Angeline! — Repreendi-a, constrangida.

O rapaz ergueu as sobrancelhas, surpreso. Ele deu uma boa olhada em Angeline, como se analisasse a jovem dos pés à cabeça, queria ter certeza de que tudo o que ela dizia ao meu respeito era, de fato, verdade.

— Se você estiver disponível, pode ser interessante, sim — Corey virou-se para mim. — Eu gostaria de ver alguns desenhos seus, sabe? Preciso ter uma ideia de como é a sua arte e se ela se encaixa com o que precisamos no estúdio!

Estalei a língua, um tanto frustrada.

— Droga, não vim preparada para isso — Esfreguei os dedos das mãos, tentando pensar em alguma solução. — Eu não trouxe meu portfólio, mas, se quiser, posso vir amanhã ou depois com tudo o que você quiser ver!

Corey ergueu uma de suas sobrancelhas, olhando para Angeline novamente, como se buscasse aprovação para o que diria logo a seguir, mas, diferente do que ele esperava, Angeline deu de ombros.

— Pode vir amanhã, sim. Mas eu preciso de mais uma coisa, além do seu portfólio, claro — Ele sorriu de canto e, por um instante, eu não soube dizer se era um sorriso sacana ou não.

— O que? — Perguntei, desconfiada.

Corey fechou os olhos e respirou fundo, como se tentasse juntar toda a sua energia e concentração no centro de seu peito antes de soltar o ar pelas narinas vagarosamente. Eu congelei por um instante, sem saber o que aquilo poderia significar, por um lado, eu estava nervosa, aquela conversa poderia ser decisiva para a minha vida e eu não queria arruinar tudo.

— Eu adoraria conhecer mais de você, sabe? Não só como artista, mas como pessoa! — Corey aperta os lábios, demonstrando toda a apreensão que ele carregava na fala. — Só para fins corporativos, claro!

Corey finalmente abriu um sorriso sacana de verdade, erguendo uma de suas sobrancelhas grossas. A malícia que ele colocara na última frase fez meu estômago revirar, de alguma forma, ele estava insinuando um encontro para me conhecer com a desculpa de que era para fins corporativos? Aquilo só podia ser algum tipo de brincadeira ridícula.

Olhei para Angeline, apreensiva. A loira, por outro lado, ergueu as sobrancelhas, gesticulando para que eu fosse em frente.

Engoli em seco, sentindo um calafrio escorregar por toda a minha espinha e eriçar todos os meus pelos. Um encontro com Corey não deve ser o fim do mundo se isso me garantir um emprego, né?

Pigarreei, desconcertada, e batuquei a ponta dos dedos nas laterais das minhas pernas. Era só um encontro para me conhecer, eu não precisava dar mãos ou coisa do tipo, não seria o fim do mundo, aquele cara mal me conhecia. Respirei fundo, tentando manter a calma, sentindo milhares de inseguranças se instalarem na base das minhas costas, como se tentassem desestabilizar minhas pernas propositalmente.

Olhei fundo nos olhos castanhos de Corey, como se procurasse por sua índole através das íris cor de chocolate, mas não era como se eu fosse capaz de decifrá-lo daquela forma. Eu não era capaz de decifrar ninguém daquela forma, não como eu decifrei Daniel por tantos anos.

— Certo — Forcei um sorriso ameno que, provavelmente, parecia forçado, mesmo que eu me esforçasse para que ele não fosse tão falso. — Pode ser!

— Que ótimo! — Ele sorriu, estendendo a mão em minha direção. — Combinamos amanhã, então!

Dei um aperto de mão em seus dedos finos e compridos, sentindo meu coração saltitar, desesperado, dentro do meu peito.

Corey virou-se para a porta do elevador quando o mesmo abriu as portas no andar do Road Art Studio. Ele acenou rapidamente com a mão e saiu do elevador, desaparecendo quando as portas se fecharam novamente.

Soltei o ar lentamente pelas minhas narinas, dilatadas pela raiva. Fechei os punhos e me virei para Angeline, furiosa, soltando fogo pelas ventas. Eu provavelmente estava tão vermelha quanto um morango maduro.

— Qual o problema? — Perguntou ela, erguendo uma de suas sobrancelhas.

— Você ainda pergunta? — Bati as mãos nas pernas, frustrada. — Angeline, não pode fazer esse tipo de coisa!

— Calma, eu só estava tentando ajudar — Ela ergueu as mãos em rendição. — O Corey é um cara legal e inofensivo, só é meio carente. Sair com ele não é a pior coisa do mundo, pensa que isso vai te garantir uma vaga de emprego muito boa!

— Eu não quero me sentir uma puta por estar saindo com um cara porque ele pode me dar um emprego! — Bradei, passando as mãos pelo rosto. — Angeline, em que mundo você vive?

— Eu só quero o seu bem, amiga, não é pra tanto! — Ela repousou as mãos sobre meus ombros, apertando levemente.

Eu engoli em seco. Sabia que as intenções de Angeline sempre foram as melhores, mas nem sempre ela acertava o alvo que mirava em cheio.

Senti meu peito se comprimir por um instante, como se uma enorme mão estivesse envolvendo meu coração, o espremendo com seus dedos largos. Angeline também tinha pensado no meu melhor quando me empurrou em um encontro com Miles quando eu tinha dezesseis anos, e tudo que se desenrolou depois daquele encontro não fora menos que catastrófico.

Aquilo ainda me causava uma insegurança involuntária que eu precisava lutar dentro da minha cabeça, independente de quantas sessões de terapia eu já tivesse passado, de quantas noites mal dormidas eu já enfrentara ou coisa do tipo. Sair com alguém era sempre um grande desafio, especialmente em uma situação como aquela, com Angeline armando tudo previamente para "um bem maior".

— Não é tão simples assim — Me afastei, virando-me para a porta do elevador, que abria-se para o estúdio de Angeline. — Mas eu vou tentar...

Eu precisava tentar.

Se parte de seguir em frente sem o Daniel era aquilo, eu estava disposta a fazer. De alguma forma, aquela brasa ardente precisava se apagar, eu não podia passar a minha vida inteira presa no passado, sonhando acordada com o que poderíamos ter sido se tivéssemos permanecido lado a lado.

Eu precisava tentar. Mesmo que duvidasse da eficácia.

Uma parte de mim ainda tinha a amarga certeza de que aquela brasa arderia pela eternidade. Enquanto Daniel Carter permanecesse vivo e caminhando na mesma terra que eu, aquela brasa arderia em meu peito até que me consumisse por completo.

Acho que, na verdade, a maior parte do meu corpo, do meu ser, da minha alma, ainda tinha aquela certeza e, no fundo, bem lá no fundo, na parte mais escura e esquecida do meu peito, uma pequenina parte de mim queria que aquela brasa se apagasse para eu poder dizer que eu, em algum momento, consegui caminhar em linha reta para longe dele, como se aquele fio que nos interligava nunca tivesse, realmente, nos prendido um ao outro por suas extremidades, mas que, em algum momento, dois fios se encontraram em um mesmo ponto e divergiram até seus definitivos finais.

Eu queria que aquela foto que eu encontrara esquecida dentro da caixa, embaixo da minha cama, não tivesse significado nenhum, não queria olhar para ela e sentir aquele bolo crescente abaixo do meu coração, não queria sentir nos meus ossos e nas minhas juntas que eu ainda o amava, mesmo depois de tanto tempo.

Essa mesma parte não tinha total certeza do desejo de apagar aquela brasa ardente antes que se incendiasse novamente, mas preferia acreditar que era a melhor escolha a se fazer.

Talvez ele não seja capaz sequer de me reconhecer. Talvez...

Caminhei ao lado de Angeline silenciosamente. Ela me conduziu pelos corredores e pelas salas do andar em que seu estúdio se localizava, chegamos na sua sala e nos enfurnamos ali dentro com a promessa de sairmos apenas quando todas as coisas estivessem, pelo menos, perto de estarem resolvidas.

Angeline revisava pilhas e mais pilhas de papel, eu, por outro lado, dava uma olhada na grande estante de livros que se dispunha atrás de sua escrivaninha bagunçada. Os livros eram, em sua maior parte, relacionados à arquitetura e design, mas tinha um solitário ali no meio, um livro de fantasia de umas novecentas páginas.

Puxei-o com as pontas dos dedos, dando uma boa olhada na capa.

— Não sabia que gostava de fantasia — Comentei. — Na verdade, não fazia ideia que você gostava de ler!

— Honestamente, não gosto — Ela deu de ombros, virando a cadeira em minha direção. — Li a maior parte desses livros por necessidade, mesmo. Esse livro aí era do Nathan, depois que ele me chutou no High School, o livro ficou empoeirando na casa dos meus pais — Angeline deu uma última olhada em uma das papeladas —, faltava um espaço pra ser preenchido nessa estante e ele ocupava o espaço certinho, então eu busquei e deixei aí. Ele não se preocupou em pedir de volta, e acho que, depois de tanto tempo, ele nem se lembra mais!

Ergui as sobrancelhas, conformada e empurrei o livro de volta para o seu espaço da estante.

A loira empurrou a papelada para dentro de uma pasta amarela e a arquivou em um móvel cinza e estreito, segui-a com os olhos pelo trajeto que fez até retornar para a escrivaninha. Ela apoiou as palmas das mãos no tampo da mesa e apoiou o peso do corpo ali, encarando-me de cima a baixo.

— O que você faria se o Carter viesse falar com você? — Perguntou, banhada em curiosidade.

Pisquei algumas vezes, assustada. Eu não fazia ideia. Não tinha uma resposta na ponta da língua para aquilo, eu mal conseguia pensar.

— Não sei — Olhei para os meus pés.

Uma parte de mim ficava eufórica com a ideia de falar com Daniel novamente enquanto a outra queria que aquilo não acontecesse para não piorar as coisas.

— Eu não faço ideia. Eu... — Levantei o rosto, encarando-a em busca de algum tipo de resposta mágica para aquilo, mas não encontrei nada além da curiosidade. — Eu não sei!

Minha voz falhou de repente. Ficou fraca como um suspiro antes de dormir.

— Precisa aprender a deixá-lo ir, Alli — Angeline pendeu a cabeça para o lado, me contemplando por completo. — Precisa seguir em frente, pelo bem do seu coração!

Eu sabia daquilo muito bem. Sabia que, se quisesse que aquela dor na base do meu coração passasse, eu precisava me livrar de tudo o que eu sentia pelo Daniel.

Mas eu não queria. Eu não queria acreditar que aquilo morrera com tanta facilidade, que o amor fosse tão efêmero e descartável. Era como se, de repente, todas as promessas que fizemos, como se todos os planos e todos os sonhos que tínhamos quando estávamos juntos perdessem todo o significado, ou como se nunca tivessem significado algo.

Para mim, ainda significavam. E eu detestava todas as noites em que eu sonhava com a maldita noite em que ele me dissera que me amaria pela eternidade, porque eu provavelmente estava fadada a amá-lo por toda a eternidade.

— Mas eu não quero — Vomitei as palavras sem pensar duas vezes. — Não quero deixar tudo aquilo para trás. Não quero acreditar que tudo aquilo foi uma grande mentira e que nada teve um real significado! — Eu sentia meu peito arder, meus pulmões queimavam. — Eu não quero acreditar que o que sentimos um pelo outro não foi amor, porque...

Mas eu não consegui continuar. Eu congelei quando percebi que Angeline endireitou a postura e se colocou a caminhar em minha direção.

Meus dedos tremiam e eu sentia meu peito pesado, tentei recuar um passo, mas minhas pernas não me obedeceram, alimentando ainda mais aquele desespero.

Ela parou de frente para mim, levou suas mãos até meus ombros e afagou meus braços.

— Mas foi amor, Allison — Ela sorriu, amena. — Eu nunca gostei dele, você sabe, mas era inegável. Vocês se amaram com toda a força, com a alma, com o copo, mas... — Ela baixou os olhos. — Mas acabou, e você precisa aceitar que o amor de vocês está no passado!

— Mas e se não estiver no passado? — Perguntei, quase implorando para que ela conseguisse ler minha mente. — E se isso nunca ficar no passado, como deveria ficar?

Angeline baixou os olhos, pensativa.

— Você vai ficar presa nisso pelo resto da vida. Talvez, ele reformule a vida dele, talvez até você refaça sua vida. Talvez você se case com outro cara, tenha filhos, se mude de país, mas uma parte de você sempre vai querer saber o que teria acontecido se você estivesse com o Carter... E você nunca mais seria capaz de olhar para frente, até você bater a cara num poste por olhar demais para trás!

Eu sabia que ela estava certa, de alguma forma. Mas não deveria doer tanto. Eu já tinha vivido o luto de ter que deixá-lo para trás, os primeiros meses na Califórnia foram os piores.

Era mais fácil eu contar nos dedos os dias em que eu não sonhava com ele, com a nossa despedida, com os nossos momentos juntos, que contar os dias em que eu sonhava com ele.

Praticamente toda noite eu assistia uma reprise mental do dia em que ele me viu pela última vez, no aeroporto de Boston. Na época, nós já tínhamos terminado com muitas lágrimas e juras de amor eterno, porque era o que nós sentíamos um pelo outro, e não estava sendo nada fácil para nenhum dos dois.

Tínhamos prometido que não teríamos um beijo de despedida para não piorar as coisas. Mas como se já não estivesse sendo duro demais ter que deixar toda a minha família para trás, ele foi a última pessoa com quem eu falei antes de embarcar.

Ele segurou meu rosto entre as mãos, afagando minhas bochechas com os polegares. Ele estava se segurando muito para não chorar, eu, por outro lado, já tinha desistido de tentar manter a compostura.

Com o dedo médio, ele empurrou uma mecha do meu cabelo para trás da orelha. Mas quando ele tentou abrir a boca para falar qualquer coisa, seus olhos transbordaram com tanta força que eu quase perdi o ar. Suas mãos tremiam tanto e ele soluçava como uma criança desesperada.

"Se cuida, tá bom?" foi o que ele disse, e eu apenas concordei com a cabeça. "Se alimenta direito, não perde a hora da terapia e se dedica nos estudos. Não abaixa a cabeça pra nenhum imbecil e não perde o foco, certo? Eu vou estar do outro lado do país, mas se você precisar de qualquer coisa, sabe onde me encontrar, como me achar. Sabe que se precisar, eu atravesso o país, nem que seja correndo!" Ele tentou colocar a respiração dentro do ritmo. "Droga, Allison..." Ele curvou-se para frente, trêmulo. "Eu vou sentir sua falta. E, por favor, nunca se esqueça de que eu te amo, muito mesmo".

Ele quebrou nossa promessa. Ele me beijou uma última vez naquele aeroporto, e doeu tanto que eu mal consegui dizer que também o amava.

Ele afastou minhas lágrimas com a ponta dos dedos e abriu um sorriso dolorido.

"Pode ir..."

E eu fui. Eu o dei minhas costas e caminhei até o embarque, dando uma última olhada nele, alto, forte, mas com os ombros baixos, o nariz e os olhos avermelhados de tanto chorar. Ele abriu um último sorriso e acenou para mim, eu acenei de volta e parti.

Várias vezes, durante os primeiros meses, eu cogitei em abusar daquele direito que eu tinha de chamá-lo para perto, porque eu sabia que, do jeito que ele era, ele simplesmente desistiria de tudo para que eu ficasse bem, mas eu não o fiz nenhuma vez, porque eu sabia o quanto os sonhos dele eram importantes para ele, e eu me sentiria dez mil vezes pior se soubesse que, por minha culpa, ele abandonou tudo.

Eu me perguntava se ele ainda era capaz de lembrar de tudo o que me disse, se ele ainda se lembrava de ter me feito lembrar do seu amor por todos aqueles anos.

Não era para doer tanto...

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