19. Box 42
Cooper
Passei as mãos pelo rosto, afastando os rastros de lágrimas e recobrando o ritmo da respiração. Sentia meu corpo inteiro arrepiar-se repentinamente seguidas vezes, como se uma corrente de incertezas sempre fizesse questão de voltar a correr pelas minhas veias.
Não. Eu não podia ser a vítima para sempre. Eu não queria ser sempre encarada como a garota frágil que precisava ser salva, eu queria me salvar e, daquela vez, eu não tinha mais medo das consequências.
Já tinha aprendido a encarar o mundo e as pessoas como elas realmente eram, e se Corey pensava que conseguiria tirar de mim o que ele tanto queria torturando minha mente, ele estava estupidamente enganado, porque, diferente do Miles, ele não tinha a minha vida em suas mãos.
Respirei fundo e apoiei minhas mãos nas beiradas da pia, encarando meu rosto no espelho. Juntei um pouco de água entre as mãos, postas lado a lado em formato de concha, e passei pelo rosto, revigorando um pouco da minha confiança.
Eu sabia qual era o jogo do Corey, ele tinha ditado as regras rápido demais e eu sabia que era mais inteligente que ele. Corey teria que suportar o meu pior lado, porque eu jogaria o jogo dele.
Queria saber qual de nós dois aguentaria por mais tempo o inferno que imputaríamos na vida um do outro.
Abri a porta, ignorando toda a pilha de trabalho que aparecera sobre a minha escrivaninha, desliguei o computador da tomada e caminhei com o queixo erguido até o saguão, fazendo questão que Corey me visse sair dali de dentro com uma postura muito mais autoritária que quando entrei.
Ele soltou os papéis da pauta da reunião sobre sua mesa e atravessou a sala quase que em um voo rasante na minha direção.
Corey me segurou pelo braço, interrompendo meu passo e me obrigando a virar para ele. Suas sobrancelhas estavam unidas, formando duas dobras, uma entre elas e uma na ponte de seu nariz, que ele enrugou com a raiva. Eu praticamente conseguia ver fogo saindo por suas ventas.
— Onde pensa que vai? — Perguntou entre os dentes.
— Dar uma volta — Abri um sorriso cínico.
— Tem trabalho a fazer, não pode sair a hora que quiser! — Ele afinou os olhos castanho. Os óculos escorregando de seus olhos.
— Ah, é uma pena. O Aiden pode fazê-lo melhor que eu. Por que não pede para que ele o faça?
Corey hesitou por completo, arregalando os olhos, ainda com as sobrancelhas baixas e raivosas.
Ele piscou algumas vezes, como se procurasse em sua mente um argumento bom o suficiente para que eu desse meia volta e me enfurnasse dentro do escritório como um ratinho assustado.
— Quer ser demitida? — Ele estreitou o olhar novamente, tentando captar o que quer que eu estivesse fazendo.
No fundo, eu estava apavorada, nunca tinha feito nada daquele tipo. Em condições normais, eu nunca teria decidido o afrontar daquela forma, mas, em outras circunstâncias, eu também não teria dado um tapa na cara de Jesse quase dois meses antes.
Talvez eu estivesse experimentando, pela primeira vez, toda a raiva que guardei por anos, pensando que ela não valesse à pena. No fim das contas, ela era doce como mel, mesmo que perigosa como veneno.
— Ah, eu adoraria ser demitida — Abri um sorriso ainda mais largo, o provocando em tom de blefe. — Nossa, acho que tudo o que eu mais queria era poder me livrar de toda essa merda, sabe por quê? — Afinei os olhos, torcendo o nariz. Corey negou com a cabeça, confuso. — Porque se eu não estivesse aqui, desenhando bonequinhos ridículos pra sua historinha de merda, não existiria nada entre mim e o cara que eu amo!
Eu conseguia enxergar seus olhos procurarem por alguma lembrança em sua mente, como se ele tentasse recuperar alguém, dentre as pessoas que ele conhecera e que estavam relacionadas a mim, que pudesse se encaixar no "o cara que eu amo", porque definitivamente não era ele.
Sabia que Corey era um cara observador. No meu aniversário, seus olhos não saíam de cima de mim, e também não desgrudavam de Daniel. A princípio, pensei que ele estivesse tentando arrumar um jeito de quebrar o gelo com o jogador, porque, apesar de Daniel ser um cara aberto e simpático, não era como se ele fosse extremamente sociável com pessoas que ele claramente não se identificava.
Mas, depois de perceber que os olhos castanhos de Corey vasculhavam sua memória atrás das únicas pessoas que ele sabia que estavam em Brookline e que fizeram parte do meu convívio, me dei conta de que ele não estava observando Daniel para tentar se inserir na conversa, ele estava o analisando dos pés à cabeça para entender qual era o tipo de ligação que nós dois tínhamos.
Esperto.
— Então o... — Ele levantou os olhos para o meu rosto, perplexo.
— O Daniel Carter? Aquele do Pirates? — Pendi a cabeça para o lado, vendo seus olhos assumirem um tom de desespero. — Ele mesmo. Alto, forte, bonito, engraçado e perdidamente apaixonado por mim!
Por um instante, pensei que Corey fosse armar alguma desculpa, me impedir de ir até o elevador, sei lá, talvez me amarrar numa cadeira. Eu não duvidava da existência de pessoas capazes de amarrar funcionários em cadeiras, e não subestimava a capacidade de Corey de ser uma dessas pessoas. Talvez, se Miles fosse o meu chefe, ele tivesse me amarrado na cadeira.
Ele relaxou de repente, como se todos os seus problemas tivessem magicamente se resolvido em um piscar de olhares. Um conformismo quase mórbido correu por seus olhos e ele abriu um sorriso ininterpretável, não sabia dizer se era um sorriso bom ou ruim, se aquilo era o meu passe livre para desaparecer dali e só aparecer no dia seguinte, ou se era a minha sentença de morte.
Seus ombros desceram, relaxaram como se todos os seus músculos também estivessem assumindo a postura de seu sorriso bizarro, ele não resistia mais, se eu quisesse sair, eu poderia sair, mas seu olhar também me dizia que eu me arrependeria se o fizesse.
Suas sobrancelhas se arquearam acima dos olhos, ultrapassando a armação dos óculos, que ele empurrou para cima com o dedo médio da mão livre enquanto seus dedos se soltavam do meu braço.
Por um instante, pensei que ele fosse me dizer que eu não precisava me preocupar mais com o trabalho, que eu poderia fazer outra hora os desenhos ridículos dos seus personagens fajutos, porque Corey realmente parecia tranquilo, exalando uma energia quase revigorante, se não fosse mortal.
— Não se preocupe com o trabalho acumulado — Ele estufou o peito e alargou o sorriso, mostrando-me seus dentes.
Pisquei várias vezes, atordoada.
— Como é? — Perguntei, ainda descrente, quase pulando de alegria.
Isso é um bom sinal mesmo?
— Não precisa se preocupar com o trabalho acumulado, porque você está demitida, senhorita Allison Cooper — Ele girou sobre os calcanhares, dando as costas para mim.
Observei Corey afastar-se aos poucos, diminuindo de tamanho conforme minha mente parecia ser sugada por um buraco negro de arrependimento.
Puta merda, o que eu fiz?
Eu realmente não achei que ele fosse levar a sério. Pensei que ele fosse, blefar até que eu desistisse da ideia e voltasse para o meu escritório, mas Corey não blefava, aparentemente.
Mal conseguia me mover. Meu coração estava acelerado dentro do peito, merda, eu mal tinha recebido meu primeiro pagamento.
O que eu faço agora?
Pisquei algumas vezes, tentando me lembrar de como respirava. Inspira, expira. É isso, não é?
Tinha medo até de me mover. Talvez, se eu me movesse, automaticamente o meu corpo seria pulverizado por algum raio maluco que descia do teto toda vez que um funcionário idiota abria a boca para jogar o jogo de Corey com as mesmas cartas que ele.
Lentamente, caminhei na direção do meu antigo escritório, puxei minha bolsa, sabendo que não caberiam todas as minhas coisas ali dentro, mesmo que ela fosse espaçosa e tivesse vários bolsos amplos.
Aos poucos, escolhi as coisas mais importantes e guardei. Os livros dados por Daniel e Ethan foram os primeiros itens a serem enfiados dentro da bolsa e, algum tempo depois, consegui entuchar mais alguns lápis e canetas, não me preocupando muito com as decorações e chaveiros que eu pendurava na estante.
Minhas mãos tremiam e eu me sentia patética, mas livre.
Coloquei a bolsa sobre o ombro, caminhando rapidamente na direção do saguão, o atravessando o mais rápido que minhas pernas me permitiam.
Não me preocupei em chamar o elevador, optei por ir pelas escadas, porque não queria correr o risco de me encontrar com qualquer pessoa, fosse com Angeline, com Leo, com Aidan ou até com o próprio Corey.
Saí do prédio sentindo o vento gelado empurrar meu cabelo para trás. Merda. Eu não queria voltar para casa, eu não fazia ideia do que fazer ou do que dizer quando voltasse, meus pais deviam me matar por ter feito uma merda daquele tamanho.
Apertei os dedos ao redor da alça da bolsa e rangi os dentes, insegura e indecisa. Não sabia se eu deveria subir todos aqueles andares e implorar por uma segunda chance ou se deveria encarar aquilo como uma verdadeira resposta de Deus, do universo, ou do que fosse.
Dei uma olhada no movimento da rua. Os carros passando para lá e para cá, as pessoas caminhando com pressa, agarradas ao tempo — ou a falta dele —, decretando silenciosamente que ele era o seu juiz e sua sentença de morte.
Puxei o celular e dei uma olhada no meu saldo do banco, eu ainda tinha algum dinheiro, ao menos o suficiente.
Respirei fundo e o guardei novamente dentro da bolsa. Não era como se aquela fosse a escolha mais inteligente a se fazer, mas eu sabia exatamente onde eu gastaria aquela droga de dinheiro.
Coloquei minhas pernas para funcionar, caminhando a passadas rápidas pelas ruas classudas de Boston. Dobrei esquinas, contornei praças e atravessei avenidas movimentadas antes de conseguir finalmente alcançar o meu tão esperado destino depois de quase uma hora de caminhada.
Pisquei algumas vezes para a entrada do local, reconsiderando a ideia.
A faixada de tijolinhos vermelhos quase camuflava uma porta preta e robusta de metal, que combinava com as duas janelinhas, sempre fechadas, que emolduravam parte da janela. Acima da porta, um toldo preto trazia o nome do local em um vermelho chamativo e, na parede lateral do estabelecimento que ficava em uma esquina, um letreiro com uma seta brilhosa indicava a entrada.
Ainda era cedo demais para que bêbados estivessem caindo aos montes do lado de fora, mas não significava que, por ser pouco depois da hora do almoço, eu não pudesse passar o resto do dia ali dentro, reconsiderando e repensando todas as escolhas da minha vida.
Empurrei a porta do pub, observando as mesas se disporem por todo o local apertado, mas aconchegante. As luzes do teto foram substituídas por fios com bolinhas brancas que ziguezagueavam até alcançar o balcão do bar, iluminado por luzes azuis.
Atravessei por entre as mesas, desviando de todas as cadeiras que atrapalhavam a passagem e me sentei em um dos bancos altos que se dispunham na frente do balcão.
Atrás do garçom, que passava um pano fino em uma taça de cristal, prateleiras de vidro seguravam milhares de garrafas de bebidas, todas alcoólicas. O vidro era iluminado por feixes azuis e roxos, que brilhavam com o espelho que se estendia do chão até o teto, por trás das prateleiras, dando a impressão de que eles possuíam mais bebidas do que realmente tinham.
Tirei a bolsa do ombro e pendurei no pequeno gancho abaixo do balcão, colocado ali pensando exatamente em pessoas como eu, que carregavam bolsas enormes e ruins de esconder.
Espalmei as mãos na beirada do balcão, esperando que o garçom notasse minha presença. Ele, que era alto e esguio, com um rosto longo e olhos pequenos e estreitos, cabelos crespos e uma pele brilhosa, pendurou a taça no suporte e caminhou em minha direção, esbanjando um sorriso simpático.
— O que vai querer? — Seus olhos praticamente se fechavam com o sorriso.
— Umas dez doses da bebida mais forte que você tiver aí! — Ele pareceu surpreso com a resposta.
— Não tá meio cedo pra começar a beber assim? — Perguntou, soltando uma risada desconfortável.
Apertei os lábios, descendo os olhos para a madeira do balcão. Sim, era bem cedo, mas eu pretendia ficar ali por tempo o suficiente para que se tornasse tarde demais para voltar atrás.
— Não vou beber tudo de uma vez — Dei de ombros.
O garçom soltou um riso baixo e virou-se sobre os pés, pegando uma garrafa em uma das prateleiras e um copo de shot, em vez de dez, como eu havia o pedido.
Li seu nome no crachá dourado e estreito cravado em sua camisa branca, Ross Sorenson. Ao menos eu saberia a quem chamar, caso quisesse mais bebida.
Ross empurrou o copinho cheio em minha direção com a ponta do indicador, e ergueu uma de suas sobrancelhas.
Eu sabia exatamente o que ele estava pensando, e, no fundo, ele estava certo.
— Experimenta — Disse. — É o mais forte que temos aqui!
Acanhada, puxei o copinho e virei de uma vez, imediatamente fazendo uma careta e tossindo, sentindo a garganta arder e queimar com o líquido que facilmente poderia ser usado para desinfetar feridas de tanto álcool.
— Não bebe, né? — Ele abriu um sorriso convencido, confirmando exatamente o que eu sabia que ele estava pensando.
— Não... Nunca bebi muito, não o suficiente — Confessei. — Mas hoje é um dia horrível, então acho que é a oportunidade perfeita para descobrir qual a mágica de ficar bêbada de verdade!
O rapaz guardou a garrafa e pegou outra logo em seguida, despejando dentro do copinho o líquido cor-de-rosa.
— Experimenta esse, ele é mais doce — Disse, repousando a garrafa no balcão.
Virei o copinho na mesma velocidade que o anterior e, realmente, era mais doce, mas não menos horrível.
Eu sabia que não era exatamente uma pessoa que tinha sido feita para aquele tipo de farra. Independente de quantas vezes me diziam que era apenas costume, que eu precisava me aventurar mais e experimentar mais, nada parecia me agradar o suficiente para que eu enchesse a cara ao ponto de não conseguir mais andar.
As poucas vezes em que bebi, vinho era sempre a pedida da vez e, por mais que eu bebesse e saboreasse os vinhos doces, os secos pareciam sugar minha alma e não desciam.
No fim das contas, eu nunca tinha ficado bêbada, não o suficiente. Por vezes, eu ficava risonha e meio boba, mas sempre sabia exatamente o que eu estava fazendo.
Ali, dentro daquele pub de esquina, que não demoraria muito para encher, especialmente depois que os jovens trabalhadores de Boston terminassem seus expedientes, eu não me importava com a droga do sabor horrível que o álcool tinha.
— Mais um — Bati o copinho no balcão e um sorriso travesso se formou nos lábios de Ross.
O garçom encheu o copinho mais uma vez, e de novo, e de novo, e todas as vezes em que o virei por completo e bati com o vidro sobre o balcão, cada vez um pouco mais alterada que na anterior.
Encarei o copinho vazio, me perguntando quanto tempo já tinha se passado desde que eu começara a encher a cara com aquela bebida rosa, porque a garrava estava praticamente na metade e, entre um shot e o outro, eu dava um tempo para pensar em algo novo.
O primeiro pensamento foi o medo. Ele se achegou depressa, como se quisesse me alertar da minha própria burrice. Mas assim que virei o segundo copinho, a confiança tímida apareceu e o chutou para longe.
O terceiro pensamento tinha sido a respeito da minha dignidade, talvez eu a tivesse perdido naquele escritório desgraçado. O quarto, por outro lado, tentou me alertar do quão irresponsável eu estava sendo. O quinto, me chamou de imbecil, o sexto me incentivou a continuar.
E cada vez que um novo shot era posto para dentro, eu me perguntava mentalmente o que eu faria se não conseguisse mais me levantar dali, se me roubariam ou se tentariam me matar, talvez me sequestrassem, talvez eu não conseguisse voltar para casa, talvez eu não conseguisse chamar um táxi.
Estreitei os olhos para o copo vazio e depois os guiei até a tela do meu celular, dando uma boa olhada no horário. Já estava tarde o suficiente para que eu perdesse minha mente, porque eu tinha demorado demais enquanto bebia cada um daqueles copinhos — podia ser pela demora que não tenha subido do jeito que eu desejava.
— Não tô bêbada o suficiente — tamborilei os dedos sobre o balcão —, ainda não sei o que fazer, Ross, então trate de me fazer descobrir o que fazer!
Eu queria que, ao menos bêbada, eu fosse capaz de entender se aquela demissão era, de alguma forma, algo bom. Eu não teria mais dinheiro depois daquela noite, então precisava ao menos me agarrar a algo que fosse tão unânime e real quanto a decadência de um bêbado de bar.
Pensei que, ao menos bêbada, eu seria capaz de discernir melhor aquela ideia e digerir o que tinha acontecido, simplesmente porque a sobriedade já estava me deixando maluca demais para que eu conseguisse analisar as coisas friamente. Talvez eu não precisasse de imparcialidade alguma, talvez eu só precisasse de um pouco mais de ousadia.
Eu já estava bêbada. Quer dizer. Eu estava levemente alterada, mas não o suficiente. Sabia que meus sentidos e reflexos já não estavam mais tão confiáveis quanto eles costumavam ser, mas minha mente ainda era uma armadilha pronta para me capturar e, de alguma forma, sabia que a bebida seria capaz de desarmar aquela bomba nuclear interna que estava prestes a explodir.
Ross trocou a bebida. Ele pegou algumas garrafas, despejou algumas coisas dentro de um recipiente prateado e preparou um coquetel que ele batizara de "matador".
Destampou o recipiente e encheu um copo para mim, enfiando um canudo e espetando uma rodela de limão na beirada.
Cheirei aquela mistura, ao menos tinha um cheiro agradável de limão e morte. Misturei com o canudo, retirando-o de dentro do copo e sugando o conteúdo de dentro antes de deixá-lo de lado e virar o copo de uma vez na minha boca, tentando conter a careta e continuar engolindo o coquetel até sobrar apenas espuma e restinhos de frutas no fim do copo.
Bati o copo no balcão, sentindo minha cabeça girar por completo.
O rosto de Ross se deformou em uma espiral diante dos meus olhos e eu senti meu corpo inteiro falhar.
— Acho que esse deu um jeito — Ri, lesa.
— Funcionou, então? — Perguntou, abrindo um sorriso amplo. Confirmei com a cabeça, sentindo-a pesada. — Chegou onde queria?
Levantei os olhos para seu rosto, confusa com o quanto minha visão estava dividida e minhas pernas já não estarem mais firmes.
— É, acho que cheguei...
Ross puxou o copo para longe de mim, colocando-o dentro de uma máquina de lavar louça.
— E por que queria chegar nesse ponto, então? — Perguntou, não por curiosidade, mas por pura travessura.
Ele tinha um tom em sua voz que mostrava que, no fundo, ele só queria se divertir às custas de uma bêbada idiota como eu.
— Ah, porque eu tenho que tomar uma decisão — Dei de ombros, sentindo-os despencar, molenga. — Fui demitida!
— Sinto muito — Ele ergueu as sobrancelhas, surpreso.
Ross já devia ter atendido muitas pessoas que, assim como eu, foram demitidas e presumiu que, de alguma forma, eu estava arrasada por ter perdido o emprego e queria recompensar minha mente de alguma forma, talvez para esquecer, talvez para fugir.
— Não sinta, eu detestava aquele lugar — Fiz um bico frustrado, apoiando o rosto na mão. — Queria sair de lá no momento em que coloquei meus pés naquela porcaria de prédio!
— Quando amor pelo trabalho!
Fiz uma careta desgostosa, torcendo o nariz e recuando no banco.
— Não fala em amor — Franzi o cenho e tranquei os olhos. — Isso é o que mais me causa medo!
— Por que o amor te causa medo, então? — Ross estreitou os olhos para mim, entregando um copo de bebida para uma moça que parou ao meu lado.
— Porque agora não tem nada entre mim e o meu amor — Pendi a cabeça para o lado. — Mas isso ainda me assusta, porque eu não sei se foi a coisa certa, e se for a errada? — Franzi o cenho, um pouco mais confusa que antes. — Ross, bêbados sentem medo?
— Bêbados também são humanos, então acho que sim — Ele riu, me entregando mais um copo de bebida.
— Vai precisar fazer um coquetel que me transforme num monstro, então — Encarei o copo na minha frente, pesarosa. — Porque ficar bêbada ainda não me faz saber o que fazer!
Queria que ficar bêbada me desse coragem para correr para os braços de Daniel e dizer que podíamos ficar juntos, mas ele ainda iria para o Michigan. Não sabia se ele me levaria com ele, nem se ele chegou a cogitar aquela opção, especialmente se soubesse que eu estava quebrada, não fazia ideia se, ainda que eu fosse, conseguiria um emprego.
E se nós terminássemos? Achava improvável que pessoas tão compatíveis como nós dois pudéssemos, no final de tudo, ter um final realmente definitivo, mas e se acontecesse? Eu estaria longe da minha família e tudo o que eu teria por lá seria jogado pela janela.
Eu o amava, ele me amava, e nós sabíamos muito bem daquilo. O nosso amor nunca foi um segredo. E por isso, por mais que eu tivesse tentado o esquecer, mesmo que eu tivesse seguido os conselhos de Angeline, mesmo que eu tivesse colocado um ponto final em nós dois, eu ainda me sentia desesperada ao imaginar que o futuro permanecia incerto.
As possibilidades ruins existiam. Eram uma parcela minúscula e improvável, mas que eu ainda precisa pensar e cogitar friamente todas as vezes em que eu chegava perto de encontrar uma solução para nós dois, porque, no fim das contas, finais infelizes também existiam.
Puxei o copo novo de bebida e o virei de uma vez, dando goladas largas e amplas, sentindo a bebida se embolar na minha garganta enquanto descia pela minha laringe e cair diretamente na minha traqueia.
Repentinamente, assim que endireitei a postura e passei as costas da mão sobre os lábios, tirando os restos de bebida dos cantos, senti como se uma adaga perfurasse meu estômago e uma colher de pau de uma bruxa raivosa o misturasse em um ensopado macabro.
Um desconforto na parte superior do meu abdômen tomou conta de mim, e eu senti meu corpo inteiro perder temperatura para o ambiente enquanto minha vista escurecia nas bordas.
Senti meus lábios ficarem secos e as pontas dos meus dedos formigarem, por um instante, pensei que fosse desmaiar, mas, de repente, um impulso incontrolável tomou conta do meu corpo e eu me curvei para o lado, cuspindo fora tudo o que eu tinha bebido em um líquido quente que se espalhou pelo chão.
Não, não, não!
Ross me olhou com seus olhos arregalados e sinalizou com a mão, apontando para mim e acenando com a mão espalmada para cima.
Poucos segundos depois, duas garçonetes me seguraram pelos braços, me endireitando na cadeira. Uma delas encharcou um pano na água gelada de um balde com gelo e colocou sobre minha testa enquanto a outra puxou minha bolsa, me ajudando a encontrar meu celular.
Eu não tinha me dado conta do quão chapada eu estava até eu tentar levantar por conta própria, desobedecendo as duas garçonetes, irritadiça. Eu não queria ajuda, eu queria saber o que devia fazer, o que deveria considerar, queria entender até onde eu poderia ir por Daniel e até onde ele iria por mim.
Uma delas, a de cabelos castanhos e espessos, que estavam presos em um coque alto e bem ajustado à cabeça, conseguiu desbloquear meu celular com a ajuda da digital do meu polegar e, nervosa e um tanto trêmula, encontrou o contato de alguém que ela achou ideal para ligar: meu pai.
A outra, a que tinha cabelos pretos e encaracolados, presos acima da cabeça e enrolados com uma bandana rosa, me ajudou a pegar a bolsa e a sustentar meu corpo de pé.
Não demorou até que meu pai chegasse no local, guiado pelas coordenadas precisas da garçonete de cabelos castanhos. Ele atravessou rapidamente o balcão, pagou minha conta e me ajudou a ir para o carro.
— Pai — Sorri para ele, sentindo uma alegria quase incontrolável. — O Ross é muito bom em fazer coquetéis, mas ele é péssimo em me ajudar a encontrar respostas!
Desgostoso, meu pai virou os olhos na minha direção, me ajudando a entrar no carro.
— Respostas não se encontram em barezinhos, Allison — Seco, ele fechou a porta ao meu lado.
Ele tinha razão. Respostas não se encontram em barezinhos com prateleiras de vidro brilhoso, mas ao menos eu podia tirar um lugar da minha lista de lugares onde eu poderia encontrar respostas.
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