18. I Meant To Hurt You

Carter

A luz forte da manhã invadiu meu quarto sem pedir qualquer tipo de licença, o que era um péssimo lembrete de que eu nunca trocara as cortinas do meu antigo quarto, que não barravam a luminosidade forte da manhã.

Dei as costas para a janela e esfreguei os olhos, sentindo minha cabeça latejar e meu corpo inteiro doer. Eu sabia que tinha desmaiado durante a madrugada, mas não fazia ideia do que tinha acontecido enquanto estive apagado, porque quando acordei, já estava embaixo do chuveiro, dentro de uma banheira e tomando um banho de água fria com quatro pares de olhos preocupados presos sobre mim.

Tentei pegar no sono novamente, mas fracassei miseravelmente depois de rolar na cama por mais vinte minutos.

Rendido, me sentei na beirada e puxei meu celular, que estava sobre a mesa de cabeceira. Eu não me lembrava de ter quebrado a tela em algum momento, então supus que aquilo aconteceu no momento em que eu desmaiei.

Ele ainda estava funcionando e, por sorte, ainda tinha alguma carga. Era cedo demais para que qualquer um estivesse acordado, mas tarde o suficiente para que o sol já estivesse brilhando do lado de fora.

Larguei o celular sobre a cama e me enfiei no banheiro, escovando os dentes e tomando um longo banho antes de parar na frente do espelho para ajeitar o cabelo. Estreitei os olhos para o meu próprio reflexo, eu não me lembrava de aparentar estar tão cansado da última vez que me olhei no espelho.

Eu tinha dois novos cortes, um bem acima da sobrancelha esquerda e outro no braço direito, entre o músculo deltoide e o bíceps, o que me lembrava que eu tinha caído no chão junto com o quadro da minha mãe, que, com certeza, não era nada barato.

Suspirei, conformado com a minha posição de derrota e saí do banheiro arrastando os pés descalços até o corredor. Pelo mezanino, consigo ver quatro caras jogados na sala, completamente apagados.

Jordan ocupava uma poltrona perto da janela ampla da sala, Michael, por outro lado, estava estirado sobre o tapete, com as pernas em cima da poltrona ao lado da de Jordan. Meu pai e Ethan dividiam o sofá e, por algum motivo, nenhum dos dois teve a brilhante ideia de puxar os assentos, então eles estavam espremidos um no outro, com Ethan abraçando as pernas do meu pai.

Desci os degraus cuidadosamente, tentando fazer o mínimo de barulho possível para não acordar nenhum deles.

Lavei as mãos na pia da cozinha e puxei uma frigideira de dentro do armário que ficava logo acima. Vasculhei as gavetas atrás de uma espátula de silicone e separei dois ovos para que eu pudesse fritar.

Depois de acender o fogo e esquentar um pouco do óleo, quebrei os dois ovos dentro da frigideira e desisti da ideia de fritá-los, remexendo-os com a espátula até que virassem uma coisa só.

Enquanto eu jogava o sal sobre os ovos mexidos, ouvi a porta da frente abrir e se fechar rapidamente, assim como o barulho da chave tilintar ao fechar a porta.

— Acordado a essa hora da manhã? — Minha mãe perguntou, passando por trás de mim e deixando a bolsa sobre a ilha.

— Perdi o sono... — Confessei, tirando a frigideira do fogo e colocando-a em cima da pia.

Ela esperou que eu me virasse para ela, e, assim que o fiz, seu sorriso desapareceu do rosto.

— O que aconteceu? — Perguntou, preocupada.

Ela deu um passo a frente e segurou meu rosto entre as mãos finas, puxando meu rosto para mais perto do seu. Com o indicador, ela contorna o corte acima da minha sobrancelha, mantendo seus olhos vidrados na vermelhidão da pele ao redor do corte.

— O que você e seu pai andaram aprontando? — Firme, ela franziu o cenho.

— Foi um acidente, não foi culpa dele — Arqueei as sobrancelhas, colocando meus ovos mexidos no prato. — Tá tudo bem. Não foi nada sério, só que o quadro da sala foi pro saco, se quiser, eu pago por outro!

Ela apoiou a base das costas no balcão da cozinha e estreitou os olhos para as várias garrafas de bebida que jaziam da pedra branca. Ela ergueu as sobrancelhas e suspirou, conformada.

— Não quero saber o que vocês andaram aprontando, então — Ela riu abafado. — Falando nisso, onde ele tá?

Indiquei a sala com a cabeça, vendo seus olhos correrem por toda a casa até penderem sobre os quatro homens apagados na sala.

Ela relaxou os ombros e caminhou lentamente na direção do sofá no mesmo instante em que meu pai se remexeu, chutando, sem querer, o queixo do Ethan, que retrucou alguma coisa e virou as costas para a beirada.

Minha mãe se abaixou diante do meu pai, passando a ponta dos dedos por seu rosto, afastando o cabelo da testa e o observando como se fosse a primeira vez que ela o via dormir.

— Querido, acorda — Disse, acariciando o rosto do marido. — Vai deitar lá no quarto!

Meu pai soltou um grunhido preguiçoso e ajeitou o corpo no sofá, empurrando Ethan ainda mais para a beirada.

— Não... — Ele murmurou, quase incompreensível. — Eu tenho que cuidar do Dani...

— O Dani me parece perfeitamente bem — Ela riu, levantando os olhos para mim. — Ele tá até fazendo o café da manhã!

Meu pai resmungou alguma coisa ininteligível, e minha mãe estreitou os olhos para ele, confusa.

— Quê? — Ela perguntou passando a mão pela testa dele, contornando seu rosto logo em seguida.

— Não é isso — Franziu o cenho, incomodado por ter o sono interrompido. — Ele tá tristinho... — Suspirou, cutucando Ethan com o pé para ter mais espaço. — Eu tenho que...

Minha mãe se curvou sobre ele, beijando sua testa e alisando o cabelo desgrenhado.

— Pode descansar — Disse ela, deslizando o nariz sobre o dele. — Eu cuido dele, agora!

Preguiçosamente, ele abriu os olhos para encontrar com os dela, eles permaneceram naquela troca telepática de informações, um olhando para o outro com os olhos estreitos e um sorrisinho fraco nos lábios.

— Eu te amo — Ele encaixou o rosto dela em sua mão.

— Eu sei — Ela sorriu, segurando a mão dele enquanto se levantava. — Eu sempre soube!

Eu congelei por um instante. Meus olhos não conseguiram se desviar de minha mãe por um segundo sequer. Aquilo... Aquela maldita frase...

Tensionei o maxilar, descendo os olhos para meu prato de ovos mexidos. Allison tinha me dito praticamente a mesma coisa no dia anterior. Bati os indicadores algumas vezes sobre a pedra do balcão, perdendo completamente a fome.

— Mas vai tomar um banho, você e esses moleques estão fedendo a bebida! — Completou, caminhando na direção do balcão.

Ela sentou-se de frente para mim enquanto meu pai se livrava dos braços de Ethan, que circundavam suas pernas, para conseguir se levantar.

Ele caminhou para o andar de cima e entrou no próprio quarto, nos deixando no andar de baixo com a sinfonia de respirações e roncos dos outros caras.

Minha mãe segurou uma das minhas mãos, apertando meus dedos nos dela e deslizando o dedo carinhosamente, me olhando fundo nos olhos como se, de alguma forma, quisesse me entender sem que eu precisasse falar qualquer coisa.

— Falou com ela, não foi? — Perguntou e eu confirmei com a cabeça.

Seu sorriso alargou no rosto, como se ela já esperasse que eu fosse confirmar o que ela achava.

— Eu não tava preparado para o pior, mãe... — Baixei os olhos para o espaço entre nós dois.

Forcei um sorriso para ela, mesmo sabendo que não era nada convincente.

— Mas tá tudo bem... — Foi minha vez de apertar os dedos dela, tentando me manter calmo. — Vai ficar tudo bem... Eu acho. Eu quero que fique. Ela tá feliz, né? É isso que importa!

— Shhhh... — Ela colocou o dedo indicador na frente dos meus lábios, me obrigando a parar de falar. — Você é igualzinho ao seu pai... Fala demais quando fica nervoso. Não precisa me dizer nada, querido. Sei que não quer falar!

Confirmei com a cabeça, segurando o garfo novamente e espetando alguns pedacinhos de ovos, que logo foram triturados pelos meus dentes.

Meu pai desceu as escadas pouco tempo depois, parando atrás da minha mãe e passando os braços ao redor da cintura dela, apoiando o queixo em seu ombro. Ela levou os dedos para dentro do cabelo molhado que ele esbanjava, fazendo um carinho leve e rápido, fechando os olhos enquanto sentia a respiração dele em seu pescoço.

Em circunstâncias normais, eu não me importaria de ver meus pais sendo o casal feliz que eles normalmente eram, com sua química perfeita e toda a dinâmica única que os cercava, com a minha mãe sendo mandona e durona e meu pai sendo sempre perdidamente apaixonado por ela, parecendo até meio idiota às vezes, porque ela ainda o deixava nervoso e sem saber o que fazer.

Mas eu não queria assistir àquilo, não queria saber que o amor funcionava para eles e não para mim. Detestava saber que eles estavam felizes e juntos há trinta e dois anos, mas Allison e eu não conseguimos durar mais que dois anos e meio, praticamente.

Sentia meu corpo inteiro se corroer, especialmente por saber que eles estavam juntos desde que minha mãe tinha dezesseis anos.

— Tá melhor? — Ele me perguntou, sentando-se ao lado da minha mãe, mas mantendo os dedos entrelaçados aos dela.

O observei por algum tempo, irritadiço, na esperança de que ele finalmente assumisse para si mesmo que aquela era a pergunta mais idiota que ele poderia ter me feito, mas telepatia não funcionava com meu pai. Não sempre.

Baixei os olhos para o meu prato, confirmando com a cabeça enquanto enfiava mais um pouco de ovos dentro da boca para me impedir de mandar todo mundo para o inferno.

Eu sabia que ele não estava convencido, e sabia que não insistiria em me perguntar, porque, no fim das contas, ele sabia que não importava o quanto ele quisesse que eu ficasse bem ou o quanto ele se preocupava, as coisas precisavam voltar para o lugar cedo ou tarde, e não faltava muito para que eu voltasse para o Michigan.

Cooper

Segunda-feira não era o meu dia favorito na semana. Simplesmente porque segunda-feira significava que eu teria que lidar novamente com Corey e o seu enorme problema com rejeição.

Eu não estava bem. Apesar de ter passado uma madrugada inteira com minha irmã e minhas amigas, o baque do ponto final que coloquei entre mim e Daniel ainda latejava no fundo do meu peito.

Não queria ter que lidar com as provocações de Corey, porque eu sabia que, talvez, daquela vez eu não conseguiria manter o controle e tinha medo do que poderia resultar. Não queria ser demitida, por mais que eu quisesse o xingar em todos os idiomas existentes ao redor do mundo.

Respirei fundo antes de entrar no elevador, ajeitando o blazer por cima dos meus ombros e arrumando com cuidado a dobra da gola. Teríamos uma reunião importante e eu não queria parecer uma idiota inadequada, pensei que seria uma boa se eu simplesmente vestisse algo mais formal.

Corey me disse que teríamos que apresentar as ideias dos quadrinhos para o representante de uma editora grande que tinha se interessado e que eu ficaria encarregada de apresentar os personagens. Claro que ele tinha me dito aquilo antes de eu negar namorar com ele, mas eu ainda estava dentro do estúdio e ele não tinha outra pessoa para falar dos personagens, afinal, eu quem os desenhava.

Eu estava nervosa. Não. Eu estava nervosa e arrasada, o que era a combinação perfeita para que tudo desse errado, mas eu não queria que dessem, queria ao menos poder que alguma coisa estava dando certo na minha vida pra poder dizer que aquela merda de ponto final tinha valido a pena.

Apertei o botão do elevador e observei a porta se fechar por completo antes de me virar para o espelho e encarar meu reflexo. Ah, droga. Eu tinha passado maquiagem, especialmente abaixo dos olhos, mas, mesmo assim, era nítido que eu não dormia tinha dois dias e que eu estava, no mínimo, muito cansada de viver dentro da minha cabeça.

Olha o que estamos fazendo um com o outro... Pensei, queria que ele fosse capaz de ouvir, porque sabia que ele tentaria fazer algo para melhorar as coisas.

Era sempre assim quando as coisas não estavam tão boas, foi quando Miles apareceu, e continuou sendo até precisarmos nos separar. Ele tentava ao máximo melhorar as coisas, fosse fazendo algo bobo, contando uma história idiota, ou só assistindo alguma coisa comigo.

Dizia que a única coisa que importava de verdade era eu me sentir bem e nada mais, e ele era bom em deixar as coisas melhores, mesmo nos piores dias.

Eu conseguia me lembrar nitidamente de todas as vezes em que ele me ajudou a melhorar, porque ele conseguia sentir as mesmas coisas que eu com tanta intensidade que ele era capaz de saber o quanto doía.

Quando começamos a namorar, as coisas realmente foram difíceis. Eu tinha acabado de sair de um relacionamento que tinha me destruído e nós dois tínhamos tudo para dar errado por conta disso.

Ele não era do tipo de cara que pediria permissão para os pais de uma garota para namorá-la, mas ele fez questão de conversar com meus pais, especialmente ao respeito da minha saúde. Ele não pediu permissão ou coisa do tipo, mas meus pais aceitaram de bom grado que eu permanecesse ao seu lado porque perceberam que ele realmente se importava.

Mesmo fazendo terapia, tanto eu quanto ele, diversas vezes eu simplesmente rompia sozinha a minha própria mente. Chorava por horas quando ele me chamava para sair para algum lugar, simplesmente porque eu não me sentia bonita o suficiente para estar ao lado de alguém como ele.

Mas ele pacientemente ia até minha casa, entrava no meu quarto, me abraçava com cuidado, secava minhas lágrimas e me dizia o quanto ele me achava bonita e incrível e sempre frisava o quão talentosa eu era. Nem sempre eu me recuperava e conseguia sair, e nessas vezes em que não saíamos, ele se contentava em deitar comigo na cama e mexer no meu cabelo até que eu dormisse em seus braços.

Às vezes, ele não dizia nada quando eu estava nos meus piores momentos, ele só me ouvia dizer tudo o que eu tinha pra dizer, engolia em seco e soltava um comentário idiota que me fazia rir e magicamente as coisas pareciam ficar mais leves.

Com o tempo, as coisas melhoraram e eu comecei a recuperar minha autoconfiança. Não me importava mais em passar horas tentando me arrumar para ficar à altura dele, porque mesmo quando dormíamos juntos e eu acordava descabelada e com os olhos inchados, ele segurava meu rosto entre as mãos e dizia "puta merda, como você é linda", e mesmo que eu achasse que eu estava parecendo uma vassoura, ele contornava a silhueta dos meus lábios com a ponta do dedo e dizia que tinha sorte por me ter ao lado dele, porque ele não merecia alguém como eu.

Eu confesso que não concordava. Ele tinha amadurecido e mudado muito depois de tudo o que tinha acontecido e, pode até ser que um dia ele não tenha merecido alguém como eu, mas depois de tudo, eu acreditava que tínhamos sido feitos um para o outro e que aquela balela de merecimento era idiotice.

Sabia que ele também tinha as suas inseguranças, mas ele sempre tinha sido tão franco comigo que até as inseguranças dele pareciam desaparecer quando estávamos juntos.

— Há quanto tempo você não dorme? — Corey perguntou, fazendo uma careta para mim. — Ah, tanto faz. Pegue suas coisas e vá para a sala de reunião, os representantes vão chegar daqui a pouco!

Pisquei algumas vezes, tentando voltar a me acostumar com o presente. Confirmei com a cabeça. Eu sabia o que fazer.

Precisava organizar as pastas com os desenhos e checar se todos os arquivos da apresentação estavam funcionando direitinho antes de levar para a sala de reunião.

Tinha tentado montar um script do que eu deveria dizer no dia anterior, mas não sabia se tinha ficado bom o suficiente, eu não conseguia pensar direito e, mesmo que eu tivesse me esforçado, sabia que se eu estivesse emocionalmente melhor, teria saído algo melhor.

Encarei todas as coisas que compunha o meu escritório cinza e apertado daquele prédio imenso e quase sem vida. No fundo, eu queria fugir dali, correr de volta para os braços de Daniel Kellan Carter e viver um mundo e uma vida perfeita e monótona que só seria possível em nossos sonhos. Talvez, na minha imaginação, nós pudéssemos ter vários filhos e morar numa casa grande no meio do nada.

Empurrei as primeiras pastas que estavam sobre a escrivaninha robusta e nada discreta no meio da saleta, sabia que elas não eram as pastas que eu deveria levar para a reunião. As que estavam embaixo, porém, tinham várias coisas e quase não fechavam e era elas que eu precisaria levar, por mais bagunçadas que elas estivessem.

Liguei o computador apenas para checar como a apresentação estava, garantindo que tinha enviado para o e-mail de Corey e me sentindo um pouco mais aliviada quando vi o arquivo na pasta de "enviados".

Juntei as coisas e, aos poucos, levei para a sala de reunião, ganhando tempo enquanto tentava manter o roteiro do que eu tinha que falar rodando dentro da minha mente de forma inteligível.

Eu pensei que seria fácil, a minha parte era praticamente minúscula se comparada com a parte dos outros ilustradores, ou com a parte de Corey e Micha.

Fiquei plantada na sala de reunião por quase uma hora, sozinha, encarando os meus milhares de papéis e estudando todas as coisas dentro da minha cabeça, andando de um lado para o outro, tentando avaliar minha fala, sozinha.

Eu queria que tudo saísse perfeito.

Mas ele não disse que eles já estavam chegando?

Balancei a cabeça, pensando que a demora era coisa da minha cabeça, porque o tempo poderia facilmente se dilatar por conta da minha ansiedade e do meu medo de que as coisas dessem catastroficamente errado.

Fiquei mais algum tempo encarando os papéis, analisando o design dos personagens e tentando calcular quanto tempo eu teria para falar sobre cada um deles e seus pequenos detalhes, as cores e até sobre o formato de suas cabeças.

Puxei o celular de dentro do bolso, ainda incomodada com o tempo e me dei conta de que a reunião estava com uma hora e meia de atraso. Estreitei os olhos, confusa. Segundo Corey, os representantes da editora eram sempre muito pontuais e que não era a primeira vez que eles tentavam vender alguma ideia para eles, então não fazia sentido um atraso tão longo e repentino.

Me levantei da cadeira, empurrando-a para trás e abandonando as pastas, folhas e até as minhas canetas sobre a mesa de reunião, saindo em disparada de dentro da sala mais ampla do estúdio, praticamente soltando fogo pelas ventas.

Corri os olhos por todos os cantos, não tinha ninguém por ali, era como se todos tivessem sido arrebatados e eu tinha me tornado a única pessoa que sobrara daquela palhaçada mística.

Girei sobre os calcanhares, procurando pela porta da outra sala de reuniões, que era menor e até menos apresentável que a outra e senti meu coração falhar.

A porta se abriu de repente e um homem de terno, que era alto e robusto, saiu dali de dentro, seguido por uma mulher que tinha, mais ou menos, a mesma idade que ele e trajava igualmente um blazer preto sobre uma camisa branca, desabotoada nos primeiros botões.

Engoli em seco, tentando não parecer afetada pela presença dos dois, porque eu sabia que eles eram os representantes da editora.

Meu Deus, a reunião foi arruinada por minha causa...

Corri os olhos para quem vinha atrás dele, para os outros funcionários e, automaticamente, meus olhos desesperados caíram sobre Corey, que encabeçava praticamente toda a empresa sozinho, já que Micha passava grande parte do tempo cuidando exclusivamente do financeiro.

— Por que não apareceu na reunião? — Ele grunhiu, atravessando o saguão rapidamente, falando alto o suficiente para que todos fossem capazes de ouvir.

— Não me disse onde seria a reunião, pensei que fosse na sala maior e...

— E não me perguntou nada!? — Ele esbravejou e eu me encolhi. — Porra, Allison, você podia ter estragado tudo. Se não fosse pelo Aiden, que falou sua parte, teríamos jogado dinheiro fora!

Eu não sabia o porquê do meu peito doer tanto conforme ele me dizia o óbvio. Eu sabia que podia ter arruinado tudo, mas não tinha bola de cristal para adivinhar onde seria a reunião. Ninguém me disse nada e, mesmo assim, eu sentia a culpa formar um grande novelo de lã entre meus pulmões, empacando minha respiração.

Aos poucos, sua voz foi desaparecendo na minha mente, não porque ele tinha parado de gritar comigo, dizendo milhares de vezes que eu poderia ter estragado tudo.

Por que eu tô sentindo tanto medo?

Senti meu corpo inteiro estremecer de dentro para fora, sacudindo com força conforme eu o via se metamorfosear na minha frente. Eu sabia que era coisa da minha cabeça, do meu medo, da minha maior cicatriz, mas enquanto meus olhos se enchiam de lágrimas, eu me sentia novamente com dezesseis anos ouvindo Miles gritar comigo.

— Essa é a sua resposta, Allison Cooper? — Perguntou, dando um passo em minha direção, firme e barulhento. — É isso que vai me responder por ter quase estragado tudo: lágrimas de uma garotinha?

— Ei, já chega — Leo se intrometeu, colocando-se entre nós dois.

Pisquei algumas vezes, mas não segurei o impulso de sumir do saguão o mais rápido que pude, me enfiando dentro do banheiro do meu escritório.

Por que dói tanto? Por que ainda dói tanto?

Tranquei a porta o mais rápido que pude, sentindo meus dedos tremerem e perderem a força. Deslizei as costas sobre a porta e me abaixei no chão, segurando a cabeça e me curvando para frente.

— Para, para, para — Tranquei os olhos, tentando convencer minha própria mente a interromper tudo aqui. — Não foi nada, não é nada, tá tudo bem. Foi só um acidente!

Eu não conseguia enxergar nada direito, minha visão estava completamente turva pelas lágrimas, que pingavam aos montes sobre minha calça e por entre minhas pernas, salpicando o chão ladrilhado do banheiro com o amargor e a dor que transbordava do meu corpo.

— Não é sua culpa. Não é sua culpa. Não é sua culpa — Grunhi para mim mesma, mesmo que não conseguisse acreditar.

Uma parte de mim sabia que eu não tinha como mudar o que tinha acontecido e que não era exatamente culpa minha, mas a outra parte — a que carregava uma cicatriz imensa e feia, que fora aberta pela primeira vez em meados de agosto de 2014 — sentia um buraco se abrir novamente, rompendo a pele grosseira e deixando todo o sangue escorrer novamente para fora do meu corpo.

Cicatrizes são resultados de lesões. Elas podem ser acidentais, podem ser cirúrgicas, mas também podem ser propositais. É uma marca definitiva que somos obrigados a carregar para lá e para cá.

Elas possuem qualidades e categorias. Cicatrizes nos joelhos aparecem quando somos crianças e tropeçamos no asfalto, elas trazem memórias boas de épocas em que as preocupações eram poucas e nossos problemas não pareciam infinitos.

Uma cicatriz de boa qualidade deve ser fina, plana e com uma coloração que se assemelhe à pele original, ela precisa se camuflar ao tecido original não lesionado e se tornar quase imperceptível, porque, dessa forma, nunca saberão o que aconteceu. Existirá um mistério pairando por ali, a não ser que alguém se preocupe para olhar mais de perto.

Mas cicatrizes grandes e corpulentas, que podem se tornar mais escuras, mais vermelhas ou mais claras que o tecido original, não se camuflam e não se escondem. Não existe mistério algum. Ela está lá, e qualquer idiota que passar os olhos a perceberá e, portanto, elas são as mais frágeis, porque, apesar de grossas e malfeitas, acertá-las em cheio e reabrir o ferimento é tão fácil quanto encontrá-las.

Corey, de alguma forma, tinha encontrado a minha, que era grande e nada discreta, e fez questão de abri-la novamente com um canivete certeiro e afiado.

Desgraçado!

A culpa sempre seria a minha maior cicatriz...

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