17. Supernova
Carter
Peguei os dois copos vazios e coloquei dentro da pia, apoiando-me na beirada ao me virar para o meu pai e cruzar os braços em frente ao peito. Ele me olhou de volta, tentando adivinhar o que eu estava pensando.
— Ainda tem as coisas do poker? — Perguntei, estreitando os olhos.
— Tenho — Ele batucou o indicador sobre a pedra. — Acho queo baralho e as moedas estão no sótão...
Ponderei por um instante se eu deveria sair andando e o deixar sozinho para trás, mas ele levantou-se antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ou agir, e apoiou as mãos no balcão, abrindo um sorriso malandro na minha direção.
— Eu te ajudo a procurar — Disse, sinalizando com a cabeça para que eu o seguisse.
Ele esperou para que eu meu aproximasse antes de começar a caminhar na direção da escada.
O sótão de casa só tinha acesso por uma escadinha dobrável que descia quando abríamos a portinhola, que ficava no teto, no meio do corredor do segundo andar. Quem quer que adentrasse em casa e olhasse para o mezanino da casa, conseguiria ver a escadinha que saía da porta.
Olhei para cima, encarando a entrada do sótão que se camuflava com o teto e constatei que era alto demais para que eu ou meu pai alcançássemos só esticando o braço para cima. O pé direito da casa era imenso.
— E a gente abre isso aqui como? — Perguntei, estreitando meus olhos para meu pai.
Meu pai levantou o rosto para o teto, encarando a distância que existia entre nós dois e a portinhola, finalmente percebendo que ele tinha esquecido do detalhe mais importante daquela aventura.
— Droga, esqueci de pegar aquele treco de puxar — Ele passou os dedos pelos olhos. — Mas acho que se você subir nos meus ombros, consegue alcançar!
— Não vou subir nos seus ombros, vou quebrar suas costas — Protestei.
— Alguma ideia melhor, espertão? — Ele levou as mãos à cintura.
Olhei ao redor, procurando com os olhos alguma coisa que eu pudesse subir em cima para alcançar. Depois que cresci tudo o que tinha para crescer na minha adolescência, acabei me tornando o mais alto da casa e, mesmo assim, nada parecia alto o suficiente para que eu conseguisse alcançar a escotilha do sótão.
Mirei meu pai novamente, ele era mais baixo que eu e apesar de ter muito tempo que ele já não era mais o mesmo cara jovem e que passava horas na academia no tempo livre, ele ainda tinha um porte atlético. Mesmo assim, eu tinha certeza de que ele era mais leve que eu, o que era ótimo.
Ele não praticava esportes, não precisava ser um cara superforte, e como eu treinava duro para aguentar o tranco dos jogadores e até para derrubar quem fosse preciso, eu aguentava muito mais peso que ele.
— Eu te levanto — Disse, observando ele hesitar e franzir o cenho. — Não faz essa cara, não sou mais criança. Eu te aguento nas costas, anda!
Meu pai não parecia muito convencido com a ideia, especialmente quando ele me viu abaixar. Ainda não muito convencido de que daria certo, ele passou as pernas sobre meus ombros e eu impulsionei meu corpo pra cima.
Cambaleei um pouco para trás, tentando manter o equilíbrio com o peso adicional dele sobre meus ombros. Era engraçado estar naquela posição com o meu pai, porque anos antes era ele quem em carregava nos ombros.
Caminhei até alinhar nós dois com a escotilha do sótão e levantei a cabeça, tentando olhar para o meu pai, que não soltava minhas mãos com medo de cair para trás.
— Vai, solta minha mão, pai — Retruquei, alertando-o rapidamente. — Não vou te deixar cair!
— Moleque, como eu posso ter certeza disso? — Grunhiu, apertando meus dedos novamente quando cambaleei para trás. — Se você parar quieto, fica mais fácil!
Ri abafado e tentei me manter o mais parado possível. Ele soltou minhas mãos e eu segurei suas coxas para ter certeza de que ele não fosse pender para trás e dar com a cabeça na cristaleira da minha mãe, porque se ele caísse e batesse a cabeça, minha mãe mataria a gente.
Com um pouco mais de esforço do que pensei que faríamos, ele alcançou o buraco da portinhola com o dedo, destravando a escotilha e puxando a escada, que se desdobrou até encostar no chão.
Dei alguns passos para trás antes de me abaixar com cuidado para que ele descesse dos meus ombros.
Ele passou uma perna e depois a outra, ajeitando a camiseta e a calça de moletom na cintura, deu uma boa olhada na escada acoplada na escotilha e depois virou-se para mim, um tanto constrangido.
— Que sua mãe nunca fique sabendo que isso aconteceu! — Ele deu um tapinha no meu ombro.
Meu pai subiu as escadas na minha frente, vasculhando a parede ao lado esquerdo em busca do interruptor. Ele apertou o botão e automaticamente o sótão ficou completamente iluminado, revelando milhares de caixas, bagunças e coisas que não usávamos mais, mas que minha mãe achava que, talvez, pudessem ter alguma utilidade novamente.
Eu costumava passar horas lá em cima procurando por equipamentos esportivos velhos que meu pai usava quando era mais novo, às vezes só pela curiosidade de saber como era na época em que ele também era um adolescente.
Por outro lado, lá sempre estava empoeirado, porque não era comum que qualquer pessoa visitasse aquele espaço da casa. Normalmente, aquela escotilha só era aberta perto do natal e do Halloween, quando meus pais enfeitavam a casa inteira.
Chutei para longe dos meus pés uma bola velha de baseball e dei uma olhada nas caixas, tentando escolher uma que pudesse esconder as moedas e o baralho.
Meu pai tinha o péssimo hábito de não anotar nada nas caixas que guardava no sótão, então era sempre uma aventura encontrar qualquer coisa lá dentro.
O mais velho estreitou os olhos para umas caixas mais ao fundo, perto da janelinha que deixava um pouco da luz prateada da lua entrar no recinto. Ele caminhou deliberadamente na direção delas e abriu a que estava mais para cima, dando uma boa olhada no conteúdo.
Sem enrolar mais, puxei algumas caixas para o lado e tirei uma de cima delas de cima, abri a que parecia mais pesada, porque, para mim, fazia sentido que o baralho estivesse ali.
Escancarei as abas de papelão, deixando que um montante de couro reluzisse abaixo da luz fraca do sótão. Um tanto confuso, agarrei o montante de couro que desdobrou e tomou a forma de uma jaqueta.
Na parte da frente, uma miniatura de um brasão com uma bandeira dourada exibia o nome "Death Angels" para mim. No braço direito, em um emblema vermelho de tecido estava bordado em letras góticas "Hellboy".
Olhei para meu pai de soslaio, ele permanecia procurando o baralho dentro das caixas. Virei a jaqueta para conseguir ver as costas, revelando uma versão gigante do brasão da frente, com um crânio com asas e uma auréola estampando a frente de um escuro preto e vermelho, o machado e a espada se cruzavam atrás do escudo.
Na faixa superior, que também era dourada, como a que ficava na parte da frente, o nome "Death Angels" estava bordado com as mesmas letras góticas que grava "Hellboy" na faixa inferior, que tinha a mesma cor.
Joguei a jaqueta sobre os meus ombros, vasculhando o resto da caixa com os dedos. Uma foto velha e até um tanto amassada estava cuidadosamente grudada sobre a tampa de uma maleta de couro preto com um adesivo rosa.
Impresso no papel brilhante, a imagem do meu pai aos dezesseis anos junto de outro cara, um pouco mais velho, que, de certa forma, se parecia muito com ele, brilhava abaixo dos meus olhos. Eles sorriam abertamente, como se o fato de estarem juntos fosse suficiente para compensar o tanto de graxa que os sujava dos pés à cabeça.
— Pai, quem é esse? — Perguntei, apontando para a foto. — E de quem era essa jaqueta aqui?
Ele virou-se rapidamente para mim, os olhos arregalados e surpresos. Ele praticamente empalideceu por um instante antes de respirar fundo e se recompor.
Meu pai piscou algumas vezes, como se eu tivesse encontrado algo que eu não deveria encontrar, por mais que fosse idiotice dele esconder coisas como aquelas no sótão, sabendo que a qualquer instante um de nós encontraríamos aquilo.
— Ah, filho, é uma longa história — Suspirou, rendido.
Ele pegou a jaqueta e a foto, deu uma boa olhada para cada uma delas, abrindo um sorriso nostálgico para a fotografia.
— Nossa... Quanto tempo — Ele colocou a fotografia novamente dentro da caixa, grudando-a com o adesivo rosa.
Eu não sabia se devia perguntar qualquer outra coisa para ele, eu conseguia ver o fundo de dor que cortava seus olhos enquanto ele encarava aquela foto e segurava a jaqueta com força ao ponto dos dedos ficarem brancos.
— Tá tudo bem? — Desconfiado e um tanto preocupado, eu rompi o silêncio, fazendo com que ele balançasse a cabeça como se tentasse se lembrar de onde ele tinha parado no nosso tempo. — Encontrou as coisas?
— O quê? — Ele estreitou os olhos para mim, ainda se acostumando com o presente. — Ah, sim... Tá naquela caixa!
Caminhei ao seu lado até a caixa e ele puxou a embalagem com o baralho e as moedas com um sorriso no rosto. No instante em que ele levantou a embalagem branca e a mostrou para mim, a campainha tocou.
— Bem na hora — Comentou, jogando a caixa para mim.
Ele apagou a luz do sótão assim que desci as escadas, descendo logo depois e fechando a escotilha.
Corri para o andar de baixo, nervoso pensando em quem poderia ser — se Jordan ou Ethan, talvez os dois. Eu não deveria me sentir daquela forma, eles eram meus amigos, mas tinha tanto tempo que não fazíamos nada, juntos, que talvez fosse estranho e desajeitado, especialmente porque eu estava arrasado por dentro.
Abri a porta e me deparei com meus dois amigos e Michael entre eles. Tecnicamente, aquilo não era pra acontecer, especialmente porque eu nunca cheguei a ser muito próximo do Michael, mesmo quando namorava com Allison.
Ele era um cara legal, mas meio estranho, e não era como se eu fosse capaz de falar da minha vida pra ele ou coisa do tipo.
— Encontramos ele no mercado — Ethan comentou, percebendo o meu olhar confuso. — Achei que seria legal trazer ele!
— Foi com o Jordan no mercado? — Estreitei os olhos para Ethan.
— Na verdade, eu encontrei o Ethan no mercado e o Ethan encontrou o Mike — Jordan respirou fundo.
Olhei novamente para Michael, que esboçava um sorriso animado no rosto.
— Nunca pensei que fosse beber com você, um dia — Disse ele, entrando e me dando um tapinha nas costas.
Fechei a porta lentamente, ainda tentando assimilar o que acabara de acontecer. Eu queria beber pra esquecer toda a droga da dor que consumia meu peito, não pra rir com meus amigos e o melhor amigo da minha ex-namorada. Era, no mínimo, estranho que ele estivesse ali.
E conhecendo Ethan como eu conhecia, sabia que aquilo era ideia dele e tinha medo de descobrir os reais motivos, porque aquele cara não dava ponto sem nó, tudo tinha um motivo muito bem definido dentro de sua cabeça.
Me virei para trás, dando de cara com os três encarando meu pai um tanto quanto confusos. Eu sabia que não era para o meu pai estar ali, mas não tinha o que fazer, eu não podia chutar meu pai pra fora de casa ou dizer que não queria que ele estivesse ali, no fim das contas.
— Seu pai vai ficar aqui, mesmo? — Ethan fez uma careta desgostosa, virando o rosto para mim.
— A casa é minha, fedelho idiota — Meu pai rebateu, indo até a cozinha.
Ele pegou as bebidas dentro das sacolas que Jordan deixara sobre a ilha da cozinha e deu uma lida nos rótulos. Meu pai conhecia bebida muito bem e, considerando que ele soubesse parcialmente o motivo de eu querer encher a cara, sabia que ele escolheria a opção que me fizesse ver estrelas mais rápido.
Ele fez uma careta desgostosa pras garrafas de bebida e nos largou sozinhos na cozinha, um olhando para a cara do outro, confusos, e correu até o escritório dele.
— Então... — Ethan sentou-se em um dos bancos da ilha. — Qual o problema dessa vez, Carter?
Franzi o cenho, irritado.
— Por que acha que eu sempre tenho um problema pra resolver? — Perguntei, cruzando os braços.
Jordan deu um tapinha nas minhas costas, rindo baixo. Ali, ele era o único que sabia do que tinha acontecido, eu esperava que ele não tivesse contado nada para o Ethan de forma tão específica, mesmo sabendo que, de um jeito ou de outro, Ethan saberia.
— Porque você sempre tem um problema pra eu resolver — Ethan revirou os olhos.
Olhei automaticamente para o Michael antes de olhar novamente para Ethan e ele entendeu o recado.
— Certo, entendi, eu não deveria estar aqui — Michael levantou as mãos na altura dos ombros. — Mas já era, né, eu tô. Sinto muito se não vai conseguir falar sobre seus problemas, Carter — Deu um tapinha no meu ombro. — Eu sei que deve ser complicado!
Estreitei os olhos para Michael, ele não fazia ideia do que podia ser complicado ou não, ele mal sabia o motivo de estar plantado na minha casa. Me senti estranhamente ofendido ouvindo aquilo, mas decidi que não valeria a pena me estressar e apenas me virei para o balcão, apoiando os cotovelos na pedra gelada e entrelaçando meus dedos uns nos outros.
Meu pai voltou com uma garrafa fechada e a colocou sobre o balcão virando o rótulo na frente dos meus olhos.
Um Rum caro que tinha o maior teor alcoólico que eu já vira em toda a minha vida. A garrava estava lacrada e provavelmente tinha sido presente de alguém que meu pai empresariava, porque normalmente ele sempre era presenteado com umas bebidas exóticas e fortes que, no fim das contas, ele deixava dentro da adega do escritório pelo resto da vida.
— Se quer encher a cara, tem que fazer o negócio direito — Disse, pegando o saca-rolha de dentro da gaveta.
Puxei a garrafa pelo pescoço e a pendi para trás para conseguir ler melhor o rótulo. 75,5% de teor alcoólico era mais do que eu pensava ser possível pra uma bebida.
Levantei os olhos para meu pai, um tanto assustado com o que tinha encontrado no rótulo, e ele me lançou um olhar confiante, praticamente me subestimando.
Eu não queria que ele me olhasse daquela forma, como se duvidasse que eu fosse conseguir, e o sangue subiu, borbulhou inesperadamente antes que eu pudesse dizer qualquer coisa.
Puxei o primeiro copo de shot que encontrei pelo armário, tirei o saca-rolha da mão dele, destampei a garrafa e despejei o líquido no copinho. Bebi três, um atrás do outro, encarando meu pai arregalar os olhos, aterrorizado.
— Opa, calma aí — Ele tirou a garrafa da minha mão antes que eu acabasse a virando diretamente na boca. — Não quero limpar vômito de um marmanjo de vinte e três anos!
Mas o tempo passou rápido demais, especialmente quando nos sentamos ao redor da mesa de centro da sala, rodeados por garrafas e mais garrafas de bebida, encarando as cartas do poker e fazendo apostas com as moedas de plástico coloridas.
Por um instante, pensei que meu pai estivesse blefando quando começou a colocar dinheiro de verdade em cima da mesa, e ainda mais quando Ethan, Jordan e Michael acompanharam a ideia, jogando algumas notas também.
Pisquei algumas vezes, confuso, mas me rendi e puxei a carteira de dentro do bolso da calça, colocando uma nota de vinte dólares sobre a deles, era a aposta mais alta até então.
Conforme o jogo se desenrolava, eu me sentia ainda mais confuso, misturando mais bebidas do que eu deveria misturar. As cartas se embaralhavam nas minhas mãos e a única coisa que eu conseguia computar decentemente era o fato de que Jordan estava levando todas.
Meu pai tirou as cartas da minha mão, parando o jogo rapidamente e, depois de chamar Michael de canto, Ethan sacou o celular, meio zonzo, encarando a tela como se tentasse se lembrar do nome de alguém. Ele finalmente lembrou e digitou rapidamente.
— Tá tudo bem? — Meu pai perguntou, virando meu rosto na sua direção.
Confirmei com a cabeça.
— Tem certeza? — Ele colocou a mão na minha testa, só para ter certeza da minha temperatura.
— Tenho, droga, me dá mais um copo daquela ali — Apontei para a garrafa mais cheia de vodka.
Meio pesaroso, ele pegou um copinho de shot e despejou o líquido dentro, entregando para mim logo em seguida. Eu o virei de uma vez e peguei a garrafa da mão do meu pai, bebendo direto do gargalo e sentindo minha mente girar em 360 graus.
Ele tirou a garrafa da minha mão novamente, deixando-a longe o suficiente para que eu não alcançasse.
— Tá exagerando demais, Daniel — Ele me repreendeu.
— E daí, merda? — Retruquei com a voz embaralhada. — Eu quero esquecer que meu nome é Daniel, quero esquecer que o nome dela é Allison Elizabeth Cooper e que ela é vinte e oito centímetros mais baixa que eu — Franzi o cenho, ficando cada vez mais irritado. — E quero esquecer que conheci ela, porque essa garota só tá fodendo com a minha cabeça!
Meu pai tensionou o maxilar, entendendo automaticamente o motivo de eu ter o dito que precisava encher a cara. Não sabia se ele continuaria me apoiando porque, apesar de ter aprendido a beber com ele — mesmo ignorando o fato de que eu jogava as regras da bebida no lixo e ficasse completamente bêbado —, eu sabia que ele se preocupava comigo e tinha medo de que eu acabasse fazendo uma merda imensa.
Ethan guardou o celular no bolso, frustrado porque, aparentemente, não tinham o atendido, e logo voltou a se sentar ao redor da mesa.
— Eu não aguento mais ganhar — Jordan estralou os dedos. — Eu ficaria bem feliz se algum de vocês se tornasse um oponente à altura!
— Ah, Jordan, não enche o saco — Michael retrucou, colocando mais cinquenta dólares na aposta.
Puxei a primeira nota que encontrei dentro da minha carteira, não sabia quanto valia, mas também não me importava.
Dei mais uma golada na garrava, encarando cinicamente o meu pai, que me lançava um olhar pesaroso toda vez que eu torneava os dedos ao redor do pescoço de alguma garrafa.
Eu não estava mais conseguindo jogar e acabei desistindo, jogando minhas cartas sobre a mesa. Eles pareciam ter desistido de jogar também e meu pai deu mais uma degustada em um copo de uísque, observando Ethan levantar-se da mesa e pegar o celular novamente.
Tentei puxar meu celular de dentro da calça, mas meus dedos praticamente não me obedeciam mais. Eu queria saber que horas eram, mas duvidava que mesmo que conseguisse pegar o celular, eu fosse capaz de entender quais números estampariam o relógio da tela de bloqueio.
— Que horas são? — Franzi o cenho.
— Quatro da manhã — Ethan respondeu. — Adalia, oi!
Tentei prestar atenção no que ele estava falando, mas não conseguia o seguir com os olhos, porque tudo parecia girar.
— Droga... — Murmurei.
Arrastei meus dedos até a garrafa mais próxima, dei mais algumas goladas, deixando uma careta escapar no final. A bebida não estava mais descendo como eu queria que descesse, o gosto, de repente, ficara horrível e eu me sentia empanturrado.
Esfreguei os olhos com as costas das mãos. Eu não estava bêbado, não o suficiente, porque, merda, que merda, eu ainda me lembrava do nome dela, ainda me lembrava que ela era vinte e oito centímetros mais baixa que eu, ainda me lembrava do seu sorriso, dos seus olhos, e da porcaria do amor que nos envolvia.
Olhei por cima do ombro, encarando a garrafa de Rum que ainda estava bem cheia, em cima do balcão da cozinha. Era dela que eu precisava para que tudo desaparecesse da minha cabeça. Sorri sozinho com a possibilidade de que as coisas sumissem da minha cabeça pra sempre.
— Onde pensa que vai? — Jordan perguntou para o vento enquanto eu me apoiava na beirada do sofá e da mesa para me levantar.
Tentei firmar minhas pernas até conseguir sentir que tinha algum controle sobre o meu corpo. Os olhos do meu pai e de Jordan não saíam de cima de mim, preocupados, enquanto Michael e Ethan permaneciam pendurados no celular, Ethan falando com Adalia e Michael, empolgado, tentando participar do que quer que eles estivessem conversando.
Cambaleei para frente e para trás antes de conseguir contornar o sofá. O chão não parecia firma abaixo da planta dos meus pés descalços, tentei respirar fundo antes de chegar mais perto do balcão. Pisquei algumas vezes, tentando fazer meus olhos se focarem da porcaria da garrafa.
Era como se todas as coisas estivessem girando e escurecendo aos poucos. Senti meu corpo inteiro esfriar de repente, meus lábios e as pontas dos meus dedos formigaram, mas, mesmo assim, tentei dar mais um passo a frente.
Minha perna falhou. Não sei ao certo se ela perdeu a força ou se meu corpo desligou quando meu cérebro tentou usar os últimos resquícios de energia para que eu desse aquele passo.
— Daniel — Ouvi meu pai gritar atrás de mim.
— Droga — Ethan disse, interrompendo qualquer coisa que ele estivesse falando anteriormente.
Meu corpo bateu contra a parede ao lado da ilha da cozinha e escorreguei até o chão junto com o quadro emoldurado que ficava pendurado na parede. O quadro bateu no chão e estilhaçou ao meu lado.
Senti um líquido quente escorrer pelo meu braço e se espalhando até pingar pelo meu cotovelo, também senti o mesmo escorrer pela minha testa, mas não conseguia reagir, não conseguia fazer meu corpo responder, eu não conseguia sequer falar.
Tudo apagou de verdade quando senti um par de mãos se agarrar ao meu rosto.
∞
Ouvi um som alto do chuveiro antes de conseguir sentir a água gelada cair sobre minha cabeça e meus ombros. Eu ainda conseguia ver a imagem dela pairar diante dos meus olhos fechados e senti um bolo crescer na minha garganta.
Eu sabia que tinha alguém me segurando, conseguia sentir as mãos pesadas circundarem meus braços, me mantendo sentado dentro da banheira.
Droga, Allison... Você nunca sai da minha cabeça!
Abri os olhos preguiçosamente, sentindo o incômodo da luz do banheiro fazer meus olhos arderem. Estremeci de frio, como se finalmente meu corpo desse conta da temperatura da água.
— Graças a Deus — Ouvi meu pai suspirar, aliviado, empurrando meu cabelo para longe do rosto.
Tensionei o maxilar, ainda meio zonzo e sentindo todo o efeito da bebida me deixar enjoado. Tentei manter o controle da respiração, mas o bolo que crescia atrás das minhas costelas tornava aquela tarefa muito mais difícil do que eu queria.
— Pai... — Disse, rasgando o silêncio tenso que cercava todo o banheiro.
Ele engoliu em seco, ainda me segurando pelos ombros. As mangas arregaçadas em seus braços não impedia a água do chuveiro de molhar toda a sua roupa, mas ele não parecia se importar.
— Pai... — Grunhi entre os dentes, tentando suprimir um soluço.
— Tenta se acalmar, Daniel — Ele passou o dedo pela minha testa.
Senti a região arder com o toque e fiz uma careta de dor.
— Mas pai... — Tranquei os olhos. — Eu ainda lembro o nome dela!
Ele hesitou, virando-se para trás, encarando os outros três rapazes, que estavam aglomerados na porta do banheiro enquanto eu pateticamente me desfazia em lágrimas novamente.
Meu pai respirou fundo e passou um dos braços por trás do meu corpo, me puxando em sua direção. Ele não se importou que eu fosse o molhar por completo, apenas se curvou mais para dentro da banheira e passou os braços ao meu redor, segurando minha cabeça contra a curvatura de seu pescoço, como ele costumava fazer quando eu era mais novo.
— Não fica assim — Consegui sentir ele prender a respiração, aflito. — Vai ficar tudo bem...
— Não vai! — Espremi meus dedos no tecido da blusa que ele vestia.
Ele me soltou, fechando o chuveiro e colocando a toalha sobre minha cabeça, esfregando de leve o meu cabelo.
— Ethan — Chamou, virando-se para trás enquanto eu terminava de secar meu cabelo. — Sabe onde é o quarto dele, pega umas roupas secas, por favor!
— Certo... — Ethan deu um tapinha no batente. — Eu já venho!
Michael e Jordan saíram de perto da porta assim que meu pai sinalizou para que eles nos deixassem sozinhos.
— Você me deu um susto, moleque — Ele me ajudou a sair de dentro da banheira. — Sua mãe vai nos matar a hora que descobrir do quadro da sala...
— Desculpa... — Baixei os olhos, me enrolando na toalha pra tentar conter o frio. — Eu pago um novo...
A calça ensopada não me ajudava a manter a temperatura elevada, o que só me fazia tremer ainda mais.
— Não... — Ele sorriu gentilmente, me segurando pelos ombros. — Não precisa se desculpar por isso. Foi um acidente!
Ethan bateu à porta. Meu pai virou-se naquela direção e puxou as roupas secas, deixando-as sobre a bancada da pia. Ele me observou pendurar a toalha novamente e pegar vestir a camiseta antes de tirar a calça ensopada e vestir as limpas.
— Quanto à Allison... — Ele baixou os olhos para os próprios pés.
— Pai... — Franzi o cenho, encarando o vazio entre nós dois. — Será que eu nunca vou conseguir seguir em frente sem ela?
— Ama ela de verdade? — Ele levantou os olhos e eu confirmei com a cabeça. — Acha que vale a pena desistir de algo assim?
— Não fui eu quem desisti... — Fechei os punhos e baixei a cabeça.
Ele estalou a língua e deu um passo em minha direção, me puxando pela nuca para um abraço demorado e apertado.
— Vai dormir, você tá bêbado... — Ele concluiu, mesmo que nós dois soubéssemos que eu não estava tão bêbado quanto queríamos que eu estivesse. — Precisa descansar!
Eu não protestei. Saí do banheiro com ele logo atrás, recebendo os olhos curiosos dos outros três.
Caminhamos juntos até o meu quarto, com ele atrás de mim na escada só para se certificar de que eu não despencaria para trás. Meu pai esperou que eu me enfiasse embaixo das cobertas e as ajeitou sobre meus ombros, sentando na beirada da cama enquanto encarava meu rosto ser iluminado pela luz azulada e fraca que entrava por entre as cortinas.
— Qualquer coisa, estarei lá embaixo com os meninos — Ele apertou levemente o meu ombro.
Confirmei com a cabeça, apertando a barra da coberta com os dedos.
— Dorme bem — Ele levantou-se caminhando para fora do quarto.
Eu sabia que eles estavam no corredor, os pés do meu pai não desapareceram quando ele fechou a porta, ainda conseguia ver a sombra dos dele e dos pés dos outros circularem a entrada do meu quarto.
— Eu não pensei que ele fosse ficar desse jeito... — Jordan comentou, pesaroso.
— Conheço o meu filho, ele ainda ama essa garota — Meu pai suspirou.
— Eu tenho uma ideia... — Ouvi Ethan parecer um pouco mais animado, mesmo que sua voz estivesse cansada. — Na verdade, o Michael me ajudou com a ideia!
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