4 - O FIEL MAIS INFIEL
- Jadir? Você sabe quem é aquele senhor? Hein? Jadir?
Sabe pai eu não sei quanto tempo eu fiquei parado só esperando a bomba explodir, até perceber que a Angélica me chamava. Disfarcei minha expressão petrificada de impressionado e me voltei para ela, ainda que com os olhos pregados na cena congelada a minha frente:
- Aquilo é um gigante ou moinho de vento?
- O quê? Do que está falando?
- Não, não... É o Darth Vader - apontei para a cena chamativa, balançando a cabeça em afirmação e gozação.
Enquanto Angélica ria e esquecia qualquer de suas dúvidas, eu estava me aliviando e tensionando, estava como uma corrente elétrica russa, daquelas que eu uso nas terapias para provocar a musculatura alheia.
Era fato que os irmãos estavam ocupados demais para procurar culpados naquele momento, até porque o maior culpado estava ali diante deles. Não consegui reparar em demais feições, que não as deles, e como previ, não eram de contentamento.
Damião, o pai negligente... Não sei precisar, no momento, quando foi a última vez em que ele se comunicou com os filhos mais velhos, muito menos os viu. Eu também não acreditava que ele fosse aparecer. No casamento do Adriel e da Estela ele nem deu as caras... Claro que ninguém se preocupou em convidá-lo e, na ocasião, Maya; nossa principal ajudante atual, estava presa. (1)
Não fui eu quem procurou a Maya, mas sim a doidivanas da Estela. A bem da verdade, lá no fundo, eu tinha medo de qualquer um dos membros daquela família. Acho que peguei trauma...
- Não vai me cumprimentar, Jadir?
Falando no diabo...
Desviei minha atenção da confusão a frente lentamente e de forma sugestiva virei o rosto para a intrusa, forjei minha expressão e perguntei entredentes:
- E aí, Maya? Tudo bem?
- Muito bem - seu cinismo era notável.
- Aí... Você não deveria estar lá falando com o seu pai?
- Para quê? Eu o vi nesta semana, esqueceu?
Ela, com certeza, estava se divertindo com a situação. Estela encontrou a pior e mais assustadora ajudante possível. Eu podia apostar que, juntas, elas dominariam o mundo. Pobre mundo...
- Ah, você é filha daquele senhor?
Olhei para Angélica sem conter o sobressalto. Eu já havia me esquecido dela.
- Eu sou, e você é a "irmã", entre aspas, da Victória. - O sorriso sugestivo não saía de seu rosto sombrio mediante aquela afirmação, não questionamento. Era pior do que assistir "It - a coisa".
- Ah sim. Cresci bem próxima dela. Como sabe?
Virei-me assustado para Angélica novamente. Ela não devia fazer perguntas para aquela garota. Ela era sinistra! Sabia de tudo!
Maya riu e se voltou para mim, dizendo:
- Quer apostar que o Natiel será o primeiro a vir falar com você?
- E.eu - pigarreei e voltei a falar: - Eu não. Não sou maluco de duvidar de você.
Maya era uma mistura de MacGyver com Sabrina, a bruxa adolescente.
- Acho que ainda dá tempo de você escapar - alargou mais o sorriso de deboche e saiu, indo em direção da Natalie e da Estela, que estavam afastadas dos parceiros naquele momento.
Procurei Victória com o olhar e vi que ela estava com a Helena, dona Ciça e o seu Benê, esses últimos sendo os pais da Angélica. Vic estava visivelmente aflita e, numa tentativa inútil, estava sendo tranquilizada pelos familiares adotivos. Daniel dividia sua atenção entre o pai e ela, indicando claramente que não permaneceria na discussão com o progenitor por muito tempo. Adriel e Natiel ainda tiveram alguns momentos com o pai no passado, Daniel quase nada; ou seja, "zero" de afinidade paterna. Muito provavelmente nem o considerava como pai...
"Excelente presente esse que demos a ele, Estela". - Pensei, levantando uma taça de "sei lá o quê" em direção a pessoa em questão.
Contudo, foi Adriel quem encerrou a conversação primeiro, dando as costas ao pai. Daniel foi pouco depois até a já esposa e Natiel ainda ficou conversando com ele. Isso me lembrou da touca que aquele meu amigo rockeiro cabeludo me deu no passado, em meio há momentos de muita tensão entre nós. Em todos esses meus anos de experiência, eu jamais pensei que isso aconteceria. Aquela touca branca de lã foi presente do pai dele, ainda na infância. Será que ele teria desistido do velho desde então? [...] Como eu faria para desistir do meu? (2)
- Os ânimos parecem um pouco alterados, não é?
Voltei-me para a Angélica, mais uma vez tendo esquecido de sua presença ali. Caí em mim, balançando a cabeça, e lhe sugeri:
- Anja, não acha que você deveria ver como a Victória está? Seus pais estão lá também e acho que sua presença ajudará.
- Você não se importa? - Perguntou de forma inocente.
- Não, pode ir - lhe dei um sorriso singelo. - A gente se fala mais tarde.
- Está bem. Até daqui a pouco.
Foi meio de surpresa, mas até que achei legal o selinho que ela me deu de despedida e saiu sem nem olhar para trás, como sem jeito pelo que fez. Ao menos isso me deu no que pensar, até o passo seguinte...
- Cara, o que foi isso que acabou de acontecer?
Acho que não fiquei sozinho por muito tempo até que o ser manipulado pela Maya aparecesse. Eu podia apostar que ela usou algum feitiço mental para que o Natiel, meu brother da touca, viesse até mim.
Tomei um gole do "sei lá o quê" e gesticulei para que ele se sentasse. Natiel não estava nada contente e hesitou em aceitar. Por fim cedeu, bufando, utilizando da mesa como apoio para ajudá-lo a se sentar. Ele não tinha tanta debilidade pela distrofia muscular quanto Adriel e os bancos não eram tão baixos, mas eu sabia que suas funções corporais pioravam quando estava verdadeiramente nervoso. O Natiel de mau humor era uma das piores coisas que já enfrentei na vida... Contrastava totalmente com o seu humor animado habitual.(2)
Aguardei sua fala novamente, antes de expressar qualquer coisa, e me concentrei naquela bebida maluca. Eu sabia que teria problemas. Era sempre assim! Eu ainda me lembro do que aconteceu no casamento da Estela e do Adriel, ainda que eu tenha bebido mais bebidas malucas do que hoje. (3)
- Foi obra sua, não foi?
Me atrevi a fitá-lo de soslaio. Sua raiva era nítida. Estava até ofegante. Ele ia me matar!
Limpei a garganta e forjei a coragem que qualquer homem teria para falar:
- A culpa foi da Estela. É sério, cara - matraqueei. - Ela achou que seria uma boa ideia esse reencontro de vocês em um evento especial. Assim vocês seriam obrigados a falar com vosso pai sem armar grandes escândalos. Além do mais...
- É claro que tinha o dedo da Estela nisso - sorriu nervoso. - Mas, por que você não me disse antes? Não pensou em nos alertar? E se o Adriel tivesse um surto cardíaco? E a Calamity da Victória, você não viu como ela está?
Outra vez sendo prensado por ajudar uma das partes...
- Ah cara, eu não sabia o que fazer - confessei. - A Estela me pediu ajuda e, como sempre, jogou ameaças caso eu falasse qualquer coisa. Ela me chama de fofoqueiro!
- Norberto... Isso não é coisa que se esconda.
É... O sujeito da touca, agora da cor cinza e em uso mesmo num casamento, estava mesmo irritado.
- Eu estou cansado - despejei com sinceridade. - É sério! Todos vocês me envolvem em tudo o que acontece, aconteceu e irá acontecer. Eu não aguento mais!
- Vejam só... Pobre vítima - riu irônico. - O que vai fazer? Fugir outra vez?
- Eu estaria lhes fazendo um favor se o fizesse?
Natiel resmungou, desviando o olhar e cruzando os braços.
- Acontece - continuei, - que eu não posso sair agora. Há pessoas que precisam de mim de verdade.
- Deixa disso Jadir - bronqueou Natiel, voltando a me fitar. - Reafirmo que entendo que a ideia foi da Estela e ela a teria executado com ou sem você. Tenho certeza que o Adriel vai cuidar disso, embora em dois dias ela fará algo pior...
- É... - suspirei. - Talvez ela chame a Manu, a garota que a Natalie mais odeia no mundo, para o seu aniversário. (2)
- Como você sabe da Manu? - Assustou-se, mas logo corou como que se recriminando pela pergunta.
- A Natalie falava muito dela...
- Não permita que a Estela faça isso jamais, cara - seu medo era evidente.
Ri nervoso ao falar:
- Você mesmo falou que ela executa as ideias malucas dela independente de mim. Estela é incontrolável.
- Tá, é verdade... - suspirou desanimado, mas logo se pôs triste. - Mas, o problema agora não é esse.
- Como foi a conversa com seu pai? - Arrisquei.
- Ele não é meu pai, já faz tempo - respondeu rapidamente, alterado outra vez. Porém, logo amenizou e, sem focar em nada especificamente, respondeu: - Ele quer saber mais sobre nós...
- Ah... - expirei, tragando mais da bebida e a oferecendo ao meu amigo de touca. Foi quando ele voltou a me fitar e, mais seguro falou:
- Não dá pra ser assim. Você sabe o quanto esperei por esse momento no passado... Mas, agora...
- ...Agora você continua precisando dele, como sempre precisou - completei audacioso.
Natiel franziu a testa, com o olhar irritado outra vez, o que não foi mantido por muito tempo. Tragou um pouco da bebida "sei lá o quê" e respirou profundamente até dizer:
- Vou aceitar a turnê no sul com a banda. Mesmo que a Natalie não vá comigo, devido às atividades na academia, eu... - Hesitou, tomando outro gole da bebida maluca e falou: - vou insistir para que vá.
- Quem está fugindo agora? Rá rá! - Zombei com vontade.
- Não é fuga - desviou o olhar com alguma vergonha. - É prudência! E também, com a Natalie eu...
- Só espero que não peça minha ajuda com ela - murmurei.
Meneei a cabeça negando e tentando manter uma expressão divertida. Na verdade, eu ainda estava nervoso. Desconfiava até que já tinha urinado nas calças.
- Não vou cometer os mesmos erros que você - resmungou, por fim.
Sabe pai, o Natiel mantém a Natalie bem perto dele e não sei dizer se é devido a muito amá-la ou se é por medo de perdê-la. Não que a Natalie não seja confiável, mas eu conheço o Natiel e ele também conhece alguma coisa sobre mim. Eu fui um tolo ao acusá-la de traição no passado. (4) Logo eu! Eu jamais poderia exigir fidelidade não sabendo o que é isso. Eu nunca fui fiel a Natalie. Você não me ensinou a ser...
Cerrei a expressão e terminei de tomar o "sei lá o quê" da limonada batizada.
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1 - Ler livro 3 - Fragilizado
2 - Ler livro 2 - Amedrontado.
3 - Em breve, conto extra em: "Extras: e assim tem sido..."
4 - Ler livro 1 - Debilitado
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Precisamos falar do Jadir!
É fato que ele esconde muita coisa por trás de suas zombarias. Ao mesmo tempo que ele tem atitudes "fofas", ele também não se mostra tão confiável, ou não será bem essa palavra? Jadir não sabe a quem firmar fidelidade porque quer ajudar a todos, sejam amigos ou inimigos - dele ou entre eles. Hummm... Complexo e interessante! Que acham?
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