3 - NO COMPASSO DO DESCOMPASSO

– Aí Jadir. Estão te procurando lá no corredor.

Eu teria fugido se tivessem me contado quem era. Mas, eu ainda estava sonolento devido ao plantão e só me toquei, e despertei, tarde demais para fugir.

– Precisamos conversar.

Como eu me meto nessas?

Daniel, sim o irmão mais novo do Adriel, gesticulou com a cabeça para onde seguir e estava mais sério do que nunca. Disfarcei no sorriso e apontei para que ele fosse na frente. Eu que não iria arriscar minha retaguarda.

É Jadir... Continua se metendo na vida alheia! Seu pai nunca te ensinou que não deve meter a colher na relação dos outros? [...] Na verdade, não me ensinou não!

Pensando bem, eu gostaria muito que se metessem nas minhas relações. A Flávia não andava muito contente por minhas ausências físicas e mentais...E como eu não sei como terminar um relacionamento, continuo me metendo em enrascadas. Por falar em enrascadas...

– E aí, Daniel? Está de folga? Pensei que aproveitasse os momentos livres para ficar com a Vic...

– Não pense Jadir – me cortou, irritado. – Que ideia foi essa de fazer a Victória trabalhar? E mais: colocar na cabeça dela que ela precisa me ajudar?

– Aí irmão, definitivamente eu não estou muito confortável aqui – logo respondi, na embriaguez do sono. – Minha mente não está muito ajustada, mas depois do café da Zilda, que é um verdadeiro ressuscita, ou termina de matar logo o defunto, sei que ficaremos bem. Eu, curarei minha sonseira de um interminável plantão, e você o humor bem alterado para o meu lado.

Estranhei o Daniel não ter feito objeções a minha ida da recepção daquele andar do hospital à copa, acho que ele tinha ciência de que precisa de um café envenenado mesmo.

– Aí, não me lembro se você prefere açúcar ou adoçante, então coloquei os dois.

De uma expressão de dúvida foi a aceitação e agradeceu. Era visível que ele também andava meio instável mentalmente. Na verdade, eu não fazia ideia de como ele conseguia lidar com tudo o que lidava.

– Cara, isso é ruim mesmo – comentou em desagrado, afastou a xícara, e voltou a falar: – Eu sei que você tem ajudado bastante e reconheço que é alguém importante para a Vic, mas...

– Mas...? – Arrisquei.

– Eu realmente gostaria de ter conhecimento sobre qualquer coisa que possa incomodá-la, antes que você venha com ideias.

Engoli em seco, até porque eu não seria doido de tomar aquele café de verdade, respirei e falei:

– Entendo que vocês precisam resolver qualquer passo futuro que queiram dar e é isso o que têm feito, não é? – Daniel desviou a expressão. – Não discutiram sobre a Victória dar aulas e para o fato de sentir que está sendo útil? É sério cara, não é fácil aguentar tanta choradeira dela, no entanto depois que ela começou a dar aulas pra Lila, ela...

– Choradeira? Por que você não me contou sobre isso? A Victória estava infeliz? E ao invés de me contar, você preferiu enche-la com as suas neuroses.

– Ah sei lá, Daniel – disfarcei um bocejo.– Pensei que se eu soubesse que algo estava preocupando a garota, você também saberia. Além do mais, qual é o problema em trabalhar? Você trabalha, eu trabalho, o Bob Esponja trabalha, até o Baby Shark com aquela música que toca, e toca, e toca...

– Hey, espera, espera! Sabe que tudo o que eu quero é que a Vic não faça nada que possa prejudicar a saúde dela.

– Ela só tem tocado piano, cara. O que poderia prejudicar? Além do mais ela tem sentido que participa mais da vida de vocês dois desse jeito. Não tem percebido a alteração positiva no humor dela?

– Sim – bufou. – Eu só gostaria de ter tido conhecimento antes de que ela se sentia solitária, ou que não se sentia útil.

Comecei a rir de nervoso e engasguei. Daniel não me acompanhou no bom humor forçado. Limpei algumas lágrimas e indaguei de forma retórica:

– Uma pessoa que vive trancada em casa. Sério? Victória quase não sai, que não nas poucas vezes em que você se dispõe a sair com ela! Não limpa a casa, pois "pode se cansar". Não prepara nenhuma refeição, pois o "calor do fogão pode fazer mal para a pele sensível da madame". Além do mais, ela é mais rica do que a Madonna e não pode usufruir de nada, pois tem medo de te desagradar. Aliás, você mesmo falou que não quer ter nenhuma relação com o dinheiro dela, ou estou errado?

– Não – suspirou. – Nisso não está.

– Não podendo ajudar de nenhuma forma, nem se distrair com qualquer amiga tão doida quanto ela, como você poderia achar que ela estaria? – foi ainda zombeteiro que perguntei.

– Eu não quero que ela se machuque de novo, Jadir.

– Impedindo que ela viva?

Daniel respirou fundo e me olhou bem nos olhos ao falar:

– Se tiver algum problema, fale comigo, ok? Sei que a Victória te estima como um amigo, mas nossos laços são mais antigos e não quero deixar de confiar em você. Isso seria muito penoso para mim, por tudo o que você fez pela minha família.

Eu suspirei e falei:

– Não vou ser seu espião. Tratem de resolver seus próprios problemas, afinal, vocês vão se casar em breve. Não tenho nada com isso... Relacionamento a três não dá certo, vai por mim.

– É sério, Jadir... Você não entende? Eu a amo demais e...

– Tá, tá! Cansei de ouvir essas coisas melosas. Ao invés de estar aqui me dizendo isso, você poderia estar lá com ela e...

– Não agora... – sussurrou com desdém. – O Henrique está lá.

– Quem é esse?

– Não importa. Já vi que nossa conversa não chegará a lugar algum... Também, você não é a pessoa mais confiável em relacionamentos, como poderia ajudar? Talvez se não se envolvesse tanto com os outros, poderia se concentrar mais em si mesmo.

Olhei para ele com uma incredulidade fingida e gesticulei um arco atirando uma flecha e me acertando bem no peito.

Daniel foi embora quase tão irritado quanto como chegou. Ao menos ele não me deu uma bofetada como a Flávia me daria mais tarde. Vai Jadir... Continua se envolvendo nos problemas das pessoas... Vai... Bufei num auto-desprezo e respondi para mim mesmo: – Estou indo!

Levantei-me e saí para algum lugar escuro.

***

O plano da Estela era o mais audacioso de todos e, se tudo desse certo, só poderia provocar duas reações nos irmãos: alegria extrema ou raiva profunda. Caso provocasse a primeira, eu aceitaria os agradecimentos de bom grado, caso fosse a segunda, eu diria que a projétil do Japão me manipulou, me usou, golpeou minha cabeça, me arrastou inconsciente e que, enfim, a culpa era toda dela. [...] Ah tá!

Fui acompanhado da Angélica ao casamento do Daniel e da Victória e, como eu esperava, a Flávia não gostou nada e terminou tudo pouco antes da cerimônia. Aquilo era mal! Não era nada bom o pressentimento que me sufocava desde então. Embora estava quase engasgando no Smoking alugado, esqueci tudo de ruim ao ver a pequena Lila entrando com as pétalas das flores numa cestinha. Era mesmo um anjinho perfeito. É... Talvez as coisas não fiquem tão ruins assim, se não houver o segundo ato... Ah! Eu tinha que impedir a Estela de trazer o seu Damião, o pai dos irmãos, mas era tarde demais.

Eu não via a Maya já fazia algum tempo. Cheguei a visitá-la uma vez na instituição, mas ainda não a havia visto fora de lá. Sim! Maya já estava livre fazia alguns meses e cumpria trabalhos voluntários estando fortemente supervisionada. Ela trajava um vestido muito elegante da cor do vinho naquele dia e eu apostava que aquilo era obra da Victória. E era fato que essa seria só a primeira surpresa que meus amigos Adriel, Natiel e Daniel teriam naquele dia.

Helena estava lá é claro, assim como a família de criação da Victória, que eram os pais da Angélica. Eu olhava em volta e reconhecia quase todo mundo. Bem, eu conhecia boa parte daquela nossa pequena cidade... Mas, uma pessoa em especial que, eu nunca havia visto antes aliás, me chamou a atenção só pelo fato de estar isolado, aparentemente emburrado e logo se retirado. Será que era conhecido da Victória? Do Daniel eu acho que não...

– Angélica, você sabe quem...?

– Quem o quê? – Perguntou, com o semblante encantado pelo ambiente festivo. Eu gostava dela! Ela dificilmente reparava nas minhas distrações. Portanto, não devia ter percebido ninguém estranho por lá...

– Ah nada, deixa pra lá... Quando será que cortarão o bolo? Só vim por isso.

– Ai Jadir – riu.

Ele ainda não havia chegado, mas vez ou outra Estela me mandava uns olhares. Mais um pouco eu aposto que apanharia do Adriel, que com certeza já estava desconfiando de algo...

E foi num repente que tudo aconteceu. Até a música parou e eu podia crer que todos estavam contemplando o senhor alto que se aproximava. O silêncio estava tão incômodo que eu podia ouvir o tic tac do meu relógio quase no mesmo compasso que meu frenético coração. Agora eu morro!

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Precisamos falar do Jadir!

Ele não se "mete" na vida alheia de propósito, se mete? Talvez ele só tenha um lado super humano, empático demais, incapaz de ver alguém sofrendo perto dele. Sendo assim, trabalhar em um hospital talvez não seja o lugar mais adequado, afinal a sobrecarga emocional pode ser muito maior do que qualquer um poderia carregar. Mas, se ele aguentar, tudo bem! Que acham?


Até breve, seus lindos! <3

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