23 - ARMADILHAS DA ESTELA - Parte 1

Eis o momento para isso...

***

Não posso descrever aqueles dias, mas posso tentar contar as bordas. Quem diria que passaríamos por algo assim? Um ano inteiro desperdiçado... Um ano inteiro de sentimentos a flor da pele... De prisão... De inferno... Logo agora que tudo parecia estar se ajeitando. Foi você, não é pai? O senhor nunca gostou de harmonia e felicidade... Principalmente a minha!

Tenho necessitado me concentrar muito mais do que antes. Trabalhar muito mais do que antes! Adiar qualquer outro plano devido ao juramento que fiz. Minha própria clínica infantil vai ter que esperar...

Antes disso, como um verdadeiro teimoso quanto a presságios, aproveitei os dias de festa como ninguém. Nem me incomodou o fato de a Tânia ficar no meu pé... Deu para aproveitar muito o feriado mais bombado no país e quase que sagrado na cidade. Tentei abafar qualquer pensamento do que já estava acontecendo... Eram rumores, pensava eu. Não haviam comprovado nada...

Porém, no último dia de festa, eu precisei voltar ao hospital e logo me deparei com dois pacientes de meia idade que apresentavam pequenos sinais característicos pelos quais eu nunca havia visto. Ao menos, não juntos em uma só pessoa. Eu não sou médico, mas costumava acreditar que ausência de sensibilidade nos sentidos estavam primariamente ligados a questão neural, não necessariamente afetando o cognitivo. Bem, o nervo pode ser afetado por infecção, e esse parecia o caso. No entanto, era assustador perceber o quão rápido a saturação do oxigênio era atingida. Febre que durava dias... Alteração na função de órgãos, como os rins, em pessoas que nunca tiveram histórico para justificar qualquer desses problemas, fora a idade. Eu nunca usei tanto equipamento de proteção como agora... Mal sabia eu que tudo ainda iria piorar, porém eu podia sentir.

Antes de voltar para o Apê aproveitei para passar na universidade e tentar falar com a Estela, a fim de ver como as coisas estavam. As últimas vezes em que apareci ainda estavam me fazendo rir e me distrair de tanta angústia em atuar na área que escolhi.

***

Eu era só mais um convidado.

Claro que a Victória insistira para que também me mudasse, mas eu ainda não estava pronto para surtar de vez. O Emerson ainda não havia ocupado o nosso espaço totalmente, embora se esforçasse bastante. Ainda bem que há pessoas conscientes nessa cidade. Nosso síndico não permitia gatos no prédio. Eu amo aquele cara!

Ainda bem que a minha amiga, outrora solitária e agora casada, grávida e cheia de hóspedes; era precavida... O elevador havia ficado pronto a tempo, afinal, os únicos habitantes daquela casa que não teriam qualquer problema em subir escadas, eram o Daniel e a Estela, e não havia espaço suficiente no primeiro andar para todos eles. Aliás, ainda acho que não haveria espaço suficiente para acomodar aquela turma inteira em lugar algum, mas eu que dei a ideia, então não vou falar nada... Guardo esses pensamentos para mim, enquanto vejo a garota "furacão" ser a primeira a se render a anfitriã e pôr à prova os ânimos dos presentes. Aliás, os próximos capítulos da minha história serão todos dela!

— Vejam, eu acho que trouxe tudo — falou Estela, após descarregar umas trinta malas. — Mas, eu não pude trazer a minha câmera, que está na faculdade. Aliás, eu preciso chegar mais cedo para fazer alguns vídeos para o vlog e...

— Por que você não faz aqui? — convidou Victória. — Há espaço para estúdio e tenho até alguns equipamentos que podem te ajudar.

— É sério?

O rosto da Estela se iluminou, mas Adriel não pareceu gostar muito... Talvez tenha sido impressão minha, já que esse amigo carrancudo já é muito conhecido por suas expressões de desagrado. Ah, que nada! Eu sabia que Adriel não tinha gostado e logo poderei contar com mais detalhes sobre a causa disso... Sabe como é... Preciso de mais provas!

— Ah não! — ouvi Natiel exclamar. — Ela está vindo com câmera e tudo! Qual é a da calamitosa?

Natalie riu, embora o atual companheiro não estivesse nenhum pouco compartilhando de seu bom humor. Ela disse:

— Me sinto num reality show!

Ah... Eu e todos os presentes, poderíamos apostar em quem Natiel colocaria no "paredão" primeiro.

Aquele não seria o único momento em que a "projétil japonesa" faria das suas naquele dia. O que também, nesse caso, poderia significar que não seria o único momento em que Natiel se sentiria provocado. Mal havia respirado ao deixar as malas e visitar rapidamente o cômodo do estúdio, levantou a voz:

— Gente, como nós somos muitos, eu acredito que precisaremos dividir bem o espaço a fim de ninguém invadir o de ninguém.

— Ah tá — riu Natiel. — Você é a nossa maior preocupação quanto a isso.

Ainda pude compreender seu sussurrar de "megafone" para a Natalie ao falar:

— Ainda acho uma péssima ideia vir para cá.

— Bem — continuou, ignorando a interrupção. — Eu fiz uma pequena planta improvisada desta casa, da maior parte dos cômodos, e abri espaço para a divisão. Aliás, acho que precisaremos de mais um banheiro.

— Você se incomodaria em ficar no porão? — cutucou o cabeludo.

— Na verdade achei que seria mais do seu agrado — falou Estela diretamente, usando um tom curioso de voz. Lá vinha coisa! — Victória me disse que é a prova de som. Só teria problema com a pouca iluminação, mas você já tem aquela luminária fluorescente, não é bebê?

Até então, o único que ousava falar era o sujeito da touca. Eu até estava gostando de ouvir aquele papo bem divertido, mas antes que o meu amigo cabeludo quebrasse os próprios dentes, Adriel se intrometeu:

— Talvez possamos organizar mais amanhã. Hoje, estamos todos cansados pela mudança.

— Como assim? Já? — indagou Estela, voltando a agudizar o tom. — Eu ainda vou buscar a câmera. Pensei que você fosse ajudar...

— Não precisa fazer isso hoje...

O clima havia mudado um pouco, até pensei em interromper, no entanto o próprio Adriel o fez, amenizando o tom:

— Mas, não há problema se você quiser ir... Eu estou bem.

— É! — Natalie se aproximou animada, aproveitando a saída irritada do Natiel para atender o celular. — Eu posso ir com você. Assim, aproveito para comprar algumas coisas.

— Ah sei — voltou a se animar, sem deixar de cutucar. — Protetores de olhos e tampões de ouvido. Francamente amiga, não sei como você aguenta...

— Não fala assim, Estela. Não é nenhum pouco sensível da sua parte. Além do mais, no outro dia...

Eu até estava interessado na fofoca da vez, mas as duas saíram em direção a antessala, fazendo com que os demais, incluindo o próprio Adriel soltassem o ar preso de alívio. Pois é... Haviam sobrevivido ao primeiro dia. Mas e quanto aos demais? Até quando suportariam?

Daniel não estava, o que não era de estranhar. Aliás, eu também não deveria estar, mas fazer o quê? Não sou tão responsável quanto o mais novo da turma. Ainda assim, estava satisfeito por ter praticamente só observado. Eu não queria mais interferir, no entanto daria tudo para poder contar. Principalmente agora...

Sabe pai, conversando com a maluca da Maya eu percebi que o mais maluco dessa história deve ser eu mesmo. Eu insistia no contrário, mas era fato que eu os considerava como minha própria família...Não! Mais! Afinal, nunca tive uma família de verdade... Você sabe pai! Você ajudou muito nisso...

***

Precisamos falar do Jadir:

Não sei se compreendem que já estamos no capítulo 23 e ele mal compartilhou de sua vida pessoal... Fala tão brevemente de seus relacionamentos, quase como se não tivessem importância. Reclama tanto do pai, mas nunca se aprofundou em falar o que acontece. E agora, se focará novamente em outra pessoa, que não ele. Até quando será assim? Você, que está lendo, também costuma agir assim as vezes? É mais fácil se concentrar nos outros do que em si?

Multimídia: The Phanton Agony (Epica)


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