1 - POSTURAS FORJADAS


Descontração e tensão... Voltamos para o mundo dos irmãos!!! 

Sejam muito bem vindos de volta! <3

~~~~

– Estou muito contente em ver que você está bem, Lila. Que ânimo é esse? – Agachei-me a fim de pegá-la no colo. Suas atitudes sapecas sempre alegravam minhas manhãs.

– A vovó vai levá eu comê soveti di manga.

– Comer? – Afaguei um pouco seus cabelos ondulados e brinquei: – Sorvete se toma, não se come.

– Nãnão – apontou-me o dedo indicador. – Soveti não é cuco pá tomá!

– Suco? – Continuei divertido.

– É. Cuco!

Ri e a abracei com ela ainda em meus braços, enquanto seguia pelo corrimão do hospital até sinalizar a avó; que logo se apressou ao nos ver.

– E então, doutor? Ela está bem? – Era notável a apreensão de dona Eustácia e, apesar de sempre agir assim, ainda me surpreendia.

– Sim, está. Esta princesa aqui anda muito falante – falei, enquanto lhe fazia cócegas na barriga. – Sabe que ela até me convidou para dançar?

Embora transparecendo alegria, dona Eustácia não se deixava aliviar.

– Mas, ela está com a barriga maior, não está? Ela não consegue fazer cocô todos os dias. Não quero que ela faça lavagem de novo.

Respirei fundo, ainda avaliando as feições da senhora... Era muito diferente da neta mesmo. Porém, antes que Lila percebesse o incômodo da situação, a entreguei para a avó e disse:

– Não será necessário fazer esse procedimento, senhora... Ao menos, por enquanto. – Balancei de leve o braço que segurava a menina e sorrindo falei: – Acho que, antes de ir, seja melhor que a senhora a troque. – Dirigi o olhar para a fralda.

– Ah, é claro – agitou-se a mulher. – Que bom! Muito obrigada doutor.

Estendeu-me a mão e a cumprimentei de bom grado. Logo se colocou a caminho do trocador mais próximo.

– Tchau Jadí – acenou Lila, com intenção de olhar para mim.

– Até logo, princesa – respondi no ânimo. Porém, assim que saíram do meu alcance de visão, perdi o contágio...

***

– O que você tem hoje?

– Hein? Como assim?

– Não é normal você estar tão calado...

– Ah... Quer conversar, então conversemos... Está um dia tão escuro, não é?

– Jadir... É 7 da noite!

– E daí? No horário de verão ainda dá para ver o sol e ficar com a visão toda ofuscada e petequosa.

Flávia começou a rir.

– É sério – falei, no humor. – É até divertido ficar por quase um minuto como barata tonta.

– Ai, Jadir... Você não existe. – Flávia suspirou e se recostou mais em mim, enquanto caminhávamos para a casa dela.

– É uma pena você ter que me deixar tão cedo... Mal ficamos juntos nesta semana! – Forjou uma expressão tristonha e sorri, enquanto lhe acariciava o rosto.

– É plantão hoje, você sabe... Mas amanhã serei todo seu.

– Ah sei – riu e me abraçou a cintura. – Você anda trabalhando demais.

– Não... Não é suficiente – sussurrei exaurido.

Não reparei em que momento começamos a nos beijar.

***

"Loreena Mckennitt ou Enya? O que é melhor para se ouvir durante a madrugada em um hospital? Ah, vou ouvir Yanni mesmo!".

– Hey Jadir...

Retirei um dos fones do ouvido ao perceber que me chamavam e respondi:

– Sou eu – banquei o inocente.

– Qual é cara? Eu estava te esperando na reunião de ontem. Por que você não foi?

Reunião? Ontem?

– Do que você está falando, Raí? – Decidi abrir o jogo, evidenciando minha ausência de memória.

– Ah cara! Era reunião dos torcedores do Santos! Mas, por que ainda pergunto? Nem a tatuagem do time você quis fazer... E ainda se diz fã de futebol!

– Ah não, pera lá! – Intrometi-me na bronca. – Você sabe que sou contra tatuagens... Vá que numa dessas captam nossas informações só com o uso de uma "figurinha"? Além do mais, você sabe que eu estava ocupado.

– Ocupado? Com o quê? Não era seu plantão, nem noite de sair com as enrolações...

Raí era um sujeito emblemático. Imaturo sim, meio maluco, meio escandaloso, meio ligado no 220... Definitivamente, ele era desamargurado. Estava dividindo a noite de plantão comigo como Fisioterapeuta naquele momento. Um verdadeiro milagre que o hospital permitira que trabalhassem dois no mesmo período e no mesmo andar... Ano de eleições, só pode. Assim que essa fase passar, com certeza voltaremos ao normal, ou seja, um fisioterapeuta por período e cuidando de três andares ao mesmo tempo.

Por ser mais uma daquelas noites "tranquilas", com chances de poucos óbitos, me dei folga para respirar e até responder com certa sinceridade o meu inquisidor daquele final de dia:

– Tive que ajudar alguns amigos.

– E isso é desculpa para abandonar outros? O Jonas não vai te perdoar, cara... Ele até disse que você deve estar se bandeando para os coxinhas adversários. Sabe como isso é ruim para nossa reputação?

– Deixa disso, irmão. O país em crise, o mundo a um passo de uma guerra e você preocupado com reputação de torcedor de futebol?

– Isso é diferente, Jadir. Eu quis dizer apenas que...

– Não, esqueça – balancei a cabeça fatigado. – Sei que não tem nada a ver o que eu disse. Eu irei na reunião da semana que vem, prometo.

– Só quero ver – bufou Raí e mudou o percurso do meu.

Eu já fui mais fanático por diversas coisas, mas ultimamente não tenho me apegado a muitas... Não sei bem a causa do meu evidente desinteresse pelo muito e pelo pouco, no entanto eu não queria pagar o preço por deixar um amigo na mão outra vez.

***

O sol já estava alto, sinal de que as corujas deveriam se abrigar e, quem sabe, descansar? Mas, antes, eu tinha outro dever para cumprir. A Victória, na certa, já estava acordada...

Não reparei no momento em que eu toquei qualquer campainha, e nem na moça que a abrira. Não me lembro de ter ouvido minha voz automática perguntando sobre a paciente, nem por onde os meus pés me guiaram. Porém, o fato, foi que eu cheguei até o jardim, onde Victória se abastecia da vitamina D, ainda que com guarda sol, com roupa, chapéu e óculos escuros.

– Já na ativa Victória? – Perguntei.

– Oi Jadir. Não tenho muito mais para fazer – disse sorrindo, enquanto retirava os óculos. Logo fingiu aborrecimento e falou: – Não aguento mais tanto tempo naquela cama.

– Passe a dormir na cozinha, então... – Brinquei.

Riu fracamente e tossiu. Ainda que no "sol", ela ainda exalava palidez. Logo se recompôs e perguntou:

– O que faz aqui tão cedo?

– Ah, eu vim ver como os ricos sobrevivem...

O humor parecia estar melhor... Ao menos o dela. Isso era muito bom. Pensei que ela estaria cabisbaixa por ter que dividir o Daniel com a medicina. Felizmente, na aparência, não era assim... Mas...

– O que a aparência está escondendo? – Me percebi perguntando a Victória, em voz alta.

Óbvio que ela amenizou o humor e me olhou em dúvida. No entanto, antes que eu tentasse aliviar a situação, ela se precipitou:

– Eu ainda não consigo dormir sem o ventilador durante toda a noite.

Era óbvio...

– Deitar por mais de duas horas sem o suporte de respiração me é impossível, a não ser que eu queira brincar com a vida.

– Você diz... "Tentá-la com a morte"?

Estava séria quando balançou a cabeça, e os finos fios dourados de seus cabelos, como que tentando fazer expulsar os problemas com a ajuda do vento.

– Não sou tentada ao suicídio, Jadir... Posso te garantir.

Sorriu de modo singelo e acompanhei o seu olhar para o céu azul. O rádio, mais cedo, dissera que choveria a tarde... Naquele instante, contemplando aquele espaço descorado, parecia impossível. Mas, "impossível", assim como "vida e morte", eram palavras muito presentes no meu dicionário; ainda que no quesito da impossibilidade eu esteja firmemente céptico.

– Ok – disse por fim. – Vamos ajustar o Bipap.

Victória se levantou e caminhou como se jamais tivesse tido problema algum quanto a essa atividade. Na verdade, sua marcha voltara a ser elegante como antes. E foi desfilando assim que chegou ao quarto e me mostrou o aparelho ventilatório. Logo notei que havia outro problema...

– O que foi? – reparou na minha expressão.

– Não me lembro se me ofereceram café... Cadê o "negritos"? – Falei, me referindo a bolacha dessa marca.

Victória riu com o meu disfarce. Eu precisava de tempo para me lembrar da evolução da sua capacidade pulmonar. Ainda bem que não demorou muito para que eu recordasse quais eram os parâmetros que ela usava no aparelho. Um "braço de ferro" respiratório não era uma boa, nem era opção de tratamento. Oras... Onde eu estava com a cabeça?

– Já fez as pazes com o Adriel?

Sua pergunta foi tão repentina que quase me desconcentrei.

– Pazes? Estamos brigados? – Perguntei, ainda focando o aparelho, mas não lhe dei tempo para uma breve resposta. – Me livre dessa curiosidade; quem não está brigado é um desabrigado?

– Deixa de besteiras Jadir – expirou com ânimo, enquanto acalentava o meu. Muitas vezes eu quis não exprimir reações faciais, como a minha querida Lila; a garotinha do início dessa narrativa. Ainda que muito esperta e ativa, ela nasceu com hipomimia facial e alguns outros problemas que pretendo entrar em detalhe aos poucos. Ultimamente, tenho evitado pensar e avaliar tudo o que me aparece de uma vez... Sinto que vou enlouquecer e que logo, não conseguirei mais disfarçar o meu humor.

– Há algum outro problema? Quer mais café? – Perguntou ainda que não tão preocupada quanto a pouco. Na certa, notou minha expressão se fechar outra vez.

– Não... Está tudo bem. – Forjei o ânimo novamente. – Adriel e eu estamos nos falando como sempre... Ou seja, eu falo e ele resmunga. Nem o casamento lhe tirou do mau humor.

Ao menos o meu amigo carrancudo não precisava disfarçar o que sentia...

– E...

– E o Daniel? – Lhe interrompi cutucando em seu ponto fraco.

Era notável a sua mudança de expressão. O semblante de Victória pareceu até iluminar. Sei que ela ansiava por falar a respeito... Mas, confesso que não prestei atenção no que disse após o costumeiro adjetivo que ela sempre o empregava: "maravilhoso". Fala sério!

~~~~~~~~~~~~~~

Esperamos até aqui então... Sem pressa, meus queridos! Uma hora a gente posta! <3

Não esquentem, a gente volta!!! Hehe

Música na mídia: Deliverance - Yanni

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top