Prólogo
Nunca se tratou de quem eu sou e, sim, do que represento.
São milhares de anos. Povoamos estas terras antes mesmo que os forasteiros trouxessem cavalos e pólvora a este mundo.
Apenas mais uma numa extensa linhagem de reis, príncipes e princesas. Uma haste no grande plátano da vida. Portadora da tradição do meu povo. Sua dignidade. Sua esperança. Seu futuro.
Eu sou meu povo.
Por isso, se alegram comigo. Celebram comigo. As mulheres me cercam enquanto sou envolvida e enlaçada por vestidos cerimoniais, ocre e carmesim, flores do campo, sementes e conchas de adorno. À próxima lua cheia, eu e Lobo Uivante nos casaremos e traremos união para nossas tribos.
Meu rosto será pintado com o barro de sua terra. Ele com o barro do chão que piso. E seremos, para sempre, unidos. Eu a ele. Ele a mim.
Mas, nunca se tratou de quem eu sou, mas sim do que represento.
Quando as mulheres partem e volto a cobrir-me com o tecido simples de meu dia-a-dia, ouço um assovio conhecido e meu coração dispara.
Meu estúpido coração que nunca foi capaz de realmente entender o que eu represento.
Afasto a lona de minha tenda na penumbra da noite e caminho cautelosa em direção à floresta, evitando os pontos iluminados pelo fogo, não sem antes verificar e confirmar o caminho livre de olhos curiosos. Adentro o matagal segura de meus passos, confiante. Conheço cada galho, cada curva, os sons da noite que não me assustam. Meu coração, meu estúpido coração, ressoa em minha cabeça como o chamado dos tambores que meu povo toca, ora em situações de grande perigo, ora de grande alegria.
E não consigo identificar a qual das duas meu peito sinaliza neste instante.
Com um impulso, salto para um galho, agarro-o com ambas as mãos e me agacho no côncavo de um monstruoso tronco. Estou prestes a assoviar de volta, quando sinto uma mão cobrir-me a boca. No meu sobressalto, os tambores em minha mente soam mais altos, mais urgentes, tão poderosos que são capazes de sobreporem-se a todos os ruídos da floresta.
Quando a mão me liberta e me volto, seu dono sorri para mim de forma arrogante, os olhos verdes risonhos, o cabelo ruivo emaranhado sobre a testa.
Ska Anagi, é como o chamam. O espírito branco.
Mas não é assim que eu o chamo.
— Peter — sussurro, sentindo-me cambaleante enquanto deixo-me tombar contra o casco da árvore, incapaz de conter o júbilo e a angústia crescentes dentro de mim. — Você voltou.
Ele cruza os braços e posiciona suas pernas sobre dois esguios e trêmulos galhos, exibindo seu grande e orgulhoso sorriso.
— Você me conhece, princesa Tiger Lily. Eu sempre volto.
[450 palavras]
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top