Capítulo 2
— Você precisa ir, Peter — falo tão firmemente quanto minhas emoções fora de controle me permitem. — E não voltar mais.
Observo seu contorno, as três luas lançando-lhe fachos de luz azul, púrpura e esmeralda de diversas direções, e percebo como ele sorri incrédulo e balança o rosto. Quando dá um passo à frente, eu o empurro de volta para trás.
— Eu preciso crescer, Peter. Por favor, entenda — digo, escondendo o rosto entre as mãos para que não veja que choro. — Chegou a hora. Preciso tomar responsabilidade; preciso abandonar minhas fantasias de infância. Vim até aqui só para me despedir.
— Mas, por que? — protesta e posso ouvir em sua voz a típica birra e teimosia que tanto me repelem quanto me atraem. O tronco em que estamos vibra conforme dá mais alguns passos na minha direção e logo sinto o toque quente de seus dedos na minha bochecha, enxugando-me as lágrimas. — O que há, Lily? Não gosta mais de mim? — ele pergunta sentido e minha convicção se abala junto com minha respiração. Não sei se consigo fazer isso. Não sei se consigo dizer adeus a Peter para sempre. — Quer me esquecer? — continua. — Nós éramos uma boa equipe.
Peter sabe ser convincente. No entanto, é essa sua última frase seu grande e último erro.
Porque quando a diz, percebo a verdade que escolhia ignorar durante todo esse tempo. E as coisas que permaneceram entaladas em minha garganta resolvem encontrar morada na minha voz. É aqui que a profecia de meu nome se cumpre. Porque sou doce como um lírio. Mas, jamais, jamais se esqueça:
Sou um tigre também.
— Nós nunca fomos uma equipe, Peter! — sibilo com olhos enxutos e contraídos, enquanto me apoio no tronco e me coloco de pé. — Eu era para você apenas um momento de diversão, mais uma aventura, entre garotas inglesas e sereias e fadas e o que mais cruzasse o seu caminho. Todas encantadas. Todas iludidas. Todas sacrificando-se... por... um mero menino perdido! Só porque acreditamos, cada uma de nós, que éramos capazes de mudá-lo. Mas, você... você é impossível.
— E não é isso que me faz tão divertido? — ele replica e, sem pensar, meto-lhe um tapa na cara.
— Não, meu amigo — digo assustada com a violência dos meus sentimentos e olho para ele mais uma vez, sem temer que encará-lo demais vá ter qualquer efeito em mim. — Não era Peter, o menino divertido, que queríamos. Queríamos Peter, o homem fantástico que ele poderia se tornar. Peter, o potencial de um futuro juntos. Mal sabíamos que esse potencial sempre esteve perdido em você. O que nos machuca não é quem você é, mas o que você representa. Um ciclo sem fim de desculpas e fugas sem nunca chegar a lugar nenhum. Por isso, todas nós escolhemos crescer. Simplesmente não podíamos mais esperar por você.
Dou-lhe as costas e me afasto alguns passos. Quando olho por cima do ombro, constato que Peter sentou-se no tronco e esconde o rosto, como fiz mais cedo quando estava chorando. E isso é algo que não posso tão facilmente suportar.
— Peter? — Volto-me, abalada. — Peter? Por que está chorando? — pergunto, agachando ao seu lado. — Por favor, não chore.
— Porque não queria perdê-la, princesa Tiger Lily — responde, enxugando as lágrimas e olhando para mim, com um meio sorriso triste. — Para quem irei voltar agora? Quem dirá se sobreviverei se não estiver aqui para cuidar de minhas feridas? Além disso... — Ele amplia um sorriso zombador e funga um pouco — Não estou chorando.
Suspiro e sorrio de volta, uma onda de nostalgia invadindo meu peito. Não, meu garoto nunca irá mudar. Peter é a Nostalgia encarnada, o espírito do ciclo infinito, o desejo pelo antigo: idas e vindas, nada novo debaixo do céu, minha prisão particular e prazerosa.
Preciso escapar.
— Quem era Tiger Lily para você, Peter? — pergunto, tocando-lhe o ombro. — Acredite, você não perdeu Tiger Lily, meu menino. Você perdeu sua sombra. Eu era a menina que seguia seus passos por onde ia e nunca o contrário. Exceto quando a noite caía ou a luz não me era propícia. Então eu desaparecia de sua memória, de sua presença e de seu coração — digo, os olhos marejando novamente. — Isto é adeus, Peter. Eu encontrei alguém que me quer não só nos momentos bons. Alguém que está comprometido comigo para todas as fases da lua.
Rapidamente deslizo um nível até um próximo galho e até o próximo e de novo e ouço como Peter me segue, embora eu não olhe para trás para verificar.
Quem é a sombra agora, garoto?
Quando ele finalmente me alcança, nossos pés já estão na terra molhada, no mesmo barro que cobrirá o rosto do meu esposo no dia da grande cerimônia. A terra molhada, assim como o resto da floresta, tem cheiro de Peter Pan para mim. Indistinguíveis e inseparáveis. Peter Pan tem as cores de um sonho, um sabor de inocente alegria, uma voz cheia de luz e nuances como a força da imaginação e a ousadia e arrogância de quem nunca sofreu decepções. Peter Pan é minha infância.
Eu deveria simplesmente prendê-lo com uma corda e guardá-lo para sempre em minha tenda.
Peter Pan me aprisionou primeiro.
— Você perdeu sua sombra. — Beijo-lhe a bochecha uma... última... vez. — Mas sobreviverá.
E, com estas palavras, descubro que finalmente estou livre. Naquele dia em que encontrei ao Peter, troquei de lugar com ele na armadilha. Sempre presa para que viva. Não mais. Acabou.
Sigo o caminho do brilho das luas até minha tenda e sei que ele já partiu. É o meu momento. Serei crescida. Terei filhos. Farei sacrifícios. Nem tudo será divertido. Meus cabelos negros um dia se tornarão cinzentos. Minha pele perderá o brilho. Lentamente as forças me deixarão. Andarei em linha reta por eras que não se repetem até o limite. E, por fim, encontrarei meus ancestrais de cabeça erguida e sentindo-me digna, porque estive ali para o meu povo. Morri alegremente para dar vida ao novo.
Ciente, no entanto, de que despertarei algumas noites com a leve impressão de olhos verdes que me encaram. Ou, numa manhã quente, correndo atrás das crianças, a noção de seu cabelo dançante na copa das árvores, para enfim constatar que foi apenas o reflexo do sol em folhas secas de plátanos.
E Peter?
Encontrará outras companhias. Sempre haverá quem o queira, quem o deseje, quem ache que dessa vez é diferente, quem não perceba que está andando em círculos. Mais uma vez.
E ele as perderá novamente.
Porque todos os garotos crescem.
Bem, exceto um.
https://youtu.be/fbh0iqpdk8s
* * * FIM * * *
[1124 palavras]
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