Capítulo 1




Todos os garotos crescem. Exceto um.

O garoto que amei desde sempre.

Ou, ao menos, desde que comecei a notar a existência deles.

Eu o encontrei numa manhã preguiçosa e longa, preso a uma armadilha de antílope, pendurado de cabeça para baixo, balançando despreocupado com aqueles cabelos ensebados da cor do fogo. Por sorte, fui eu a achá-lo. Não sei dizer o motivo pelo qual o libertei, exceto por mera curiosidade a respeito daquela criatura estranha com cores anormais demais para serem humanas. Assim que tombou no chão, ele me olhou com o que imagino que fosse gratidão e saltitou sorrindo floresta adentro.

E sua imagem nunca me deixou.

Ele se tornou minha aventura, meu sonho, meu escape. Passou a visitar-me. Foi ele que me ensinou a escalar árvores, a admirar os detalhes, a divertir-me como se não houvesse amanhã. Nós aprontávamos juntos, pregávamos peças nos adultos e esquecíamos, apenas esquecíamos, que haviam outros, haviam responsabilidades, havia futuro. Quando estávamos juntos, éramos eu e ele. Nós dois contra o mundo.

Foi ele quem me ensinou tudo. Inclusive sensações que desconhecia. A suavidade de um toque. O roçar de seus lábios nos meus. E o mais que existia.

Embora, hoje, eu naturalmente me questione se ele mesmo o sabia. Ninguém pode ser especialista de tudo. Mas, é claro que ele nunca admitiria.

— Olhe só como sou bom! — era o que gritava antes de fazer qualquer loucura que entrasse em sua mente criativa e entediada. Céus, como nós ríamos. E como se metia em apuros aquele moleque!

O pior é que me envolvia em seus embaraços. Cansei de contar as vezes que fui punida por algo que Peter começou e não permaneceu para lidar com a bagunça.

E eu sempre estava ali. Para curá-lo. Para emendá-lo. Para ser sua.

Quando necessitava, é claro.

Tão logo estava bom, já partia numa nova aventura.

Naturalmente, em algum momento, não sei quando, não sei como, apenas divertir-me não me bastava mais. Qual era a graça naquilo afinal? Ainda mais quando lentamente percebia que eu não era sua única companheira de brincadeiras. Tantas surgiram.

Por um longo tempo, ele me esquecia. Novamente, se lembrava.

Geralmente, quando se feria, quando precisava.

Mas, sempre, sempre, sempre retornava.

— Quando você vai crescer, Peter? — certa vez ralhei, magoada com seus desaparecimentos sem aviso e retornos sem remorsos e despreocupados. — Quando? — falei, enquanto batia uma pasta de especiarias e ervas para passar-lhe sobre as feridas.

— Não comece, Tiger Lily. Não estamos nos divertindo? Por que meninas são assim? Por que nunca estão satisfeitas? Por que sempre querem algo mais?

Eu apenas bati o pilão com mais força, triturando e esmagando a matéria num creme pastoso, como sentia que ele fazia com minha alma.

Ele não passa de um garoto perdido. Disse eu para mim mesma. Nunca, nunca mais.

Exceto... que eu não era capaz. Nunca soube dizer adeus.

Porque não era qualquer garoto. Era Peter Pan, o menino que me mostrou o mundo, que me fez esquecer de tudo e descobrir coisas que nunca soube que existiam.

Era Peter Pan, aquele que sabe o que é verdadeira diversão; aquele que faz você sentir como se todos os dois sóis girassem ao seu redor e é seu brilho que as três luas refletem.

Apenas Peter Pan, o garoto que nunca irá crescer.

Peter Pan, o garoto que sempre voltava.

Meu Peter Pan, o caos de Neverland, meu sonho infantil, o único capaz de transformar meu coração em tambores.

Ele salvou minha vida. Vez após vez. Resgatou-me de piratas, de vilões e de mim mesma.

Então, não é estranho que, neste exato instante, quando Peter se inclina para me beijar, eu estenda minha mão aos seus lábios e balance meu rosto negativamente para que entenda?

Nossos dias de brincadeira precisam chegar ao fim.

Isto é adeus, meu querido amigo.

Meu Peter.





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