Capítulo 2 - Your destiny may keep you warm...
Suzan, Anne e Toby estavam me irritando de verdade. Os três estavam parados em seus armários – que infelizmente ficavam em frente ao meu – me olhando e dando risadinhas. Tentei ignorar o quanto pude, enquanto pegava alguns pertences da mochila para guarda-la, mas era meio difícil quando eu sabia que eles estavam debochando das minhas roupas "preppy" só porque eu não me vestia com roupas curtas como as outras garotas.
Não demoraria muito para o sinal tocar, então tratei de me apressar em guardar minha mochila, mas Toby foi mais rápido do que eu, e a tirou da minha mão. Suzan e Anne começaram a dar risadinhas e eu bufei, com raiva.
— Vem pegar, Garota Prodígio. — disse Toby, cheio de deboche.
Fui ao seu encontro para tentar pegar a droga da minha mochila, mas ele a levantou no ar, e por eu ser um pouco mais baixa do que ele, não consegui alcança-la. As garotas continuaram rindo de mim, e eu fiquei com vontade de esganar as duas e depois afundar a cabeça do Toby num tanque cheio de águas vivas.
Foi então que Kevin apareceu, pegando a mochila da mão de Toby com facilidade e entregando-a para mim antes de continuar sua caminhada.
Era nítido que as pessoas tinham medo de Kevin, pois Toby recuou com medo e não mexeu mais comigo. As garotas também resolveram ficar caladas, mas continuaram a destilar seus olhares incisivos em minha pessoa.
Enquanto eu guardava a mochila no armário, fiquei pensando no quanto o Kevin era uma pessoa deslocada. Ele sempre foi um cara na dele, mas tinha certeza de que causava fora dos portões da escola. Na maior parte do tempo, vivia drogado, e diziam que ele só gostava de garotas mais velhas do que ele.
Eu aposto que tinha algum drama por trás da fama de rebelde.
— Ai meu Deus! — exclamei assim que me lembrei de seu rosto, que tampava a minha visão das estrelas.
É ele! O Kevin é a minha história!
Ele é real, e pode me dar inspiração para escrever alguma coisa inovadora!
Era ele!
As estrelas me deram a resposta!
Comecei a correr atrás de Kevin feito uma maluca e logo o avistei, andando de forma desleixada. Ele estava sempre usando um casaco de moletom e calças jeans, e parecia não se importar com o que as pessoas pensavam dele.
— Kevin, você já pensou em ser a inspiração de alguém?
— O quê? — Ele me olhou de forma espantada e eu fiquei envergonhada no mesmo instante.
Ok, essa não foi uma boa maneira de abordá-lo. Vamos tentar algo diferente.
— Você já pensou em escrever um livro?
— O que é isso? Algum tipo de entrevista? Ou esse é o seu jeito patético de me passar uma cantada? Desculpe, mas se for a segunda opção, eu não estou interessado.
— O quê? — perguntei, e agora eu que estava espantada. — Credo, não! Eu tenho uma proposta para te fazer.
Ele me olhou de um jeito desconfiado, me dando um sorriso malicioso logo em seguida.
— Não vou vender drogas na sua festa.
— Não tem nada haver com isso! Eu preciso andar com você porque quero escrever um livro que contenha uma história inovadora, e as estrelas... — Balancei a cabeça rapidamente, tentando clarear as ideias. — Quero dizer, algo me diz que você daria uma história perfeita.
— Você acha mesmo que eu aceitaria uma coisa dessas? — Ele indagou, e havia um fulgor de zombaria em seus olhos que me deixou um pouco irritada.
— Por favor, eu preciso da sua ajuda. — Juntei as mãos em tom de súplica, mas nem isso fez com que Kevin se compadecesse de minha situação.
— Você nunca falou comigo antes e agora vem com essa proposta descabida? Eu não tenho culpa se os seus romances clichês e fantasiosos não estão agradando mais a sua preciosa editora.
Uni as sobrancelhas, sentindo-me alarmada.
— Como você sabe disso?
— Você está tão desesperada que qualquer um notaria. Não precisa ser um gênio para saber disso.
O sinal tocou, alto e estridente, fazendo com que meu tempo de convencê-lo diminuísse. Estava tão desesperada que falei a primeira coisa que me veio à mente.
— Se você me ajudar, eu faço sua lição de casa por um mês.
Kevin deu uma risada carregada de ironia e desprezo. Seus olhos claros faiscaram em cima de mim, fazendo com que eu me encolhesse um pouco.
— Eu não preciso de alguém para fazer os meus deveres de casa, Allycia. E a minha resposta continua sendo não!
E então, ele saiu, pisando duro como um soldado, me deixando ali parada com os meus cadernos na mão e me sentindo uma completa idiota.
Ainda pensei em correr atrás dele, mas eu sabia que meus esforços seriam em vão. Eu teria que ser muito mais convincente se quisesse ter de Kevin o que eu queria.
Eu tinha a plena consciência de que era muita audácia da minha parte o que eu estava propondo, levando em consideração o fato de que o Kevin e eu não somos nada um para o outro. Mas, eu sentia que a minha história estava nele, e eu precisava descobrir se o que a minha intuição me dizia era realmente verdade.
Fui para a minha primeira aula pensando no que eu podia fazer e fiquei aérea a maior parte do tempo. Chloe até me perguntou por um bilhete amassado na minha carteira se eu estava bem, mas eu não tinha muita certeza.
Na hora do intervalo, fiquei de encontrar com a Chloe no refeitório, porque ela iria me contar como foi o encontro com o Connor, mas encontrei Kevin conversando com alguns amigos perto do banheiro masculino e decidi me esconder ali por perto, para ouvir o que eles estavam dizendo.
— Kevin, você vai vender o bagulho hoje na boate Starlight, não vai? — perguntou Ronan, que estava na minha aula de cálculo avançado. Eles falavam baixo, mas não o suficiente, pois eu conseguia ouvi-los perfeitamente bem devido a movimentação dos alunos estar concentrada no refeitório.
— Vou sim, por quê?
— É que o Gil vai estar lá. — disse Ronan, parecendo meio temeroso.
— E daí?
— Ele já está começando a desconfiar, Kevin. Segura a tua onda e vende essa merda. Não vamos poder roubar a cocaína do maluco dessa vez. — Cobri a boca com as mãos para conter o espanto que eu senti com a revelação de Ronan.
— Verdade, não podemos vacilar. — concordou Jasper, o outro companheiro inseparável de Kevin.
— Relaxa, galera. Eu sei o que estou fazendo. — disse Kevin de forma despreocupada.
Saí do meu esconderijo e corri para o refeitório com o coração acelerado, mas com um sorriso bem triunfante no rosto. Algumas ideias começaram a se formar em minha mente, e o bloqueio criativo parecia estar chegando ao fim.
✬.✬.✬
Quando cheguei em casa, encontrei meu pai falando baixo ao telefone em seu escritório. Fiquei tentada a ouvir a conversa, mas ele me viu chegando e deu um aceno de longe para mim, fechando a porta do escritório no mesmo instante. Suspirei, subindo as escadas e me dirigindo ao quarto de minha mãe.
Arregalei os olhos ao vê-la caída no chão.
— Mãe! O que aconteceu com você?
Fui até onde ela estava para socorrê-la. Meu coração acelerou com o susto e um alerta vermelho piscou dentro da minha cabeça.
— Eu estou bem, querida. — disse mamãe, se levantando com certa dificuldade e dando um de seus sorrisos plastificados. — Não houve nada.
— Como não houve nada? — perguntei, ainda me sentindo assustada ao vê-la caída no chão.
Tratei de ajuda-la a se levantar e a coloquei sentada na cama.
— Eu tropecei no pé da cama e caí. — disse ela, dando de ombros. — Não se preocupe, querida.
Fiquei encarando a minha mãe fixamente, sentindo que a minha vida viraria de cabeça para baixo, e que isso não iria demorar muito para acontecer.
✬.✬.✬
Me olhei no espelho pela vigésima vez antes de me certificar de que a minha roupa estava apropriada para uma boate. Sim, eu iria a Starlight naquela noite e ficaria seguindo Kevin pela noite inteira se fosse necessário.
Eu precisava alinhar as minhas ideias, e só conseguiria fazer isso vendo como Kevin se portava e participando do seu cotidiano. Posso até estar parecendo uma stalker, mas eu não via outras alternativas em minha frente.
Meus longos cabelos castanhos estavam naturalmente ondulados, e o arco que eu havia posto dava um ar sóbrio e inocente em meu look. Um casaco cinza de tecido ligeiramente fino completava o visual e combinava com a minha saia listrada de botões azul marinho. Botas pretas completavam o meu look.
Eu sabia que aquela não era a roupa ideal para uma boate, mas eu não iria até lá para me divertir. Minhas ideias de diversão iam muito além de beber e dançar até a noite acabar.
Me despedi dos meus pais falando que iria para a casa de Chloe e peguei o ônibus para um dos bairros mais perigosos de Nova York, pois era lá que a boate Starlight ficava.
Assim que cheguei, parei em frente a porta da boate com o coração batendo muito rápido. A música que tocava era ensurdecedora e havia um monte de gente fumando maconha pelos arredores. Me perguntei se era realmente certo estar ali, naquele ambiente totalmente desconexo. Por incrível que pareça, meu coração dizia que sim.
A fachada da boate era um pouco cafona. O nome "Starlight" estava em letras azul neon, e piscavam.
Respirei fundo e entrei na boate, que por não ter uma fiscalização muito boa, me deixou entrar mesmo eu sendo menor de idade. O lema deles era: "Pagou, entrou".
Me surpreendi com a quantidade de pessoas que aquele lugar conseguia abrigar e tirei meu caderninho de dentro da bolsa junto com uma caneta.
Por mais que as poucas luzes do local pudessem me atrapalhar, eu tinha que arranjar um jeito de conseguir escrever e ao mesmo tempo, observar o Kevin.
As pessoas ao meu redor dançavam, bebiam, se beijavam ou fumavam sem nenhum pudor. A princípio, fiquei me sentindo totalmente deslocada, pois nunca me imaginei estando nesse meio fazendo algo parecido. Eu só estava ali em busca da minha história, e tentava me convencer de que não me deixaria envolver nesse mundo distorcido no qual Kevin fazia parte.
Andei com dificuldade até o final da pista de dança e encontrei Kevin vendendo drogas para um grupo de jovens estranhamente elétricos.
Me escondi na meio da multidão, escrevendo as ideias que pipocavam na minha mente, uma a uma, torcendo para que o Kevin não me avistasse.
Avancei mais um pouco em sua direção quando o vi se dirigindo ao bar da boate. Ele conversava com o barman como se fossem amigos íntimos, e surpreendeu-me ao dar um sorriso. Acho que tinha sido a primeira vez que vi Kevin sorrir, e mesmo com as poucas luzes, estranhamente, pude notar que era algo bem agradável.
Kevin era branco, tinha olhos claros e cabelos bem ruivos. Ele era magro, mas possuía alguns músculos nos braços, músculos esses, que faziam parte dos sonhos de algumas garotas do colégio que não admitiam que o achavam bonito. Elas o ignoravam porque ele era tachado de fracassado pela maioria das pessoas que o conheciam, e no mundo em que vivíamos, o status e a popularidade que você tinha podiam determinar quem você era para o restante das pessoas.
Levei um susto quando olhei ao meu redor as pessoas gritando e tentando fugir de uma briga entre cinco homens. Eles trocavam socos entre si e quem estava perto acabava sendo atingido também.
Comecei a correr para a saída, mas o desespero foi coletivo, e as pessoas passaram a empurrar umas as outras. Tentei guardar meu caderno e caneta na bolsa, mas não consegui, pois acabei caindo no chão. As pessoas que passavam começaram a me pisotear e eu coloquei as mãos sobre a cabeça, tentando me proteger.
Eu gritei, pedindo por socorro, mas as pessoas continuaram a me ignorar.
Senti alguém me pegar no colo e me carregar para fora com certa agilidade, e me surpreendi ao ver que era Kevin. Ele me conduziu por um outro caminho, fazendo com que chegássemos mais rápido do lado de fora da boate. Eu ainda conseguia ouvir os gritos de desespero das pessoas e dos seguranças, que tentavam apartar a briga que acontecia do lado de dentro.
Assim que Kevin me largou, eu pude ver o quanto ele estava irritado.
— O que você está fazendo aqui?
— Estou me divertindo! — exclamei, tentando parecer que não estava sentindo dores por conta das pisadas que levei.
— Com um caderno e uma caneta? — Kevin perguntou, balançando meu caderno e a caneta no ar. — Eu não sou idiota, Allycia. Tenho certeza de que aqui é o último lugar que gostaria de estar.
— Eu preciso dessa história, Kevin. — admiti, abaixando os ombros e tentando parecer menos abalada do que eu estava. — Eu sei que não tenho o direito de estar te pedindo para fazer isso, mas eu não sei mais o que fazer...
Kevin ficou me olhando por alguns segundos, parecendo estar em dúvida sobre o que fazer. Fiquei esperando por sua resposta com um pouco de expectativa no olhar.
— Tudo bem, eu ajudo você, mas preciso que me prometa que não irá encher a minha paciência fazendo perguntas desnecessárias e que não contará o que vir a ninguém.
Abri um sorriso enorme, comemorando internamente o meu triunfo. Kevin devolveu meu caderno e a minha caneta, e me encarou como se não entendesse o quanto aquilo significava para mim.
— Eu prometo. — eu disse, mal contendo a minha alegria. — Vou andar com você depois da aula. Preciso saber um pouco mais da sua rotina.
— Okay, eu acho. — disse ele, com o cenho franzido.
— Nos vemos amanhã.
Kevin deu um aceno de cabeça para mim, e eu sorri. Caminhei até o ponto de ônibus com a cabeça cheia de ideias novas. Eu só queria chegar em casa logo para poder passar tudo para meu notebook.
No caminho para casa, fiquei escrevendo todas as minhas ideias no meu caderno para que eu não me esquecesse. Um sorriso brotou em meu rosto, e a confiança começou a habitar o meu coração.
Eu tinha certeza de que havia algo em meu destino que me manteria completamente sã e aquecida.
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