DEZESSEIS ::: CATIVEIROS: Carol, Lacey e Jackie (II de III)
05 de Março de 2002 – Caroline
Carol se sentia aterrorizada. Se achava nas mãos de um psicopata.
Todos os dias chorava e suplicava por misericórdia e por ajuda, mas nunca recebia uma resposta.
Perdera a noção do tempo que estava ali presa. Perdera a conta das vezes que tentara fugir. Perdera a conta de quantas vezes ele lhe bateu, por estar perdido de bêbado e de quantas vezes ele voltava, no dia seguinte, com um saboroso prato de comida e um pedido de desculpas sincero.
Mas dessa vez ele tinha ido longe demais. Dessa vez ele tinha deixado marcas bem profundas nela. O olho esquerdo completamente inchado e roxo, o lábio rasgado e algumas costelas partidas, Caroline mal conseguia se mexer.
Estava jogada sobre o colchão, dolorida, lutando para respirar, gemendo a cada segundo que o seu corpo tentava reagir, presa entre a inconsciência e a dor, que a mantinha acordada.
Recordava com arrependimento o que o levara a espancar daquele jeito.
— E então, a comida está boa? — Ele perguntava amável, como sempre quando não estava bêbado.
— Está. — Ela murmurou a resposta com um esgar fraco.
Carol traçara há um bom tempo um plano para se aproximar de seu sequestrador e poder lhe ganhar confiança. Isso a protegeu de muitas surras e o tornou seu confidente. Aos poucos ela começou compreendendo sua dor, sentindo pena dele e se tornando um pouco mais que sua vítima. Ela se tornou sua amiga, porém ainda tinha consciência que precisava sair dali e que ele precisava de ajuda.
— Caleb. — Ela o chamou. Foi assim que ele se apresentara depois do primeiro mês de cativeiro. — Há quanto tempo eu estou aqui? — Perguntou apenas para fazer conversa. Cria sondar o terreno minado em que pisava.
— Quase seis meses. — Ele respondeu indiferente. Isso a deixou mais relaxada por ele não ter ficado furioso com a sua pergunta.
— Nossa, como o tempo passa. Nem parece que estou aqui há tanto tempo. Parece que foi ontem... — Comentou, como quem não quer nada. — Escuta... você tem tido notícias... de meus pais? — Se arriscou a pisar em uma mina, mas ela precisava saber notícias do exterior. Caleb parou de comer e a encarou pesaroso.
— Sim, eles estão sofrendo muito. — Suspirou fundo pousando seu prato. — Lamento imenso por isso Carol. — Murmurou num fio de voz, desviando os olhos dos dela.
— E Kennan? — Agora ela tinha a certeza que pisara em uma mina, bastava agora era saber se ela explodiria ou se já estava desativada.
Caleb se ergueu em um lampejo e esmurrou umas caixas. Em seguida pegou seu prato de comida e o atirou contra a parede. Depois caminhou decididamente até Carol e a segurou pela camisa, respirando pesadamente sobre o rosto dela.
— Seu querido namorado, não está sofrendo como ele deveria de sofrer! Parece que ele não te ama tanto assim! — Exclamou entre dentes, seus olhos soltando faíscas capazes de matar alguém.
Caroline tremeu nas mãos dele com medo que ele a agredisse, mas não foi isso que ele fez...porque ele não estava bêbado...ainda.
Caleb suspirou pesadamente, comprimindo os olhos e soltando ela lentamente. Passou as mãos pelos cachos curtos de seu cabelo e soltou uns quantos palavrões, chutando os pedaços de caixa espalhados pelo chão para em seguida sair do armazém. Bateu a porta de ferro com uma força capaz de esmagar alguém o trancando pelo lado de fora.
Carol começou chorando desesperada se encolhendo a um canto do armazém, contando meticulosa e temerosamente as horas em que sua vida estaria por um fio. Assim que Caleb retornasse a entrar naquele armazém essa noite, bêbado, Caroline sabia que apanharia a pior surra da sua vida.
08 de Julho de 2003 – Lacey
Submersa...
Quando estava submersa, Lacey se recordava da sua infância. De como ela era alegre. De como todos a amavam. De como sua família era feliz.
Como apenas dois minutos a podiam fazer recordar de tanta coisa? Era um mistério, mas ela começava gostando desses dois minutos. Contudo assim que ela voltava à tona e o ar exigia ser sugado e absorvido em seus pulmões, ela achava esses dois minutos os piores de sua vida.
Lacey sentiu uma mão a puxar para cima e então começou lutando. Lutando para permanecer ali mais um pouco.
Ao princípio ela lutava para não entrar naquela banheira cheia de água, mas agora, tudo o que ela mais queria era ficar, acabar de uma vez com aquela agonia. Acabar de uma vez com a dor de ser rejeitada por seus próprios pais, mas ele era mais forte e conseguiu arrancá-la da água.
Lacey tossiu todo a água que havia engolido e respirou desesperadamente. Bem fundo.
— Se você morrer não me servirá de nada Lacey. Por isso te manterei viva, por mais que você não queira. — Rodrigo comentou um pouco irritado com a atitude dela.
Lacey o olhou pelo canto do olho, sentindo pequenos espasmos nos músculos do peito que chegavam a ser muito incômodos de tão doloridos que eram.
— Vista essa roupa. — Ele lhe atirou uma toalha e um vestido qualquer e se virou de costas.
Lacey permaneceu calada, despindo lentamente suas roupas molhadas e se enxugando. Notava Rodrigo a olhando sempre pelo canto do olho. Ele sempre o fazia e Lacey não mais se importava, sabia que ele o fazia não só para a admirar, mas para se proteger de qualquer ataque por parte dela, como uma vez ela tentou.
Naquele dia em que ele se virou de costas para respeitar a privacidade da garota, Lace envolveu o cinto do roupão de banho em torno do pescoço dele e o tentou matar.
Lee não sabia se tinha realmente coragem de ir até ao fim e foi sua fraqueza que a impediu de continuar ou se foi sua fragilidade para conseguir lutar contra um homem como ele que a fez soltar o cinto.
Mesmo que magro Rodrigo tinha uma força descomunal, capaz de erguer uma cama de casal apenas com uma mão. Como aconteceu uma vez em que ele se irritou por mais uma chamada frustrada para os pais de Lacey.
Depois de quatro dias, os Lee continuavam sem atender as chamadas e agora, as únicas opções de Rodrigo, eram a irmã e a família do marido, os O'Toole, que também não atendiam as chamadas.
Depois de enxugada e vestida devidamente, Lacey caminhou a custo para o quarto sentindo fortes dores no abdómen e no peito. Dores tão fortes que a faziam chorar todas as noites em silêncio, mas dessa vez estavam mais fortes.
Lacey se deitou na cama a custo e começou a chorar, com uma mão envolvendo sua cintura. Rodrigo caminhou atrás dela e viu as lágrimas escorrerem por seus olhos. Apertou as mãos e os lábios e saiu do quarto, trancando a porta.
Ao longe, Lacey pode escutar um carro se afastando, mas as dores não a permitiam tentar uma fuga. Estava demasiado fraca.
Chorou o quanto pôde, gemendo a todos os segundos e então a porta foi aberta novamente.
Rodrigo trazia consigo uma sacola da farmácia e um copo com água na outra mão. Caminhou até ela, pousando o copo em cima do criado mudo e tirando da sacola uma caixa de remédios. Tirou dois da embalagem e os colocou na boca de Lacey, lhe entregando o copo de água. Lacey não conseguiu se erguer gemendo alto e Rodrigo soltou uma respiração pesada, sentando do lado dela e deitando sua cabeça em seu peito, lhe dando a água na boca.
— Agora você vai dormir e logo as dores vão passar. — Ele falou em um tom baixo e grave, como se nada daquilo indicasse que ele estava preocupado com ela.
Rodrigo tentou sair debaixo dela, mas Lacey gemeu se agarrando a sua cintura. Rodrigo hesitou em ficar ali, deitado do lado dela, mas acabou por desistir de sair quando ela gemeu novamente por seus movimentos. Logo seus olhos começavam lhe pesando e por fim ela adormeceu, seguida dele.
Lacey acordou poucas horas depois. O efeito dos remédios tinham passado e as dores retomaram com força, mas ela reprimiu um grito de dor ao perceber que seu corpo se apoiava no de Rodrigo, que envolvia seus braços em torno do corpo dela.
Lace hesitou em se mexer e pensou em sua família.
Os seus pais eram tão egoístas e egocêntricos que preferiam ver a filha morta a pagar o que quer que seja a Rodrigo. Ela perdera a fé neles à muito.
Charlotte era uma boa irmã, ela não podia negar, mas sempre deixara Lacey à mercê da ira, desprezo e acidez dos pais. Nunca a protegera ou cuidara dela.
Estar ali na casa dos O'Toole tinha sido sugestão de Peter, seu cunhado, o único que se preocupava minimamente com o bem-estar dela.
Lacey olhou para Rodrigo e acordou dos seus pensamentos. Podia tentar matá-lo novamente. Ou podia finalmente fugir.
Nenhuma das opções parecia tão confortável como permanecer ali. Pela primeira vez se sentia protegida e cuidada.
12 de Dezembro de 2008 – Jackie
— Laura, meu amor, me passe essas luzinhas. — Mason pedia a Jackie, que agia como um robô obediente.
Ela caminhou até uma caixa de arrumações e pegou os fios de luz para enfeitar a árvore de Natal e os entregando a Mason.
— Eu não podia ser o homem mais feliz do mundo, minha querida. Esse vai ser o nosso primeiro natal como casados. — Ele sorriu quando terminou de colocar as luzes na árvore e as ligou.
Caminhou até Jackie e a abraçou pelos ombros.
Estava há quase 7 meses trancada naquela casa, longe de tudo o que representasse civilização. Há 5 meses parar de lutar contra Mason e a sua ilusão de que ela era outra mulher, pois isso significava não ter de ficar mais confinada no quarto de revelação fotográfica dele. O medo de voltar para lá era maior do que a sua vontade de lutar e até mesmo quando ele saia em viagem por alguns dias ela ficava pela casa.
Nesses dias Jackie tinha possibilidade de sair. Mason morava numa grande propriedade com quilómetros de terra e a casa do vizinho mais próximo mal se via no horizonte. Mesmo assim ela não saia dali. Ela temia que quando pisasse fora daquela casa Mason aparecesse e a trancafiasse de novo no cubículo então se confinou à sua nova realidade e à sua nova identidade.
Há dois meses que estava casada com o fotógrafo.
Se estivessem num conto de fadas ela teria achado o pedido de casamento a maior concretização do seu sonho de infância e a coisa mais romântica que alguém poderia ter feito por si.
O próprio Mason os casou, tirando um certificado pela internet de Juiz de Paz em nome de Jackeline Hale. Como se Jackie fosse uma terceira pessoa ali. Mas era com Laura que Mason tinha casado.
— Vá trocar de roupa, meu amor. Nós vamos sair. — Mason indicou beijando os lábios de Jackie de leve.
— Vamos sair? — Ela interrogou esperançosa e incrédula.
— Vamos sim. Está na hora de visitarmos seus pais, eles devem estar morrendo de saudades de você! — Mason declarou abrindo um largo sorriso, mas seus olhos eram delusionais, perdidos.
— Meus pais? — Jackie se empolgou, seu coração pulando no peito, ainda que continuasse confusa com o que estava acontecendo.
— Sim. Agora, vá trocar de roupa sua bobinha. — Ele mandou e Jackie assentiu correndo para o quarto.
Sentia o cheiro de liberdade cada vez mais próximo. Abriu o armário se olhando no espelho e mirando seus fios loiros, bem como o mesmo vestido que vestia há sete meses.
Mason comprara vários vestidos iguais para que Jackie nunca deixasse de usar aquele mesmo vestido. Até mesmo quando casou, foi aquele vestido que ela usou. O mesmo vestido que a tal Laura vestia no retrato que estava religiosamente pousado na cômoda do quarto, em frente à cama que ambos partilhavam.
Estava cansada de tudo aquilo.
A princípio se apavorou com a obsessão de Mason por essa tal Laura, depois começou se habituando de ocupar o lugar dela, mas tudo mudou quando ele a propôs em casamento e, principalmente, quando eles se casaram minutos após o pedido. Foi aí que Jackie finalmente percebeu que aquilo era o seu fim.
Ela seria escrava da obsessão de Mason para sempre. Ela nunca mais seria livre. Nunca mais veria seu pai, seus primos, sua família, seus amigos. Quiçá, nunca mais veria o rosto de ninguém pelo resto dos seus dias, e isso a apavorou. A acordou para a realidade de que precisava fugir dali. Mas como?
Agora a oportunidade estava na sua frente. Eles sairiam de casa finalmente e viajariam de volta à cidade, mas conseguiria ela fugir dele? Quereria ela mesmo desistir do seu conto de fadas particular e da sua fantasia deturpada?
_______________________
N/A: Contagem regressiva para o final de Stockholm. Essa semana irão ao ar as últimas postagens. Essa será a antepenúltima.
Os restante dois últimos capítulos irão ao ar quinta-feira e domingo.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top