10
Winter's pov:
"Fecho os olhos. Desejo que esse pequeno momento seja real. E desejo que eu possa estar com você mais vezes."
Procuro um lugar na minha escrivaninha em que eu possa colocar a nova pilha de livros que acabou de chegar e lembro da última mensagem que meu pai me enviou, ele quem estabeleceu essa rotina de me enviar alguns exemplares todos os meses. Jogo-me na minha cama, fazendo uma anotação mental para organizar tudo isso antes de começar alguma nova leitura, não quero correr o risco de deixar as coisas acumularem.
Ouço uma batida na porta e mando entrar.
— Trouxe uma coisinha para você. — Ningning entra no quarto com uma sacola que cheira tão bem que meu estômago acorda em questão de segundos.
— Deus! Você salvou minha vida — Pego a sacola que ela me entrega antes se apoiar na mesa.
— Me deixa adivinhar... — Ela bate um dedo exageradamente na frente dos lábios enquanto mordo um pedaço do croissant que ela me trouxe. — Seu pai acabou de enviar a remessa do mês, o que significa que vamos ter várias noites em claro para colocar a leitura em dia.
Continuo olhando para a pilha de livros, tentando fugir das suas próximas perguntas. Às vezes, ela me entende tão bem que chega a me assustar.
Nós nos formamos juntas no ensino médio, e ela com certeza era a palhaça da turma. No entanto, fora desse papel, Ningning também é uma pessoa muito boa. Suas palhaçadas e brincadeiras nunca eram feitas à custa dos outros, e eu sempre adorei sua visão positiva do mundo. Além disso, depois do que aconteceu, ela foi uma das únicas almas a permanecer ao meu lado.
É a garota que permite que eu saia do meu papel de menina perfeita para ser um pouco livre.
— Como você é inteligente, Ningning — digo ironicamente e recebo em resposta um arquear de sobrancelhas de quem não veio aqui só para me alimentar.
— Você tem dormido bem, Minjeong? — Ela pergunta de braços cruzados e uma expressão séria e preocupada.
— Você quer mesmo que eu responda isso? — Abro um sorriso, tentando tirar o peso da sua pergunta.
— O que eu faço com você, hein?
Suspiro, derrotada.
— Eu vou ficar bem — digo antes de dar mais uma mordida no croissant.
— Bom, pelo menos você ainda consegue interagir com as pessoas — ela comenta enquanto folheia um dos meus livros novos.
— O que você está fazendo? — Pergunto, sabendo muito bem onde ela quer chegar.
— O que parece que estou fazendo? Estou conversando com minha melhor amiga.
— Eu tenho certeza de que não é bem isso que estamos fazendo aqui.
— Ah, é? Acho que não entendi direito — mente. Ningning é muito atenta; nunca deixa passar nenhuma palavra que as pessoas dizem. — Bem, já que estamos aqui... — Ela ri, e eu reviro os olhos. — Vamos logo, garota. Não precisa manter a pose de reclusa cheia de segredos comigo. Você sabe que isso nunca funciona entre nós.
— Não sei do que você está falando. Sério, você disse que estava exausta por conta da faculdade, deveria estar usando o final de semana para descansar. Reclama que eu não coloco meu sono em dia, mas está fazendo exatamente a mesma coisa.
— Hum... — murmura Ningning. — Que bom que você está pensando assim. Mas irei descansar em breve, só precisava falar com a Jimin antes.
— Algo importante?
— Digamos que sim. — Ela assente com a cabeça. — Como temos algumas aulas em comum, acabamos fazendo alguns trabalhos juntas. E preciso admitir que Jimin manda muito bem no assunto em questão.
— Tenho certeza de que ela vai ficar muito feliz em ouvir isso. Agora se me der licença, tenho uma pilha de livros novos para organizar.
— Olha só, garota, você sabe que eu te amo como se fosse da minha família, mas acho que está na hora de mudar esse humor e principalmente a forma como trata a garota.
— Eu não tenho necessidade alguma de envolvê-la na confusão que é minha vida — retruco. — Você também deveria entender que é melhor para todo mundo manter distância de mim.
— Claro, com certeza. Mas até quando vai mentir para si mesma? — Ela questiona, cruzando os braços. — Você é uma boa pessoa. E não tem culpa do que aconteceu. Eu entendo você lidar com a situação dessa forma. Mas ela está aqui agora, querendo uma chance para manter uma relação equilibrada com você. Será que você não pode facilitar um pouco, Minjeong?
É tudo o que mais quero, tenho vontade de gritar. Quero dizer a ela o quanto quis implorar para que Jimin me perdoasse, que me desse uma chance de corrigir os meus erros. Mas, se aprendi algo sobre a vida e o amor, foi que os contos de fadas não são reais.
— Giselle vai ter um ataque se descobrir que você está jogando seu precioso tempo fora comigo — aviso.
— Ela não vai descobrir — promete Ningning, negando com a cabeça. — Juro que vou manter nosso segredinho guardado a sete chaves.
— O seu segredinho. Eu não quero ter nada a ver com isso.
— Só para deixar claro: você já está envolvida. De qualquer maneira, sei que vocês não conseguem ficar mais de trinta segundos sem trocar insultos, mas eu acredito que em breve isso irá se resolver.
— Você gosta de ter uma visão positiva sobre o mundo — comento.
— Verdade, mas também fiquei sabendo que você aceitou o convite dela para sair, mesmo que negue isso.
Quero dizer a ela o quanto está enganada sobre isso. Que minha decisão não foi pelos motivos que esta imaginando. E o quanto fiquei irritada no começo.
Mas então percebo que apesar de ter feito aquilo por que queria que Jimin me deixasse ler em paz, fiz aquilo por mim também. Não é como se eu esperasse que nosso passeio realmente fizesse alguma diferença para a minha condição, mas por alguma razão a forma como ela se mostrou preocupada em me ajudar me fez se sentir melhor.
— Bem, não é como se isso fosse se tornar uma rotina.
— Eu sei. Eu sei. — Ningning diz. — Mas tentando ser otimista, vamos supor que as coisas continuem a funcionar entre vocês duas. Talvez surja algo bom de tudo isso, afinal.
Abro a boca para argumentar, mas acabo dando de ombros. Se tem uma coisa que eu aprendi nesses anos de convívio com minha amiga é que é preciso escolher o tipo de discussão em que se vai entrar.
— Ei, Minjeong? — Chama Ningning, e dessa vez, quando olho para ela, vejo preocupação em seus olhos. É o mesmo olhar preocupado que ela me lança quando acha que eu posso me perder. — Como você está? Tudo bem?
— Estou bem — respondo. Essa é a resposta que eu sempre dou quando ela me faz essa pergunta.
Mesmo depois que presenciei a cena de um crime e quase perdi minha vida por isso, respondi do mesmo jeito: estou bem.
Eu sempre estou bem, mesmo quando não estou.
— Certo, então. Olha só, acho que você deveria procurar um hobby ou alguma coisa assim para aliviar a mente do estresse diário. Você ainda gosta de escrever ou algo do tipo? Acho que deveria voltar a fazer isso. Ou poderia entrar em fóruns literários de vez em quando. Qualquer coisa, na verdade.
Sorrio.
— Eu ainda tenho minha coleção de livros em casa, então vai ficar tudo bem.
— Certo, mas se um dia você precisar de alguém para conversar, eu sempre estarei aqui.
Assinto com a cabeça.
— Obrigada.
— Pode contar, Minjeong.
— Ah, e Ningning? Agora eu realmente preciso organizar as coisas por aqui.
Ela revira os olhos e sorri antes de sair do quarto.
Houve uma época na minha vida em que eu confiaria em suas palavras sobre ter coisas boas reservadas para mim. E que tudo o que eu precisava fazer era continuar tentando.
Engraçado como uma manhã de inverno transformou muito do que eu acreditava.
\[...]
Mais tarde naquele dia, sinto um sentimento de completa desorientação enquanto termino de trocar de roupa e saio do meu quarto. Fico me perguntando que tipo de situação me aguarda quando eu sair de casa. Algo me diz que Jimin não vai facilitar as coisas para mim.
Enquanto desço as escadas com uma lentidão quase absurda não posso deixar de pensar que aceitar o convite dela não foi uma das melhores escolhas que já fiz. Mas, como fazer boas escolhas não tem sido um dos meus pontos fortes, isso não me parece tão absurdo assim.
Chego a porta da sala e a vejo ali, de braços cruzados, olhando pela janela. Cada vez que eu a observo, sinto que por debaixo da armadura de garota forte, existe alguém que só quer ser compreendida. No entanto, seguir esse pensamento não diminui o meu receio de acabar falando demais, ainda que eu pretenda não revelar nenhuma verdade mais profunda. Por um segundo, penso em voltar atrás e dizer que não vou a lugar algum só porque ela não consegue lidar com minha situação.
Então, noto a maneira como seu corpo está tenso enquanto ela olha pela janela. Está nervosa, quer dizer, também está animada, mas chego a conclusão de que não sou a única que está ansiosa por ter se deixado levar.
Ela ainda não me viu, e não desvia o olhar. Atravesso a sala para me colocar ao lado dela, soltando as primeiras palavras que me vêm à mente.
— Você está pronta?
— Estava aguardando você — Jimin responde, enfiando as mãos no bolso de trás da calça. Ficamos ali por alguns segundos, apenas olhando uma para a outra enquanto o sol brilha através da janela.
— Hum, é melhor irmos... — sussurro, fazendo um sinal em direção a porta.
Ela sorri e assente com a cabeça. Não demora muito para que eu perceba que esse tipo de atividade ao ar livre ainda não me causa o mesmo sentimento de tranquilidade que antes. Embora, eu já tenha saído outras vezes depois do que aconteceu, a sensação de desconforto em meu peito continua sendo a mesma. Meu lado racional sabe que isso é desnecessário, só que meu lado emocional não consegue entender como isso é possível.
Paro de prestar atenção em todos os sons à minha volta. Fico olhando enquanto Jimin continua a falar, mas em realidade estou lutando para estabilizar minha mente em disparada.
Minha visão começa a ficar embaçada e eu me sinto cada vez mais tonta. Eu vou desmaiar.
Não... Eu vou morrer.
Ele vem em minha direção e se lança para frente...
— Minjeong.
Escuto meu nome, mas não reajo. Eu conheço um ataque de pânico. Eu conheço a ansiedade, mas essa sensação que eu estou sentindo é nova para mim.
Isso parece mais o primeiro passo em direção ao nada.
Eu nunca vou me esquecer daquela manhã no parque. O grande momento que definiu quem eu me tornaria no futuro. O momento que me fez deixar de ser a pessoa que sempre fui.
Meu corpo está paralisado, e eu estou prestes a ceder ao meu colapso quando sinto os braços de Jimin me envolverem. Minha visão embaçada entrar um pouco em foco, e ela me abraça com mais força.
— Está tudo bem — ela diz em tom calmo, a voz grave e estável. — Fique assim um pouco. Respira.
É mais fácil dizer do que fazer.
— Eu...
— Fique em silêncio e tente se acalmar. Você consegue.
Faço exatamente o que ela pede, e toda vez que eu tento falar alguma coisa, ela me impede e diz que eu só preciso respirar.
De maneira lenta, mas certa, meu coração volta a bater no ritmo normal. De maneira lenta, mas certa, sou tomada pela vergonha quando levanto a cabeça e me deparo com o olhar intenso de Jimin pousado em mim.
Passo os dedos em meu cabelo e respiro fundo.
— Desculpa.
— Pare de dizer isso. Deixe seu corpo se acalmar. Ataques de pânico demoram um pouco para desaparecer completamente.
— Você já teve algum?
Ela fica mexendo as mãos e olha para o chão.
— Tive algumas vezes. — Ela faz uma pausa, antes de continuar: — Você vai ficar bem. Só espere um pouco, certo?
Ficamos ali, em silêncio, olhando para a frente, deixando o ar quente do final de tarde tocar nossa pele.
— É melhor eu voltar para casa — sussurro, evitando encarar seus olhos.
— Minjeong...
— Você não precisa se preocupar comigo, sabia? Posso me virar sozinha.
Ela balança a cabeça.
— Mas não deveria.
— Mas eu consigo. Tenho lidado com tudo sozinha há um bom tempo. Você não precisa se preocupar. E pode acreditar, continuar agindo dessa forma não vai me ajudar em nada. Minha mãe fez isso por um bom tempo e nada mudou. Vir até aqui foi uma péssima ideia.
Espero que Jimin se irrite com minha atitude, mas ela não faz isso.
— Já percebi o que você está tentando fazer, mas isso não vai funcionar — Ela diz, abrindo um dos seus sorrisos convencidos. — Pense assim: você vir comigo não é como se eu estivesse preocupada em ajudar você, e sim como se você estivesse se ajudando.
— Não me diga que você vai começar a usar de psicologia agora? — Pergunto, cruzando os braços.
— Ah, você sabe — ela diz, devagar, se inclinando na minha direção. — Se minha carreira como editora não der certo é sempre bom ter um plano B a disposição.
— Parece ótimo — digo, estranhamente encantada com o elevado nível de sarcasmo.
— Bom, se quiser uma sessão comigo, é só dizer.
— E deixar que você descubra os meus segredos mais íntimos? Acho que não.
Nossos olhares se encontram. Ela inclina um pouco a cabeça e me olha. Por um segundo, é como se Jimin me entendesse. Como se soubesse que só faço pose e que minha vida é uma grande bagunça por baixo das marcas de indiferença e irritação.
Desvio o olhar primeiro, antes de fazer alguma coisa da qual vou me arrepender.
Como contar tudo para ela.
— Jimin...
— Olha só...
Nós falamos ao mesmo tempo, e respiro fundo enquanto os dedos dela passam por seus cabelos.
— Você primeiro — peço.
— Eu não queria que você tivesse uma crise. Foi mal. Só achei que precisava colocar um pouco daquela energia para fora.
— Tudo bem — respondo.
— E também só queria te mostrar uma coisa que acho que você vai gostar.
— Ah, mas...
— Minjeong — Ela insiste, estendendo a mão para mim. — Por favor.
Meu olhar se fixa no gesto dela. Sinto um aperto ainda maior no peito... meu coração acelera... Jimin ainda está aqui, implorando para que eu a acompanhe e enfrente um dos meus maiores temores — coisa que nunca fui capaz de fazer sozinha. E eu não sei bem o que pensar sobre isso.
Respiro fundo e seguro sua mão, sentindo um frio percorrer meu corpo enquanto andamos pelas ruas do bairro. Eu não digo nada durante o caminho, principalmente porque minha mente ainda está lutando contra minhas emoções. Para minha surpresa entramos em uma casa e ficamos na sala, onde há um cavalete e um piano no canto. A casa parece maior por dentro que por fora, e é um lugar muito limpo. Há obras de arte em todas as paredes, muitas pinturas com o pôr do sol e o nascer do sol. Todas elas lindas de morrer.
— Que lugar é esse exatamente? — Pergunto.
— Conheci esse lugar na primeira semana que me mudei para Seul — Jimin diz, ainda segurando minha mão. Eu não protesto. — O dono é um antigo colecionador de arte, ele abre a casa ao público nos finais de semana. Então pensei que seria interessante trazer você aqui. Mas pode me dizer se isso não for muito a sua praia. — Ela sussurra, me fazendo sorrir.
— Não, isso é perfeito — digo, sentindo uma sensação de conforto na hora.
Fico em silêncio enquanto exploramos os cômodos da casa, ouvindo os comentários que nosso anfitrião tem a compartilhar sobre cada uma das obras. Estamos aqui há horas, perdidas no tempo enquanto o sol desaparece no céu.
— Você curtiu mesmo esse lugar? — Pergunta Jimin, a voz baixa enquanto observa um quadro. Os fios de cabelo em seu rosto caem sobre os olhos castanho-esverdeados que tem despertado o meu interesse.
Assinto com a cabeça, sem conseguir desviar o olhar do seu rosto, mesmo que ela não esteja olhando para mim.
— Sim.
A gente mal se conhece, mas ela está transformando o meu mundo de uma forma que eu jamais imaginei ser possível.
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