05
Karina's pov:
"Tudo de que eu preciso é um olhar que me diga que está tudo bem."
Acordo por volta das sete da manhã, tomo um banho e opto por uma roupa mais casual. Desfiz minhas malas na noite passada mesmo em uma tentativa de meu cérebro aceitar que vou viver aqui a partir de agora.
Por um momento me pego refletindo sobre minha vida. Como ela era confortável até poucos meses, afinal nunca tinha pensado que eu podia ser infeliz. Bom, também não me questionava se eu era feliz. Mas agora não suporto a ideia de voltar àquela vida, com toda a sua facilidade artificial.
Ao menos hoje começa minhas aulas na faculdade.
Saio do quarto e desço as escadas até a cozinha, sentindo o cheiro do café sendo preparado por Hayun. Não consigo evitar ficar surpresa quando vejo Kim Taeyeon sentada ao balcão, usando roupas sociais e olhando para um Tablet em suas mãos. Ela é uma mulher bonita. O cabelo claro, os olhos castanhos, e uma fisionomia capaz de chamar atenção com facilidade.
Minha mãe sempre disse que ela e a filha eram bem parecidas, e eu tenho a oportunidade de confirmar o quanto isso é real.
— Bom dia — digo, fazendo-a erguer o olhar do Tablet. Entro na cozinha e à medida que eu me aproximo, seu sorriso fica mais visível.
— Diga-me que você não está aí há muito tempo — ela diz, se levantando.
— Acabei de descer — respondo, seguindo até ela.
— Você dormiu bem? — A Sra. Kim pergunta, indicando para que eu me sente ao seu lado. — Precisei fazer uma viagem a Icheon e só cheguei ontem bem tarde.
— Eu sei, mas está tudo bem.
Quando me sento ao seu lado, ela olha para mim e sorri.
— Você está linda.
Dou uma risada.
— Obrigada.
Ela assente com a cabeça.
— Fiquei um pouco surpresa com o pedido de Joohyun. Não que eu não esteja feliz em revê-la, mas ainda não entendi muito bem por que tamanha preocupação por parte dela?
Arqueio uma das sobrancelhas, surpresa.
— Minha mãe não te explicou? Eu tinha certeza de que ela já teria explicado depois que sugeriu que eu ficasse aqui.
— Do que você está falando? — Ela pergunta, sem entender. — Joohyun comentou comigo sobre alguns problemas que você teve, mas não entrou em muitos detalhes.
Sinto um aperto no peito.
Grande parte de mim esperava que minha mãe já tivesse explicado tudo para ela, para que eu não tivesse que assistir à decepção que a atingiria quando soubesse do meu passado fracassado. Engulo o orgulho e começo a contar o motivo das minhas mães não quererem me deixar sem supervisão nesses primeiros meses em Seul. Mas não consigo olhá-la nos olhos enquanto conto. A culpa e o constrangimento são difíceis demais para mim, então mantenho o olhar fixo em minhas mãos.
Quando termino, fecho os olhos, esperando ouvir o comentário dela.
— Hum... — A Sra. Kim respira fundo e pousa a mão no meu joelho. — Lidar com isso é algo difícil.
— Mais difícil do que eu jamais imaginei — concordo.
— E Joohyun tem medo de que você acabe se envolvendo em algo errado por conta de todas essas questões?
Dou uma risada.
— Ela praticamente me obrigou a ficar na casa de uma amiga, Sra. Kim. Acho que nada pode estar mais visível que isso.
— Mas e você... Já conseguiu superar tudo? Tem receio de que possa ter um deslize em algum momento?
Fico em silêncio porque a resposta é sim, e eu sinto uma enorme vergonha.
Eu me envergonho das partes de mim que ainda temem o meu passado.
— Você não precisa ter vergonha, Jimin — ela diz, como se conseguisse ler a minha mente. — Você não pode fingir que seus sentimentos não existem porque tem medo do que esses sentimentos possam significar. Às vezes, a coisa mais difícil do mundo é superar as marcas do passado.
— Você tem razão — digo em um sussurro rouco e dolorido. — É por isso que eu entendo a atitude das minhas mães. Elas acompanharam de perto todo o meu declínio e as consequências disso.
— Mas também acompanharam sua recuperação, não? Tenho certeza de que elas estão orgulhosas pelos passos que você vem dando, Jimin.
Dou de ombros.
— Não sei bem ao certo. Tudo aconteceu tão rápido. Estou me sentindo tão perdida.
— Você não está perdida; só está tentando entender as coisas. E agora vai ficar um tempo aqui em casa, o que é ótimo. Você precisa estar cercada de coisas e pessoas que lhe são familiares. Só tem que relaxar um pouco.
— Obrigada, Sra. Kim — agradeço com sinceridade, enquanto Hayun serve o café da manhã.
— Por falar nisso — ela continua, me lançando um olhar curioso. — Como foi seu primeiro encontro com minha filha?
— Bom? — Arrisco.
Ela sorri de lado.
— Quer falar a respeito? — Pergunta, me encarando.
— Nem saberia por onde começar.
— Minjeong causa essa reação nas pessoas. Chegam todas esperando sentir empatia, mas vão embora querendo estrangular minha filha.
— Isso resume bem a coisa — comento. Então me lembro da tarde passada, na varanda, quando nós quase nos conectamos antes que Minjeong voltasse a se fechar em copas. — Mas acho que vou conseguir me entender bem com ela.
A Sra. Kim parece surpresa.
— Isso sim é algo inesperado.
— Imagino que seja — digo, me servindo dos pães que Hayun colocou sobre o balcão, juntamente com algumas frutas, café e suco.
— Minjeong nem sempre foi assim. — Ela diz com pesar na voz. — Tudo mudou depois... bem, você sabe.
Na verdade, eu não sei ao certo o que aconteceu com ela, mas sei como tudo isso vem afetando essa família. Ainda que minha mãe tenha comentado algumas coisas comigo, não é preciso de muito para perceber que a relação delas duas está abalada. E para minha surpresa, isso desperta em mim um interesse que eu achei impossível de existir.
— Minjeong vai descer para tomar café? — Pergunto.
— Depende. Na maioria das vezes, sou só eu e Hayun. — A Sra. Kim responde num tom baixo.
Então, Minjeong realmente não faz as refeições com a família. Percebi isso ontem na hora do jantar, mas pensei que sua ausência fosse devido a minha presença.
— Sei o que está pensando — Ela diz, trazendo-me de volta a realidade. — Minha filha faz a maior parte das refeições na biblioteca, e às vezes no seu quarto. Mas você pode comer comigo sempre que quiser.
— Claro, vai ser um prazer.
Depois do café, pego meu carro e vou até a Yonsei University, uma das maiores e mais conceituadas instituições de ensino de Seul. E meu futuro local de estudo.
Três das minhas quatro disciplinas são no mesmo prédio: uma das vantagens de se estar na graduação é que todas as matérias são semelhantes e normalmente ensinadas no mesmo local. A primeira das minhas quatro aulas, entretanto, acontece do outro lado do campus. É uma eletiva do ciclo básico. Achei que seria interessante, pois entendo bem do assunto em questão. E também não havia nenhuma outra matéria que eu pudesse cursar no horário das oito da manhã, então vou ter de ficar com essa se quiser que todos os meus créditos sejam contabilizados.
Ao entrar, vejo que os alunos estão espalhados pelo local. É uma sala parecida com um auditório, com mesas para duas pessoas. Subo a escada e me sento no fundo da sala.
As mesas ficam cheias rapidamente, exceto pelo lugar vazio ao meu lado. É o primeiro dia do semestre, então hoje provavelmente é o único dia em que o pessoal vai chegar cedo. Normalmente é assim que acontece; o fator novidade já desaparece no segundo dia de aula. É difícil o professor ter todos os alunos presentes depois disso.
Meu telefone vibra dentro do bolso. Tiro-o e deslizo o dedo na tela. É uma mensagem da minha mãe.
"Vou ficar presa no trabalho. Espero que goste das suas aulas. Amo você e te ligo à noite."
O professor começa a fazer a chamada. Respondo ela rapidamente, “Tudo bem. Amo você também”, e guardo o telefone no bolso.
— Yoo Jimin? — Diz o professor.
Levanto a mão. Ele olha para mim, assente com a cabeça e marca no papel. Percebo que uma garota ruiva na primeira fileira vira-se completamente. Quando meu olhar encontra o dela, fico surpresa. Ela sorri e acena ao ver que a reconheci. Então pega suas coisas, se levanta e sobe a escada.
— Jimin, que coincidência! — Diz, sentando-se ao meu lado.
Sorrio, tentando descobrir se isso é alguma espécie de pegadinha.
— Oi, Ningning.
— Como você está? — Ela sussurra.
— Estou bem — respondo. — Não imaginei que fosse encontrar você aqui.
— Na verdade também estou surpresa — ela diz, parecendo não acreditar na nossa atual situação. — Sei que você está em Seul por conta da faculdade, mas nem sequer cogitei a possibilidade de que fosse cursar letras.
Encontrei com ela apenas uma vez. Na verdade eu nem a conhecia até um dia atrás, para dizer o mínimo, mas ela parece genuinamente animada por ter me encontrado.
Ning Yizhuo parece ser realmente uma personalidade no meu novo círculo social. Ela vê as coisas e as pessoas de um jeito que quase ninguém consegue ver. É preciso uma pessoa muito especial para ver além daquilo que as pessoas deixam transparecer.
— Como é que você faz isso, Ningning? Como é que você consegue ser tão receptiva com alguém que acabou de conhecer?
Ela dá de ombros.
— Meus pais me ensinaram a olhar com atenção, sabe? É fácil olhar para alguém fora do seu mundo e fazer uma porção de afirmações e julgamentos sobre quem aquelas pessoas são. Porém, quando olha com atenção, quando realmente enxerga a pessoa ao seu lado, vê muitas coisas iguais.
Gosto mais disso do que consigo demonstrar.
Quando o professor começa a explicar as exigências do semestre e o programa de estudos, nós duas viramos para a frente e não dizemos muita coisa mais, fora um ou outro comentário dela sobre a matéria. Quando o professor nos dispensa, eu me levanto rapidamente e ela me acompanha.
— Que ótimo vê-la, Jimin — ela diz enquanto saímos da sala. — Agora estou mais animada com essa matéria. Temos muito o que compartilhar.
Dou uma risada.
— Isso é você quem está dizendo — brinco.
Quando saímos para o corredor, uma garota com um sorriso animado olha na nossa direção.
— Então essa é a garota de quem você tinha me falado? — Ela diz ao se aproximar. Tem longos cabelos castanhos, rosto atraente e veste roupas casuais: calças jeans, camisa e jaqueta.
Com um sorriso, Ningning diz:
— Jimin, essa é Uchinaga Aeri.
— Mais conhecido como o amor da vida dela — A garota acrescenta com um sorrisinho.
Elas trocam um olhar de cumplicidade, e eu estreito meus próprios olhos. Está óbvio que elas são mais que boas amigas. O que é bom, porque isso significa que Ningning tem mais alguém com quem conversar na faculdade.
— Soube que você veio de Busan — diz Aeri.
— Sim, estava precisando de uma mudança de ares.
Ela assente com a cabeça.
— Você vai gostar daqui. E se precisar de ajuda pelo campus pode contar comigo. Mesmo amando essa faculdade, eu sei que ela às vezes pode ser muito sufocante.
— Talvez eu aceite essa oferta.
— É para aceitar. — Ela diz, sorrindo.
Conversamos mais um pouco e depois que nos despedimos vou para o local da minha segunda aula enquanto penso num jeito de contar essas novidades para Yeji.
\[...]
A tarde estou de volta ao meu novo lar. O lugar é realmente tão grande e impressionante quanto pareceu no dia anterior. Mas embora tudo seja muito moderno, eu não posso deixar de lembrar que uma pessoa vive isolada em meio a tudo isso.
Admito que meus conhecimentos de psicologia são limitados a algumas sessões que fiz na época da reabilitação, mas posso apostar que os problemas de Minjeong são muito mais emocionais do que psicológicos. E suspeito que, lá no fundo, ela também sabe disso.
E apesar de tentar se redimir pela hostilidade que demonstrou ontem, ela certamente ainda quer manter distância.
Estou um tanto decepcionada, mas não surpresa. Afinal de contas, ela deixou bem claro para que eu respeitasse o seu espaço.
Passo as horas seguintes no meu quarto. Ligo para Yeji e descrevo meu primeiro dia da melhor forma possível. Embora mencione que Minjeong é mais nova do que eu esperava e ridiculamente linda — é o privilégio da melhor amiga: não posso não contar isso a ela —, não comento sobre como ela é uma pessoa extremamente fechada.
Assim, mato o tempo visitando as redes sociais. E quando estas se esgotam, fecho o notebook e procuro o livro que estava lendo na tarde anterior.
Uma das minhas metas pessoais nessa grande aventura em Seul é ler mais. Quer dizer, sempre li uma boa faixa de obras literárias e dava a atenção necessária aos livros da escola para garantir boas notas. Mas, nos últimos tempos, fui meio relapsa com a leitura.
Abro a porta do quarto, tentando ouvir algum sinal de Minjeong.
Nada. Espero que isso seja um sinal de que ela está na sala da biblioteca. Kim Minjeong ainda não sabe, mas está prestes a ter companhia enquanto faz suas coisas naquele cômodo.
Bato à porta da sala, mas percebo que assim ela vai ter a chance de se trancar dentro do cômodo. Então entro, e o que vejo à minha frente é uma cena... bem, muito agradável. A iluminação está baixa já que a janela faz seu trabalho nessa questão, e tem uma garota linda sentada em uma das poltronas, segurando um livro e com uma xícara chá.
Por um momento, me arrependo de verdade de estar me intrometendo. Ela não parece uma vítima que precisa de ajuda, só uma garota tentando ler em paz na biblioteca em uma tarde qualquer.
Enquanto penso em ir embora e deixá-la sozinha, ela tem que abrir a boca.
— Posso saber até quando você pretende ficar parada aí na porta?
— Estava esperando você ter o bom senso de me convidar — digo, fechando a porta —, mas já que isso não vai acontecer...
— Por favor — ela diz, ainda sem levantar os olhos do livro. — Não venha me impor as regras de etiqueta que você deve ter aprendido desde a infância.
— E por que acha que eu tive aulas de etiqueta? — Pergunto, me aproximando.
— Google. Sua família é importante.
— Para alguém que disse ter poucas coisas que odiaria mais do que ter interesse na minha vida, você está se saindo muito bem.
Minjeong arregala os olhos em minha direção.
— Só fiz isso pra saber até onde vai essa imagem de garota modelo.
Eu a avalio por um segundo, tentando descobrir se está falando sério. Não sei dizer, então recorro ao sarcasmo de sempre.
— Acredite, você não poderia estar mais enganada sobre isso.
Agora é ela que me olha sem saber se estou brincando. É até engraçado, de um jeito um tanto esquisito. Vamos ficar melhor se não falarmos de mim.
— Mas e aí, o você está lendo? — Pergunto, arriscando sentar na poltrona a lado da sua, embora não tenha sido convidada e não seja bem-vinda.
Ela grunhe.
— De novo isso? Sei que vamos conviver nesta casa, mas precisamos mesmo nos conhecer? Não podemos ficar só em silêncio?
— Tudo bem — digo, me acomodando na poltrona. — Vinte minutos de silêncio em troca de um jantar em família.
— De jeito nenhum — Minjeong recusa, calma, com sua atenção voltada ao livro enquanto vira a página.
— Vai — insisto, abrindo um sorriso inocente. — Pense na sua mãe. Ela me disse que geralmente come sozinha.
Ela me ignora.
— Minjeong.
Seus olhos brilham de novo, e por um breve momento a expressão em seu rosto é quase surpresa. Percebo que é a primeira vez que a chamo pelo nome sem ser em um dos nossos momento de insultos cheios de clichês. Tenho certeza de que não sou só mais apenas uma hóspede. Só não sei o que sou.
— Posso ficar falando sozinha por bastante tempo — continuo, tentando aliviar a tensão do momento. — Vamos ver, tenho tantas histórias interessantes para compartilhar, mas acho que você merece ouvir sobre as minhas grandes aventuras amorosas...
— Está bem! — Ela me interrompe. — Desisto. Me dá uma hora de silêncio agora e janto com vocês mais tarde.
— Viu? Não foi tão difícil.
Ela dá um golinho no chá e me avalia.
— Você é irritante.
Nunca me chamaram de irritante antes. Quando eu estava em Busan, ouvia os comentários de algumas pessoas que me conheciam. Elas me chamavam de bêbada porque eu já tinha sido uma. Elas me chamavam de drogada por causa das minhas companhias, ainda que eu nunca tenha usado nada. Elas me chamavam de vagabunda porque era o único rótulo inteligente em que conseguiam pensar.
Nada daquilo me incomodava porque eu não dava a mínima para o que pensavam sobre mim.
Mas Minjeong? Há algo nela que desperta esse outro lado meu. E eu meio que gosto.
Dou de ombros, sem me desculpar.
— E eu espero muito que você não esteja planejando nenhuma gracinha. — Ela diz, encarando-me.
Levo a mão ao peito, como se fosse uma escoteira.
— Sem gracinhas durante o jantar. Só em momentos como agora. Então você vai ter que me aturar.
Ignoro seu resmungo e me acomodo para ler. E talvez as vezes desvie minha atenção para a garota mais interessante que já conheci.
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