01
Karina's pov:
"O quanto uma pessoa precisa chegar perto do fim antes do recomeço?"
Ergo a cabeça, estreitando os olhos para a luz do sol. Não posso vê-lo com clareza, apenas sua silhueta contra o céu, mas sorrio comigo mesma enquanto viro o capuz do moletom cinza sobre os cabelos e disparo pelo cais.
Venho querendo fazer isso... bem, há uma eternidade, desde que minhas mães compraram uma casa de veraneio no local há alguns meses. Elas se mudavam muito; é algo com que eu simplesmente me acostumei com relação à minha família. Minhas mães eram funcionárias de uma multinacional e iam aonde o trabalho as mandava, ficavam por algum tempo e depois seguiam adiante.
Devido a isso, por muito tempo eu não tive a oportunidade de fazer amigos. Foi somente há dois anos, quando elas se estabeleceram em Busan que as coisas começaram a mudar. Eu só não posso dizer que foram exclusivamente para melhor.
Balanço a cabeça e me afasto do local onde minhas mães estão dando uma social. O sol quente aquece minha pele. Seguindo para a beira do cais, tiro meu tênis e minhas meias. Mergulho meus pés na água fria e deito na doca de madeira, que range com meu peso.
O celular toca no bolso do meu short com a chegada de uma mensagem, mas eu o ignoro. Sei que já perceberam a minha ausência e não tenho o menor interesse de voltar para casa agora. Nada naquela social vai me interessar.
Eu entendo que esse tipo de confraternização é importante para minhas mães e o negócio delas, mas odeio ser arrastada para isso todas as vezes.
Tudo é tão irritante, desde as fofocas desnecessárias até as pessoas de mente pequena que sempre aparecerem. Elas agem como se tivessem saído diretamente de um filme clichê com personagens estereotipados de cidadãos fictícios, embora os estereótipos decorram de fatos reais. Talvez a alta classe coreana seja o modelo usado para esses filmes. De qualquer maneira, eu odeio esse tipo de coisa.
Não dá para dizer que essas pessoas são ignorantes em relação ao mundo real fora dos limites das suas riquezas, porque não são. Eles sabem o que acontece lá fora.
Eles sabem que o país está uma bagunça. Entendem que a pobreza esta presente na nossa nação e tem ouvido histórias sobre o crime organizado. Sim, a alta classe coreana sabe muito bem como o mundo real funciona, mas eles simplesmente preferem conversar sobre coisas que não tem a menor importância, e esse é um dos motivos por que eu odeio ir nesses eventos sociais.
Com todo o ódio que eu sinto por isso, é bom saber que o sentimento é mútuo. Muitas das pessoas que me conhecem mantém distância tanto quanto possível — talvez até mais.
Eu já ouvi algumas delas cochichando sobre mim, mas não me importo. Elas me chamam de inconsequente e isso me incomodou no começo, mas quanto mais tempo passa, mais eu percebo que isso já foi uma verdade. As pessoas fabricaram uma visão errada de mim por conta dos meus erros e, depois de um tempo, eu desisti de tentar corrigir isso.
Eu não posso me importar menos com o fato de essas pessoas gostarem da minha presença ou não. Mas mão admito que meus erros recaiam sobre minhas mães.
Na maior parte do tempo, elas estão rodeadas por amigos e pessoas de boa índole. Mas nenhum círculo social é perfeito, então não é surpresa quando algum inconveniente aparece. As perguntas que fazem são tão ofensivas e invasivas, mas elas lidam bem com tudo — melhor do que eu lidaria.
Elas fazem jus ao nome e ao papel que desempenham na sociedade, agindo sempre com postura e elegância.
Mas eu? Muitas vezes preciso me esforçar muito para não atacar todo mundo que as incomoda. Talvez eu mereça os comentários rudes. Talvez eu tenha errado tanto que mereça o lado feio da cidade, mas minhas mães?
Elas não fizeram nada de errado.
Por isso minha situação atual é a mais correta: eu estou de mudança para Seul.
Os passos que escuto atrás de mim são tranquilos. Sei quem é antes mesmo que fale alguma coisa.
— Imaginei que fosse encontrar você aqui. — Me viro e vejo Kang Seulgi andando em minha direção. Suas mãos estão enfiadas nos bolsos. Ela se aproxima e senta-se ao meu lado. — Joohyun está te procurando. Posso saber por que está aqui e não na casa de veraneio? — Não respondo. — A família Hwang acabou de chegar e Yeji perguntou por você.
Respiro fundo, e em seguida olho para ela.
— Como você sabia que eu estaria aqui? — Pergunto, sentindo que não vou conseguir fugir por muito mais tempo. Minha mãe consegue ser bem persuasiva com as palavras.
Ela olha para mim, parecendo perplexa com a minha pergunta.
— Talvez por que você sempre sai para correr quando se sente sobrecarregada. — Diz. Então sorri e dá de ombros. — Mas quem pode saber? Eu posso estar errada, e tudo não passar de um golpe de sorte.
Seulgi está sempre sorrindo, e isso faz com que todos à sua volta sorriam também. Ela é linda e não faz o menor esforço para isso. Desde sua constituição física e mental, até os gestos. Seu sorriso é tão bonito que faz com que todos se sintam protegidos quando olham para ela.
Ergo o corpo e me sento. Penso de novo em sua pergunta, por que eu não estou na social. Como poderia estar?
— Não me entenda mal, mãe. Eu só precisava respirar um pouco... — Olho em direção a nossa casa. — E tenho a impressão de que as coisas estão bem animadas por lá.
— Eu entendo. Mas imaginei que fosse querer aproveitar seu último final de semana em Busan com seus amigos. — Ela para e torna a olhar para mim. — Você está bem, Jimin?
Abro um sorriso forçado e assinto com a cabeça.
— Tenho algumas coisas para terminar de organizar antes da viajem. Só vim dar uma corrida em volta do lago para relaxar um pouco.
— Jimin, estou preocupada com você. Joohyun também está. — A preocupação é evidente em seu tom de voz, encharcada de pesar pela minha vida.
— Por quê? — Pergunto, esticando meu braço para me alongar. Ela olha para mim como se eu tivesse acabado de fazer a pergunta mais idiota do mundo.
— Em algumas horas você vai estar embarcando para uma vida completamente nova, mas está agindo como se nada estivesse acontecendo.
Abro um sorriso inocente.
— Talvez eu só esteja tranquila quanto a isso... — Já tinha imaginado essa conversa diversas vezes na minha cabeça, durante semanas. Esperava que ela tivesse entendido por que tenho que me mudar, por que não tenho outra escolha. — Sei que entrar para uma das melhores faculdades de Seul é uma coisa incrível, mas não me sinto muito ansiosa por conta disso.
— Tá, é só que... Depois de tudo o que aconteceu no último ano... — Suas palavras vão sumindo. — Só quero que você saiba que estamos aqui. Se precisar de nós. Sei que Joohyun e eu andamos meio ocupadas por conta do trabalho. — Ela faz uma pausa e muda de posição. — Mas... se quiser conversar, estamos aqui.
Só assinto com a cabeça em resposta. Se eu contar as minhas mães sobre meus recentes dilemas pessoas, elas vão ficar preocupadas e, sempre que isso acontece, deixam suas vidas em segundo plano.
Eu definitivamente não vou causar mais nenhum problema as duas pessoas que amo. Engulo em seco.
— Está tudo bem, mãe. — Digo, me levantando. — Mas acho melhor voltamos antes que uma equipe de busca venha nos procurar.
\[...]
Como imaginei, o clima da social é um pouco corporativo demais para pessoas que vestem roupas casuais e curtem um fim de semana longe do trabalho.
Cumprimento alguns amigos da família por quem passo e quando ergo o rosto, encontro o olhar orgulhoso das minhas mães. Elas são as pessoas mais interessadas em fazer todo mundo acreditar que estou adorando a nova fase da minha vida. O mais deprimente é que todo mundo parece realmente disposto a acreditar nisso. Sempre que passam por mim, reagem com adulação, como se estivessem diante de alguém realmente importante.
Pelo menos minha melhor amiga sabe como realmente estou me sentindo.
Yeji e eu nos conhecemos pouco depois da minha família se estabelecer em Busan. Ela e o irmão são praticamente as únicas pessoa em quem confio para manter amizade. Ao longo do último ano que frequentei a escola particular, eles foram minha melhor companhia em momentos decisivos da minha vida.
Desde que contei para ela essa história de ir para Seul, duas semanas atrás, Yeji me garantiu que, independentemente de qualquer coisa, será sempre minha melhor amiga.
— Posso vir visitar você em algum feriado — digo, diante do medo de Yeji sobre o destino das nossas aventuras. — Podemos marcar alguma coisa aqui.
Ela contrai os lábios em reprovação e toma um gole de champanhe.
— Isso vai levar muito tempo — diz, dando uma rápida inspecionada no meu rosto com seu olhar felino.
— Acho que você pode curtir com as garotas — sugiro, dando de ombros.
Quando estudávamos juntas, sempre encontrávamos uma forma de fugir da rotina para curtir um pouco pela cidade sem que ninguém soubesse que a filha perfeita dos Hwang era ótima no quesito diversão. Claro que aquilo sempre era ideia da Yeji. Ela era ótima em me levar para suas aventuras.
— Não olhe agora, mas preciso te avisar que aquelas pessoas acabaram de chegar — minha amiga murmura no meu ouvido.
Ela arregala os olhos de forma apreensiva. Não preciso me virar para saber que o motivo da preocupação dela provavelmente é um casal de meia idade porque é essa a reação que meus amigos tem quando eles e eu estamos no mesmo recinto.
Kim Seungmin e Kim Eun são um desses casais agradáveis e charmosos que atraem pessoas como um ímã. Até algum tempo atrás, nós éramos bem próximos. Eu namorei a filha deles, Minju, por quase um ano, quando éramos mais novas. Provavelmente ainda estaria com ela hoje se tudo não tivesse saído dos eixos entre nós.
Virando-me, eu os vejo conversando com alguns amigos da família. Eles olham para mim e sorriem, mas seus olhos parecem tristes. A parte de mim que costumava ser próxima deles quer abraçá-los para que a dor passe. Mas depois do que Minju fez, nossa relação está abalada.
Demorei meses para me recuperar. E até sinto que eu mereço tudo pelo que tenho passado. Mas juro que não consigo acreditar que aquele casal mereça estar tão triste. No fundo eu espero que algum dia eles consigam se recuperar dos problemas que a filha vem lhes causando.
— Você está bem? — Yeji pergunta, uma ligeira inquietação na voz. Se existe alguém mais preocupada comigo do que minhas mães, esse alguém é Yeji.
Desvio o olhar do casal Kim.
— Claro. Só preciso de um minuto.
Mas fugir não é uma tarefa simples. Sou parada várias vezes por pessoas me dizendo que sempre souberam que eu tinha talento e que uma grande oportunidade estava reservada para mim. Finalmente consigo me servir de um copo de chá gelado para rebater a dor de cabeça iminente e me dirijo aos fundos para me isolar no jardim, onde quero ficar por um tempinho.
Só que, antes que eu possa escapar, minha mãe me segura pelo braço.
— Aonde você está indo?
Aponto para o salão lotado de pessoas.
— Só vou tomar um ar.
Bae Joohyun estreita os olhos, mas solta meu braço.
— Você não precisa mentir. Eu vi quando a família Kim chegou. Isso incomodou você?
— Está tudo bem. Na verdade, a culpa é minha. Acho que estou sendo um pouco dramática demais.
— Você tem o direito de se sentir assim depois de tudo pelo que passou.
— Acho que eu precisei daquilo para me fortalecer — falo, dando de ombros. Então, sorrio porque minha mãe está começando a franzir a testa. — Estou bem, só um pouco cansada.
— Quer que eu tente conversar com eles outra vez?
Balanço a cabeça. Sei que é inevitável que eu os encontre vez ou outro já que trabalham na mesma área que minhas mães. Além disso, eles não tem nenhuma culpa dos erros da filha e sempre se mostraram solícitos com a minha situação. Então não há motivos para causar um constrangimento maior entre nossas famílias.
— Seulgi disse que encontrou você no cais — ela comenta.
— Eu não estava com muita vontade de ficar nessa social — respondo, sabendo onde isso vai terminar.
Na maior parte do tempo, ter a companhia da minha mãe é maravilhoso. Levaria uma eternidade para conseguir citar todas os benefícios disso. Mas tem também as partes não tão maravilhosas. Por exemplo quando ela começa a prestar muita atenção em mim.
Chega a ser inusitado ver Bae Joohyun, a mulher elegante e séria do mundo dos negócios, agindo de forma tão íntima e gentil. Mas ela não parece nenhum pouco incomodada em estar dedicando seu tempo com essa finalidade. É mais como se ela me desse a percepção de que sua carreira jamais será a maior prioridade em sua vida.
— Que pena. — Ela faz uma careta e cruza os braços. — Porque eu acabei de encontrar com o Seokjin e ele comentou algo sobre a lista de lançamentos para o próximo semestre da editora em que trabalha.
Meus olhos se arregalam no instante que recebo essa informação.
— Mas já que não tem interesse em ficar aqui, vou falar...
— Não! — Grito, balançando a cabeça. Pigarreio e me empertigo. — Pode deixar, eu vou falar com ele.
Ela ri e tira alguns fios de cabelo do meu rosto com carinho.
— Você é perfeita do jeito que é. Não dê atenção aos comentários desnecessários, Jimin. As pessoas que realmente importam conhecem você pela pessoa que é.
— Está bem.
Ela assente com a cabeça.
— Quando quiser que eu converse com eles, é só me falar. Estou aqui para o que você precisar.
— Mãe?
— O quê?
— Vocês não aceitaram muito bem minha mudança, não é? — Pergunto, a voz um pouco mais baixa. As duas ainda agem com certa cautela quanto a isso.
Ela abre um sorriso sem graça para mim, que claramente significa que não.
— Foi por isso que interferiram quanto a questão da minha moradia em Seul? — Insisto.
— Jimin, porque ficar nos dormitórios da faculdade quando você têm a oportunidade de se hospedar na casa de uma amiga da família? Taeyeon não viu problema algum em relação a isso. Na verdade, acha que vai ser bom ter mais alguém em casa além dela e da filha.
— Ela sabe do meu passado? Não acha que eventualmente eu vou causar problemas?
Minha mãe pigarrea e olha para mim da maneira mais gentil que eu já vi na vida. Então, dá de ombros.
— Ah, Jimin — começa, com a voz suave. — Você sabe a resposta para essas perguntas.
Olho para meu punho e vejo uma daquelas pulseiras de borracha. O Dr. Park me deu a pulseira alguns anos antes quando fui para a reabilitação. Eu quase consigo ver seu cabelo castanho e seus olhos bondosos olhando nos meus, me lembrando de que eu sou mais forte do que meus piores momentos.
O Dr. Park me obriga a puxar a pulseira sempre que eu me sentir fraca ou tiver o impulso de voltar a beber. É um lembrete de que o que eu fizer em seguida vai ser real, assim como a dor. Minha próxima escolha pode controlar todas as outras escolhas que virão depois.
Minha escolha não pode ser a bebida.
Eu não a uso mais para frear minhas emoções.
Eu não a uso para fazer com que não me sinta vazia por dentro.
Eu estou longe do álcool há mais de dois anos e não quero que isso mude. Principalmente por causa das pessoas de Busan.
— Ninguém está condenando você pelo seu passado, Jimin. — Minha mãe diz, trazendo-me de volta a realidade. — Você pode ter errado, mas não pense, nem por um segundo, que não somos capazes de enxergar cada uma das suas conquistas. Estamos aqui por você. Sempre ficaremos aqui por você.
Meus olhos se enchem de lágrimas.
— Eu só quero que você seja feliz, mãe.
Ela ri.
— Sabe o que me faz feliz?
— O quê?
— Ver você feliz. Então, continue seguindo os seus sonhos. Isso é tudo o que sempre quis. — Ela se aproxima de mim, me da um beijo na testa e se junta a Seulgi.
Fico ali mais um pouco, pensando no que ela disse. Eu posso ter o apoio das pessoas que me são importantes, mas elas não sabem que a razão pela qual estou saindo do Busan não está relacionada apenas a faculdade na qual ingressei, mas também ao fato de eu precisar me afastar de tudo isso.
Para mim, ir para Seul não é uma forma de seguir meus sonhos e ideais.
É uma forma de tentar me reencontrar.
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E aí, galera!
Seguinte, essa fic é a releitura de uma das minhas primeiras fics. Então irei atualizando conforme o feedback de vocês.
Espero que curtam e nos vemos em breve. ;)
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