14 - Combo de idiotas
— NOTAS INICIAIS —
Boa tarde, meus amores!
Muito obrigada por todo o carinho e vou responder os comentários do capítulo anterior depois, mas agradeço demais cada um deles e todos os surtos aqui.
Vou só jogar esse capítulo aqui hoje, leia por sua conta e risco <3 muito obrigada~
Boa leitura!
— * —
Namjoon estava sentado no balcão da cozinha, fitando as frutas fatiadas dentro do pote que havia encontrado na geladeira. Não fazia ideia de quanto tempo elas estavam ali e tampouco pretendia comê-las, mas havia algo de reconfortante no modo como elas estavam cortadas de forma quase perfeita.
Ainda sim, não aliviava o incômodo dentro de seu peito desde que retornou da delegacia com Taehyung e nada do que fazia parecia aliviar aquela pressão.
— Sozinho no escuro? — Hoseok perguntou ao surgir na porta, encostado no batente com os braços cruzados. — Não é do seu feitio.
— Precisava de um lugar silencioso para pensar.
— Tem uns cinquenta quartos nessa mansão — Hoseok franziu as sobrancelhas e se aproximou do amigo —, por que escolheu a cozinha?
— São apenas treze quartos — corrigiu Namjoon, tirando os óculos do rosto e os depositando no balcão a sua frente. — Não sei, uma lembrança mínima da minha infância. Eu costumava ir para a cozinha e desfrutar do aroma da comida quando tinha algum dever muito difícil.
— Não consigo te imaginar com dificuldade em fazer lição de casa. — Hoseok riu alto e Namjoon apenas sorriu. — O que tá te preocupando, anjo?
Namjoon apoiou os cotovelos no balcão e cruzou as mãos na frente do rosto. Por um momento, Hoseok achou que o amigo fosse ignorar suas perguntas, imerso nos próprios questionamentos. Contudo, depois de alguns segundos, Namjoon soltou um suspiro cansado e ergueu o rosto.
— Você não acha estranho como esse homem — Namjoon gesticulou com a mão e fez uma careta, algo bastante inusitado de sua parte —, o tal Bogum, entrou com facilidade em uma mansão com alarmes de alta tecnologia?
— Bom, ele pode ser um hacker muito habilidoso — ponderou Hoseok, mas nem ele próprio acreditava nisso. — Onde você quer chegar?
— Essa mansão de vidro é em um condomínio seguro, isolada, com tecnologia de ponta e minha família já passou várias férias aqui sem precisar de seguranças. — A voz de Namjoon era baixa, como se ele tivesse receio de que mais alguém fosse escutar aquela conversa. — É impossível que ele tenha entrado aqui sem ajuda.
— Espera aí... — Hoseok deu impulso e sentou em cima do balcão, ficando ainda mais perto de Namjoon. — Tá querendo me dizer que acha que alguém aqui de dentro ajudou ele a entrar?
— Exatamente o meu ponto.
— Não seja cretino! — A voz de Hoseok se elevou e Namjoon franziu o cenho com a revolta alheia. — Nós somos amigos! Você seria capaz de acusar um de nós?
— Hobi... — Namjoon colocou os óculos e flexionou os braços, a blusa de gola alta grudando em seu corpo. — Não estou insinuando que foi um de nós, embora em uma lógica imparcial, eu devesse — Hoseok fez uma careta desgostosa, mas Namjoon o ignorou. — Meu ponto é, existem duas pessoas aqui dentro que, apesar de eu conhecer há bastante tempo, jamais colocaria minha mão no fogo.
— Own, que fofo, você colocaria sua mão no fogo por nós?
— Não perca o foco. — Namjoon empurrou a testa de Hoseok com o indicador para que o amigo se afastasse. — Preciso descobrir qual dos dois é o envolvido e porquê.
— Já conversou com o Seokjin sobre isso?
— Óbvio. — Namjoon revirou os olhos. — O problema do ser humano é achar que esconder segredos é uma boa ideia.
— Às vezes segredos são necessários. — Hoseok se afastou, passou as pernas por cima do balcão e se sentou, quase de frente para Namjoon. — Não escondemos segredos por querer, mas por motivos.
— E alguma vez esconder um segredo te trouxe algum benefício?
— Hm... — Hoseok mordeu o lábio inferior, pensativo. — Não. No fim, alguma coisa sempre dá errado.
— Exatamente o meu ponto.
E, embora Hoseok compreendesse o ponto de vista de Namjoon, ele sabia que relações humanas não funcionavam dessa forma. Às vezes as pessoas precisavam guardar segredos até o momento em que eles deixassem de ser segredo por sua própria vontade.
— Isso significa que vai compartilhar com todos a sua teoria?
— Claro.
— Talvez não seja uma boa ideia falar isso para o Tae até ter certeza. — Hoseok deu um meio sorriso e balançou as pernas. Namjoon acompanhou o movimento do amigo, a compreensão tomando conta de seu rosto. — Pode ser?
— Não concordo, mas compreendo.
Hoseok se inclinou e deixou um beijo na bochecha de Namjoon, se afastando rápido e dando um pulo para fora do balcão.
— Obrigado.
Namjoon assentiu e acompanhou com o olhar Hoseok deixar a cozinha, sorrindo pequeno ao pensar no quanto seus amigos eram todos idiotas e jamais os trocaria.
— * —
Taehyung não sabia o que o fez despertar, se eram as vozes no corredor ou a tempestade do lado de fora. O céu tingido de cinza fazia parecer que ainda era noite, embora ele tivesse certeza de que não tinha dormido tanto tempo assim.
Apesar dos olhos abertos, ele não desejava sair do lugar. Em outros tempos, Taehyung apenas procuraria pelo seu maço de cigarro jogado no chão e usaria aquele escape intoxicante para aliviar o vazio que sentia dentro de seu peito.
Não ter controle da situação o deixava nervoso. Saber que Bogum estava por aí, perto demais de todos os seus amigos, o deixava ainda mais nervoso.
Taehyung sempre desejou salvar as pessoas de si mesmas, um complexo estranho de super herói. No entanto, quando se tratava de ser salvo, ele se esquivava.
A salvação nunca foi uma solução na sua mente. Taehyung queria se compreender, se amar, se sentir parte do mundo como ele era.
Bogum destruiu seus sonhos em poucos meses.
Taehyung soltou um resmungo e tateou a cama em busca do seu celular, sem ter certeza se o encontraria. Virou de lado e o encontrou na beirada, conectado na tomada. Não se lembrava de ter colocado o objeto para carregar, mas ficava satisfeito que seu eu do passado tivesse tempo de pensar nisso. Ou, o mais provável, que alguém tivesse feito isso.
Ele deu dois toques na tela e a claridade atingiu seus olhos. Taehyung diminuiu o brilho, ignorou todas as outras notificações e procurou pelo chat de sua psicóloga.
Sua mente não tinha forças para explicar mais do que o necessário e seus dedos fizeram todo o trabalho por ele, sem pensar direito.
Taehyung explicou o que havia acontecido, como seu corpo estava dando todos os sinais de sua ansiedade diante da situação e, principalmente, da sua recusa em ir embora.
Aproveitou para contar como se sentia, como se o simples despejo de palavras aliviasse seu coração. Ele tinha ideia de boa parte das coisas que sua psicóloga diria, já haviam passado por situações semelhantes antes. Ainda assim, Taehyung via a necessidade de se repetir, porque era algo que ainda mexia com sua mente.
Em algum momento, Taehyung notou que a voz de Bogum se misturava com a sua própria em sua mente, pelo simples fato de que ele passou a acreditar em tudo aquilo que Bogum dizia.
Era cruel. Seu sorriso era falso e toda vez que se sentia mal, mas dizia que estava bem, ele se sentia ainda pior, porque a necessidade de mostrar que ele era um garoto sempre feliz se sobressaia. Taehyung nunca quis preocupar ninguém e isso o transformou em uma pessoa cheia de máscaras.
Taehyung se virou na cama, rolando para o outro lado, e só então percebeu que Jeongguk estava deitado encolhido perto da porta. O falso namorado dormia no chão, com um colchão improvisado, um edredom e um travesseiro.
— Não acredito que ele dormiu no chão — murmurou para si mesmo, encarando o rosto adormecido de Jeongguk.
Quando olhava o falso namorado assim, sem que ninguém soubesse, Taehyung se permitia secretamente imaginar que o relacionamento era verdadeiro.
No fundo, sabia que concretizar esse feito seria difícil, ainda mais com o retorno de Bogum para enfatizar o que ele já sabia: o ex namorado jamais permitia que ele fosse feliz.
Era curioso o egoísmo e o narcisismo de Bogum. Enquanto Taehyung estivesse sozinho, ele se mantinha afastado, dando a falsa ilusão de que poderia tentar ter uma vida outra vez. Contudo, quando se aproximava de alguém, Bogum surgia e tentava destruir tudo à sua volta.
A maioria das pessoas não ficava para ver no que daria aquela situação, então Taehyung sabia que Jeongguk também não ficaria.
Taehyung se levantou com cuidado, as pernas pesadas quase falharam quando ele as colocou para fora da cama. Ele se aproximou de Jeongguk e agachou ao lado do falso namorado. A boca entreaberta e a saliva escorrendo no canto não era menos charmoso, na verdade era... real.
Em todo esse tempo juntos, o que mais chamou a atenção de Taehyung era o quanto Jeongguk se mostrava uma pessoa verdadeira. Seu jeito por vezes estressado e uma quantidade gigante de palavrões que faria a mãe de Jimin desejar lavar a boca do garoto com sabão, mas também seu jeito carinhoso e preocupado, seu olhar complacente e o fato de que Jeongguk embarcou naquela ideia idiota para ajudar o próprio melhor amigo dizia tanto sobre ele.
— Seu trequinho irritante — Taehyung resmungou, cutucando a bochecha de Jeongguk.
— Tá me xingando logo cedo? — Jeongguk abriu os olhos e Taehyung caiu para trás. — E olha que eu nem fiz nada.
— Você existe, é o suficiente.
— Fui tão gentil com você ontem e é isso que recebo? — O falso namorado se sentou no colchão, o cabelo escuro sem corte caindo em seu rosto. A bochecha estava amassada, a lateral de sua boca tinha saliva grudada e os olhos estavam cheios de remela. — Eu dormi no chão, sabia?!
— Porque você quis. — Taehyung deu de ombros e esfregou os olhos, tentando disfarçar a possibilidade de Jeongguk vê-lo com remelas também.
De repente, ele se sentia consciente demais de como o falso namorado o via, embora não devesse se importar com algo tão bobo.
— Tentei te dar privacidade. — Jeongguk soltou um suspiro e tocou na mão de Taehyung com cuidado. — Você tá bem?
— Bem é uma palavra muito forte, eu tô... — Os olhos de Taehyung percorreram o quarto, na busca de uma explicação para o que sua mente sentia naquele momento. — Sei lá, anestesiado.
— E o que isso significava?
— Que eu já tô acostumado, mas não significa que não incomoda, que não dói, que não me faz pensar o tempo inteiro sobre isso, que não me faz querer ficar debaixo das cobertas pelo resto dos meus dias ao invés de fazer alguma coisa e... — Taehyung puxou o ar e o soltou devagar, só então percebendo que ele desembestou a falar. Ontem ele não sentia necessidade, hoje, depois da mensagem para sua psicóloga, a vontade se mostrou presente. — Eu tô cansado demais e não sei como resolver isso.
— Se importa de me falar sobre?
Jeongguk afastou o edredom e deu tapinhas no espaço vazio ao seu lado, um pedido simples para que Taehyung chegasse mais perto.
Quando ele notou que Taehyung parecia incerto, Jeongguk soltou um suspiro e se esparramou pelo colchão.
— Fica aí no chão frio então.
— Tá, tá. — Taehyung empurrou as pernas de Jeongguk e o fez voltar para a posição anterior. Ele se sentou ao lado do falso namorado e se cobriu com o edredom até o pescoço. — Quentinho.
— Eu sou.
— Não você, besta. O colchão.
— Esquentado pelo meu corpo. — Jeongguk ergueu as sobrancelhas e Taehyung revirou os olhos.
O silêncio recaiu entre os dois e apenas a chuva lavando os vidros era audível do lado de fora. Mais um dia de férias perdido e Taehyung não conseguia se importar. Se pudesse, não sairia do quarto. Ele queria ficar sozinho, mas acreditava que devia uma explicação para Jeongguk antes de terminar de vez aquele relacionamento falso dos dois.
— Obrigado por ontem — Taehyung falou baixo, os dedos da mão se enrolando na parte de dentro do edredom.
— Você tava precisando.
— Como sabia? — Taehyung encostou a cabeça contra a parede fria e se focou na chuva do lado de fora. — Digo, como você sabia que eu só precisava de um pouco de conforto e ficar sozinho?
— Às vezes é só isso que a gente precisa, não? — Jeongguk deu de ombros, como se houvesse muito mais na sua resposta do que dizia. — A gente tem muitos altos e baixos. Não é igual pra todo mundo, eu sei, mas... A nossa mente é caótica em muitos momentos. E por mais que você ache que consegue disfarçar, quando você me olha, sei lá, dá pra entender o que você quer. Ou ao menos eu acho que entendo.
Taehyung mordeu o lábio com força e abraçou as próprias pernas dobradas debaixo do edredom. Sentia-se despido na frente de Jeongguk com aquelas palavras, porque era exatamente isso que ele fazia quando o olhava e imaginava que o falso namorado podia, pelo menos por um segundo, compreender o seu desejo.
Todo dia Jeongguk se mostrava uma pessoa que Bogum nunca foi. Alguém que ele sempre precisou ao seu lado. Era irônico tê-lo achado nessas circunstâncias e ele não fosse nada além de um relacionamento falso.
Uma única pessoa, com atitudes e palavras, fosse capaz de quebrar alguém por dentro como Bogum havia feito.
Existia uma época em que tudo o que Taehyung fazia era chorar.
Com o tempo, acompanhamento psicológico e psiquiátrico, Taehyung sentiu que evoluiu e que estava mais forte, disposto a enfrentar as vozes confusas que o depreciavam tanto.
Alguns dias eram piores do que os outros.
Infelizmente, Bogum era controlador e sabia o que fazer para deixar Taehyung na beira do limite. As flores e o colar não foram uma escolha qualquer, pelo contrário, tinham significado.
Taehyung queria vomitar.
— Você não tá bravo comigo? — Taehyung ousou perguntar.
— Por que eu estaria?
— Eu te arrastei pra isso tudo — Taehyung soltou uma risada triste e fungou. — Não pensei direito, fui impulsivo. Como sempre.
— Taehyung, eu aceitei entrar nessa com você pelo Yoongi.
— Eu sei, mas... — Outra fungada e Jeongguk virou o rosto bem a tempo de ver uma lágrima escorrer pelo rosto de Taehyung. Ele a limpou com o polegar e apertou a bochecha do falso namorado. — Ai!
— Você tá se cobrando por algo que não é sua culpa.
— Tudo sempre é minha culpa — Taehyung murmurou, desejando um dos pirulitos perdidos em sua mochila. — O meu jeito... As pessoas sempre reclamam.
Jeongguk bufou e sentou nos calcanhares, pegou Taehyung pelos ombros e deu uma cabeçada no falso namorado.
— Para! — Jeongguk pediu, a voz soando carinhosa. Taehyung fez uma careta desgostosa com a batida, mas não se afastou. — Você é incrível. Eu já te disse isso, com certeza os meninos já te disseram isso também. Não tem nada de errado com o seu jeito e absolutamente nada do que aconteceu ontem foi culpa sua.
Taehyung fechou os olhos, deixando as lágrimas escorrerem por sua face. Estava cansado de lutar contra elas.
Queria que as palavras de Jeongguk fossem verdade. Desejava que os pensamentos ruins sumissem e ele parasse de se culpar por cada uma das vezes que Bogum retornou. Ou por qualquer outra coisa que acontecesse à sua volta.
Mais do que nunca, Taehyung desejava acreditar que podia ser amado. Era diferente quando Jimin e Hoseok falavam sobre amá-lo. Conseguia sentir todo o sentimento dos amigos, não só por tudo o que tinham passado juntos, mas porque eles demonstravam com constância.
Pensar em Jeongguk deixava o mundo confuso e, apesar de Taehyung saber que o falso namorado não o odiava, ao menos não como no início daquele relacionamento de mentira, ele não tinha como saber se havia amor.
Porque, infelizmente, Taehyung nunca teve alguém apaixonado por ele de verdade, que prezava sua amizade e companhia, que o respeitava e o amava.
Tudo por causa do seu relacionamento com Park Bogum.
— Eu não te contei nada sobre ele — Taehyung comentou, frustrado.
— Você não me devia explicações, Tae. Nós não... — Jeongguk engoliu em seco e fez uma careta, ciente que na escuridão do quarto Taehyung seria incapaz de ver. — Nós não somos namorados de verdade. Eu só precisava saber o básico e o resto a gente se virava. Funcionou. Você não precisava me contar todo seu passado se isso te deixasse desconfortável.
— Mas nós somos amigos! — Taehyung encostou no ombro de Jeongguk e o abraçou pela cintura, buscando conforto. — Você se importa se eu contar agora?
Ouvir a palavra amigos era uma benção e uma tortura ao mesmo tempo para os ouvidos de Jeongguk. Sua vontade era de berrar que queria ser muito mais do que isso, embora soubessem que essa era a última coisa que se passaria na mente de Taehyung naquele momento. Ou em qualquer outro. O falso namorado parecia vê-lo apenas como o que eram... amigos.
Mesmo que o beijo trocado no dia anterior não tivesse nada de fingido.
— Se você se sentir confortável... — Jeongguk acariciou as costas de Taehyung e o trouxe mais para perto. Seu coração estava acelerado e ele temia que o falso namorado conseguisse sentir as batidas frenéticas com a falta de espaço entre eles. — Eu vou ouvir tudo o que você tiver pra dizer.
Taehyung assentiu e, embalados pelo som da chuva do lado de fora que se recusava a cessar, ele contou a Jeongguk todas as cicatrizes que carregava.
Despejou as palavras amargas que o transportavam para um passado que ele apenas desejava esquecer. Taehyung contou que conheceu Bogum por causa da namorada de Jisoo e que o ex-namorado ajudava o tio na sua floricultura, sempre trazendo buquês de flores e o fazendo se sentir desejado.
O início do romance foi avassalador. Taehyung se encantou com rapidez, afinal, para uma pessoa que nunca sequer havia experimentado algo do tipo em toda sua vida antes, ter alguém que demonstra o quanto você é especial e o quanto te quer, gera expectativa.
Contudo, o sonho durou apenas dois meses. Eles faziam tudo juntos e, aos poucos, Taehyung estava negligenciando os melhores amigos para ceder ao que Bogum queria. Onde ia, com quem falava, o que fazia. Não havia mais autonomia, apenas obediência.
Taehyung começou a sentir sua energia se esvaindo. Sentia falta de Jimin e Hoseok, mas não sabia como consertar a sua ausência, mesmo que ainda se falassem por mensagens, não era a mesma coisa.
Os dias não passavam com rapidez, eles se arrastavam do mesmo jeito que as pernas pesadas de Taehyung se arrastavam pelo dormitório. Era um prisioneiro e não tinha para onde fugir. Precisava pedir permissão para tudo, exceto para respirar. Há quem diga que isso é preocupação, Taehyung mesmo achou que fosse isso, mas no fundo era apenas pura manipulação.
Quando dizia que eles deveriam terminar, Bogum chorava e ameaçava se ferir, então Taehyung voltava atrás em sua decisão. Quando dizia que queria ver seus amigos, Bogum dizia que eles estavam ocupados, depois dizia que eles não queriam saber de Taehyung, afinal, se gostassem dele mesmo, jamais teriam se afastado.
As falas de Bogum se infiltraram na mente de Taehyung da mesma forma que a água se infiltrava na parede velha do banheiro do dormitório.
Com três meses, as brigas aumentaram. Bogum mostrou ser uma pessoa sem paciência e que aumentava sua voz quando queria ser ouvido. Os outros alunos já sabiam o que acontecia entre quatro paredes e logo Jimin e Hoseok também ficaram cientes.
Taehyung perdeu a vontade de sorrir. Na frente dos outros, uma máscara era sustentada em seu rosto diante de perguntas que ele respondia sim quando sua mente gritava um sonoro não. Bogum dizia que ninguém o amaria porque seu jeito era repugnante. Ele não era digno de amor.
Bogum enfatizava que Taehyung era uma pessoa difícil de lidar, de agradar, que queria muito dos outros e apenas Bogum estava disposto a lhe dar porque o conhecia, e ainda assim Taehyung era mal agradecido ao lhe rejeitar.
Entre tantos momentos querendo ser o dono da verdade, Bogum também conseguiu dizer que Taehyung era um falso bissexual, apenas porque nunca havia beijado ninguém além de Bogum antes. Ele dizia que se não havia experimentado outras pessoas, como podia se dizer bissexual? Aquilo doía, só Taehyung sabia o quanto.
Bogum invalidava seus sentimentos, sua sexualidade, sua existência.
A gota d'água só transbordou do copo quando Bogum, em uma briga, empurrou Taehyung dentro do banheiro e a porta de vidro do boxe se estilhaçou. Sangue escorria das costas e pernas de Taehyung, os olhos arregalados e o corpo perdido entre os cacos de vidro.
Naquele dia, alguém chamou por Jimin e Hoseok. Os dois invadiram o dormitório e expulsaram Bogum com ameaças de chamar a polícia.
— Isso foi logo que entrei na faculdade. — Taehyung engoliu as lágrimas salgadas e se encolheu mais no lugar. Respirava com dificuldade, mas não queria demonstrar o quanto aquela história toda lhe dava náuseas. — Ele sumiu por um tempo, mas voltou depois, querendo ser meu amigo primeiro, depois querendo voltar. Pedia desculpas, dizia que tinha mudado.
Jeongguk apertou o edredom por entre os dedos com uma raiva que não cabia dentro de seu peito. Queria procurar Bogum e enfiar a cabeça dele na areia, gastar seu réu primário e depois pensar nas consequências.
— Eu sinto muito — Jeongguk murmurou, incerto do que dizer. Afinal, tudo o que queria por para fora em palavras naquele momento de nada ajudaria Taehyung. — Ele te agrediu fisicamente alguma vez?
— Não. — Taehyung enxugou as lágrimas que escorriam pelo seu rosto e fungou várias vezes para evitar o nariz escorrendo. — Tirando a vez que fui empurrado, ele nunca me bateu. Ainda bem, porque a violência psicológica já foi dolorosa o suficiente.
Houve um silêncio entre eles, algo inquietante para Jeongguk e necessário para Taehyung. Era uma história pessoal dolorosa e, por mais que os anos passassem, as cicatrizes ficavam.
— Eu não sei direito se ele tá namorando a Jisoo ou não — comentou Taehyung depois de alguns minutos quieto, imerso em pensamentos. — Teve um dia que ele veio atrás de mim em uma festa, eu tava tentando... Sei lá, ser alguém de novo, sabe? Depois de muita terapia, de ansiolíticos, de tentar me dar algum valor, eu pensei em conhecer alguém.
— O que ele fez?
— O que ele faz de melhor. — Um sorriso quebrado surgiu na face de Taehyung quando olhou para Jeongguk. — Bogum me lembrou que não sou digno de ser escolhido por alguém, muito menos amado por alguém, por eu ser — Taehyung gesticulou para si mesmo — assim.
— Assim como?
— Uma farsa. Quebrado. Idiota. Impulsivo. Chato. — Houve um suspiro e Taehyung bateu a cabeça contra a parede, um baque alto que fez Jeongguk chiar pelo falso namorado. — Sei lá, você pode nomear. Bogum era bom nisso.
— Bom em te colocar pra baixo e te fazer se odiar ou achar indigno do amor dos outros? — Jeongguk apoiou as mãos no colchão, afundando os dedos contra a maciez. — Esse cara é um tremendo filho da puta controlador e manipulador.
— Mas ele sempre teve razão. — A voz rouca de Taehyung soava quebrada, como se seu coração estivesse em pedaços, bem como sua alma. — Ninguém gostou de mim antes dele, ninguém gostou de mim depois dele. Eu faço tudo pelo Jimin e pelo Hoseok, sei que eles fariam tudo por mim também, mas... A dúvida tá sempre aqui, mesmo que eu não queira.
Era difícil conviver com a voz que dizia que todo mundo tinha pena de Taehyung, mesmo os amigos. Sentia-se uma pessoa contraditória, porque havia provas inegáveis de que Jimin e Hoseok o amavam de forma incondicional, mas ainda assim, aquele sussurro em sua orelha dizia o contrário.
O sussurrou que tinha a voz de Bogum e aparecia quando ele estava mais vulnerável.
Em dias bons, Taehyung se sentia no controle de suas ações, de seus pensamentos, de suas vontades. Em outros, ele achava que tudo estava escorrendo por entre seus dedos, que ia regredir na terapia. Teve medo até de encerrar o tratamento com ansiolíticos, até que sua psicóloga enfatizou que ele havia avançado muito e que nada daquilo que ele sentia era uma regressão.
— Eu gosto de você, Taehyung.
— Você tem pena.
— Taehyung, quem tem pena é galinha — Jeongguk resmungou, empurrando o braço de Taehyung e fazendo-o cair de lado no colchão. — Eu tô falando sério, eu gosto de você.
— Não gosta, não.
— Sério... — Jeongguk puxou o falso namorado para se sentar outra vez e segurou seu queixo para que o olhasse nos olhos. — É você dizendo isso ou é ele?
Na cabeça de Taehyung era um pouco das duas vozes. No fundo, uma parte de si sabia que lembrar de Bogum o fazia se sentir não digno daquele sentimento que Jeongguk dizia possuir. A outra parte, no entanto, dizia que ele queria, mas se questionava se o falso namorado não estava confundindo as coisas.
Taehyung respirou fundo e focou os olhos na chuva que caía do lado de fora. Era como se os céus chorassem com ele, porque as lágrimas, apesar de silenciosas, ainda escorriam pelo seu rosto.
— Foi difícil tentar me envolver com alguém de novo — Taehyung falou, mudando de assunto. Jeongguk se encolheu com a rejeição silenciosa, mas ciente de que não desistiria tão fácil assim se o falso namorado desse aberturas no futuro. — Era como se ele soubesse. Algumas vezes, me ligava, em outras mandava mensagens. Parecia que eu ainda tinha um namorado mesmo quando eu bloqueava ele e fingia que essa praga nunca tinha existido na minha vida.
— Você foi na polícia?
— Fui. Várias vezes. — Uma risada desgostosa soou pelo quarto no mesmo instante em que um raio cruzou o céu escuro. — No começo pareceu eficaz, depois eu percebi que ele começou a ganhar mais confiança porque a polícia não podia fazer muita coisa. Bogum é esperto, ele disfarçava seu próprio crime. Ele não me ameaçava e nem chegava mais perto de mim, mas as palavras ditas me abalavam e pra ele era o suficiente.
A raiva crescia dentro de Jeongguk e ele sequer conseguia imaginar o que Jimin e Hoseok estavam sentindo com o possível retorno de Bogum, assim, tão próximo de Taehyung.
— Alguma vez ele te falou o motivo de fazer tudo isso? — Jeongguk perguntou baixinho, ouvindo Taehyung fungar. — Tipo, o cara fala um monte de merda, mas claramente não quer que você namore com mais ninguém.
— Ele disse que nós fomos feitos um para o outro desde a primeira vez que ele me viu.
Uma risada de escárnio deixou a garganta de Jeongguk ao ouvir aquilo. Bogum era perturbado e ele seria incapaz de compreender esse embuste mesmo com uma explicação do ponto de vista da psicologia vinda de sua mãe.
— Eu sinto muito — Jeongguk falou por fim.
— Não quero sua pena, Jeongguk.
— Não é pena. — Jeongguk tocou na mão de Taehyung, a única que agora estava fora do edredom depois que o falso namorado se cobriu até o pescoço, espantando o frio do quarto. — É meio que culpa. Quer dizer, eu sei que a culpa não é nossa pela narrativa distorcida que esse cara criou, mas... Talvez, se a gente tivesse terminado esse namoro falso mais cedo, isso não teria acontecido.
— Do que você tá falando? — Taehyung se mexeu no colchão e sentou sob os calcanhares, ficando de frente para Jeongguk. — O que tem nosso namoro falso?
— Taehyung — houve um fantasma de sorriso quebrado no rosto de Jeongguk, iluminado pelo trovão —, ele só tomou novas iniciativas quando percebeu que você estava feliz, principalmente comigo.
Taehyung abriu e fechou a boca várias vezes, não pela obviedade de que Bogum havia voltado por causa de seu namoro falso, mas pelo fato de Jeongguk dizer com tanta propriedade que ele estava feliz.
E talvez isso também fosse óbvio o suficiente, afinal, as barreiras que Taehyung criou ao redor de si foram, aos poucos, caindo com a presença de Jeongguk.
Um trovão iluminou o céu e Taehyung desviou o olhar, sentindo-se inquieto de repente. Ficar perto de Jeongguk era como uma montanha russa e, no momento, sua mente não estava preparada para lidar com aqueles sentimentos.
— Eu... Vou comer alguma coisa. — Taehyung se levantou, sem olhar para Jeongguk outra vez. — Descontar na comida às vezes me acalma — explicou, muito embora Jeongguk não precisasse de qualquer explicação para suas atitudes. — Quer algo da cozinha?
— Tô de boa. Valeu.
Taehyung assentiu e saiu do quarto às pressas, temendo que a atmosfera ficasse ainda mais estranha.
— * —
Yoongi abriu a porta do quarto de Jimin de supetão e entrou no cômodo com os olhos arregalados, a respiração descompassada, parecendo que viu um fantasma.
— Ah, pronto! — Jimin cruzou os braços na frente do peito, embora estivesse vestido e com um cobertor cobrindo suas pernas. — Vamos com calma, garotão, ainda não estamos nesse nível.
— Quê? Não... Jimin, eu tô pasmo.
— Tá tudo bem? — Os olhos de Yoongi estavam arregalados e sua mão tremia, o que deixou Jimin menos alerta quanto seus pensamentos impróprios e mais preocupado. — Aconteceu alguma coisa com o Tae?
— Não. — Yoongi balançou a cabeça e se sentou na beirada da cama, tentando recuperar o fôlego. — Não... Meu Deus, não. Eu acabei de ouvir a coisa mais bizarra possível.
— Bizarra tipo ouvir seus amigos transando ou...?
— O que você anda imaginando?! — Yoongi massageou as têmporas, tentando por os próprios pensamentos no lugar. — Não, bizarro do tipo por que eu não suspeitei disso antes, sabe?
— Você não tá fazendo sentido. — Um bico fofo surgiu nos lábios pequenos de Jimin. — O que descobriu?
— O Taehyung e o Jeongguk, eles... — Yoongi engoliu a pouca saliva que tinha se acumulado em sua boca, ainda incapaz de processar aquela descoberta sem querer.
— Eles o quê?! — Jimin notou o quão pálido Yoongi estava, embora ele tivesse certa aversão ao sol. Naquele momento, no entanto, Yoongi parecia doente, quase prestes a vomitar. — Ai. Meu. Deus. Eles terminaram?
— Não, é pior. — Yoongi fechou as mãos em punhos em cima dos joelhos e abaixou a cabeça. Realmente, ele queria vomitar. — Eles nunca nem estiveram juntos de verdade.
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