1 - Idiotas

— NOTAS INICIAIS —

Eu não faço a menor ideia se vocês vão gostar de SBY reescrita, de verdade. Por anos esse foi o meu maior medo, de achar que vocês gostavam tanto da 1a versão que talvez uma versão reescrita acabasse sendo uma decepção.

Mas, a medida que eu consegui lapidar a história e finalmente montar como eu queria, eu acho que atingi um pouco de satisfação com ela que eu não tinha desde que encerrei e comecei a perceber as coisas que poderia mudar. Isso é meio inevitável, né?

Enfim, a vantagem de estar em uma plataforma gratuita é justamente a possibilidade de reescrever as histórias e postá-las novamente. Como eu já mencionei, a 1a versão de SBY vai continuar lá no Spirit para quem quiser reler ou simplesmente achar que gosta mais daquela.

Espero que vocês amem reler essa versão nova tanto quanto eu estou amando escrever, e que tenham sentido saudades desse taekook que virou a vida de todo mundo de ponta cabeça tanto quanto eu. Tentei ao máximo manter a essência dos personagens, mas ainda assim aprofundá-los em partes que eu achava que não estavam tão profundas assim. Eles também estão mais maduros (uma alteração de idade, mudança de cursos e afins).

E para quem nunca leu SBY antes, seja muito bem-vinde a essa aventura maluca.

Boa leitura!

— * —

Quando você para pra pensar em que tipo de pessoa você é, o que vem a sua mente?

Taehyung diria que ele é caso clássico do que chamamos de "pessoa quebrada''. São aquelas que costumam ser semelhantes a um quebra-cabeça com uma peça faltando. Normalmente, a ausência da peça é aquela que vai deixar o desenho final sem sentido, porque não é aquele cantinho da moldura ou uma parte quase irrelevante da pintura, mas sim um olho ou um pedaço da boca.

Em casos como esse, o quebra-cabeça costuma ficar sem a peça faltante, exceto se você conseguir, por algum motivo, a necessária. Porém, com pessoas era muito mais complicado do que uma simples peça faltando ou fora do lugar. Às vezes, quando se está quebrado, tudo o que você precisa é tentar se remendar aos poucos. Outras vezes, nada disso funciona, e você continua com a ferida aberta ou com um pequeno curativo prestes a se soltar.

Taehyung sustentava a máscara dos sorrisos fáceis, mas no fundo tinha uma mente insegura, muitos questionamentos e anos de terapia para tentar se sentir menos quebrado com o passar do tempo. Eram passos de formiga, mas que ele costumava dizer que valiam a pena toda vez que ele saía da sessão um pouco mais leve e com o sentimento de que o dia seguinte ia ser melhor.

No entanto, eram dias e dias, alguns melhores do que os outros, e às vezes alguns eram piores do que ele conseguia imaginar. Principalmente quando o universo dava um empurrãozinho na direção contrária, como hoje.

Ele aprendeu, da maneira mais bizarra possível, que há dias em que o universo não colabora e você sofre uma série de humilhações desnecessárias. No fundo, Taehyung poderia evitar boa parte delas, mas ele era Kim Taehyung afinal das contas e isso estava fora de cogitação.

Por exemplo, quase todo mundo conhece aquela pessoa que é um completo desastre, ou um completo azar, e até mesmo alguém que é propenso a fazer escolhas estúpidas.

Curiosamente, Taehyung era todas elas no corpo de um jovem adulto desesperado para passar de semestre sem preocupações e seguir com sua vida a base de comida barata e doces na companhia do melhor amigo.

Porém, o universo parecia gostar de rir da sua cara ao enfatizar o quanto dias tranquilos não estavam nos planos há semanas. Ou ele era apenas um tremendo de um azarado, também existia essa possibilidade.

Taehyung havia acabado de sair de uma maldita prova de história da arte, cuja nota ele tinha certeza que havia sido uma verdadeira catástrofe — com grandes chances de ter sido mesmo a julgar pela cara que a professora fez quando ele entregou a prova e saiu da sala às pressas. Se não bastasse isso, desde cedo ele estava com uma tremenda dor de cabeça por pensar demais e dormir de menos, e ainda precisava enfrentar uma tempestade para voltar para o dormitório porque, é claro, ele não trouxe guarda-chuva.

Em sua defesa, no fundo de sua mente ele tinha a impressão que alguém havia o avisado de que choveria na manhã seguinte, mas sua cabeça estava lotada de características da história e evolução da arquitetura, que aquele importante pedaço de informação se esvaiu em segundos.

Em meio aos seus devaneios diante das gotas caindo do céu, ele sentiu um par de braços rodear sua cintura e o costumeiro cheio de jasmim atingir seu olfato. Era tão natural que Taehyung sequer se mexeu, apenas fechou os olhos rapidamente com o modo como Jimin apertou a própria testa contra suas costas.

— Não trouxe o guarda-chuva de novo, né? — Jimin falou, um riso soprado acompanhou o instante em que deixou um vazio nas costas de Taehyung e inclinou a cabeça para o lado para olhá-lo. — Eu avisei que ia chover.

— Eu esqueci...

— Você não prestou atenção — murmurou com um falso tom de mágoa, que só convencia Hoseok porque ele era extremamente carinhoso e usava qualquer desculpa para mimar Jimin. Não que Taehyung fosse muito diferente disso, apenas se fazia de forte com mais constância. — Quer carona?

— Você sempre reclama que eu te molho mais do que te protejo da chuva.

— Isso é porque você realmente é péssimo nessas coisas. — Jimin soltou a cintura do amigo e a quentura que Taehyung ainda sentia se dissipou por completo, deixando apenas uma vaga lembrança do momento.

— Sou ótimo te protegendo, ingrato!

— Não da chuva. — Taehyung empurrou Jimin pelo ombro com mais força do que deveria e o amigo riu.

No entanto, se você pensa que o universo ia colaborar com Taehyung tendo um dia alegre e descontraído, você está muito enganado. Até porque Jimin é um belo desastre de um e setenta e três de altura, com um quadril que se agita demais e uma bunda que acaba por sempre causar algum acidente.

Então, quando dois garotos passaram perto demais deles ao mesmo tempo que Jimin resolveu que era uma boa ideia fazer uma dancinha qualquer para provar que ele tinha equilíbrio o suficiente — e não seria um empurrão que o derrubaria —, o universo veio e fez o favor de mudar o jogo.

Tudo aconteceu rápido demais. Em um segundo Jimin estava dançando, os braços abertos e os pés indo para trás. No outro, ele se virou e deu um tapa na cara do desconhecido, escorregou e os três foram de encontro ao chão na frente da Universidade como se fossem peças de dominó. Um atrás do outro.

Taehyung teve o impulso clássico de rir, mas quando viu que Jimin fazia uma careta desgostosa, a risada se retraiu e ele avançou na direção do amigo.

— Puta merda. — Ele pegou Jimin pelo braço e o ergueu com cuidado, na intenção de que não acabasse no chão também. — Você tá bem?

— Tô... — Jimin murmurou e esfregou a lombar ao se levantar. Ele olhou para o lado e viu o garoto mais alto ajudando o mais baixo a se levantar. — Vocês tão bem? Desculpa, eu-

— Porra, você não olha por onde anda não? — perguntou o garoto de capuz e olhar gélido, visivelmente irritado. Ele levantou o rosto, o capuz caiu e deu visão aos fios escuros cobertos por um gorro vermelho, o único contraste se comparado com o restante de suas roupas pretas.

— Desculpa.

— Que inferno. — Ele ignorou o pedido sincero de Jimin e se voltou para o amigo que vestia um boné branco. — Você tá bem?

— Tô sim, relaxa.

Jeongguk, o garoto de gorro vermelho que Taehyung ainda não sabia o nome, estreitou os olhos na direção dele e de Jimin, mas logo a frieza de seu olhar se focou no cabelo roxo brilhoso a sua frente mais do que quem o derrubou, massageando a própria lombar. Era como se só agora tivesse realmente prestado atenção neles. Se essas palavras tivesse som, você conseguiria facilmente ver as engrenagens se encaixando conforme ele compreendia quem eram os elementos.

— Que merda.

— Algum problema? — Taehyung se colocou na frente de Jimin por puro instinto protetor, embora soubesse que o melhor amigo conseguia lutar as próprias batalhas com uma serenidade que faria qualquer um fazer xixi nas calças. Vê-lo bravo causava medo em qualquer um.

— Sim, eu tô ensopado. De novo.

— Já pedimos desculpas.

— Como se isso adiantasse algo... — murmurou, ainda irritado. Jeongguk parecia na defensiva de uma maneira estranha e Taehyung, apesar de costumar ter a pose de uma pessoa bastante paciente, na verdade perdia o rumo com facilidade quando enchiam o seu saco. Ou quando ele desgostava de cara de alguém, como agora. — Isso é a entrada, não um lugar para dança.

— Você passou atrás da gente porque quis. — Taehyung deu um passo para frente, nervoso. Não gostava do modo como Jeongguk o olhava, o media da cabeça aos pés, como se o julgasse sem sequer conhecê-lo. E, embora ele não fizesse ideia, era exatamente isso o que Jeongguk fazia em seus pensamentos, com uma pitada de raiva. — Tem espaço o suficiente aqui pra todo mundo, idiota.

— Tae-

— Idiota? — Ambos deram um passo para frente, até estarem perto demais um do outro. O cheiro de amaciante misturado com a água da chuva era desagradável e Taehyung franziu o nariz. Não era culpa sua que Jeongguk deu azar de cair nas poças que se acumularam na frente da Universidade, mas entendia, em partes, sua revolta. — Você se acha demais, né? Um completo sem noção.

— A gente nem se conhece!

Era aí que Taehyung se enganava, é claro. Quer dizer, ele realmente não conhecia Jeongguk, o garoto de gorro vermelho de olhos tão escuros quanto a noite, mas não significava que o contrário também fosse verdade. Estavam longe de serem pessoas que um dia conversaram de forma civilizada, na verdade, o problema era exatamente esse: a miséria nas palavras.

Jeongguk detestava Taehyung por um motivo bastante idiota, mas até aí, como já dito antes, essa era uma história sobre pessoas idiotas. O problema é que Taehyung não fazia ideia desse desafeto e tampouco iria imaginar que, em questão de pouco tempo, ele também detestaria Jeongguk em uma proporção quase equivalente. Ou até mais. Depende do ponto de vista.

A realidade, no entanto, é que se Jeongguk não disser com todas as letras, Taehyung jamais vai se lembrar de onde o conhece que e o motivo de ser detestado. Contudo, como o universo ainda tinha muitas peças soltas para encaixar na vida de ambos, essa chama automática de desentendimento que se acendeu demoraria muito para apagar. E, é claro, eventualmente seria o motivo de alguma discussão igualmente idiota que eles viriam a ter.

Porque Taehyung e Jeongguk, apesar de não saberem, são como um quebra-cabeça bagunçado que precisa por as peças certas no lugar.

Jeongguk soltou um riso pelo nariz e, irritado, cerrou os punhos. Ouvir aquilo era como se sentir um verdadeiro fantasma, daquele tipo de pessoa que os outros sentavam em cima porque não te viam encostado no canto, solitário. Ele queria socar a cara de Taehyung, mas ao mesmo tempo questionar como o garoto podia ser tão desastrado, desligado e uma besta, não necessariamente nessa ordem.

Antes que ele pudesse despejar as palavras entaladas em sua garganta, seu amigo de boné branco, Yoongi, o segurou pelo braço. Olhou para o lado e viu o sinal claro, uma simples balançada de cabeça e um olhar cansado, de que não era para eles continuarem aquela discussão infundada, afinal alguém precisava ser a parte sensata de uma amizade.

Não que Yoongi fosse realmente a parte sensata, afinal ele só era mais um idiota entre vários idiotas, mas isso não vem ao caso no momento.

— Vamos embora, Jeongguk.

O nome deveria ser familiar, porém, novamente, Taehyung tinha uma estranha mania de não se lembrar do que, em teoria, deveria. Ou talvez o problema fosse o fato de que Jeongguk se apegava fácil a pequenos fragmentos de memória que costumavam ser irrelevantes para a maioria das pessoas.

O que eles tinham em comum, no entanto, é o quão idiotas eles vão ser um com o outro.

Jeongguk acatou o pedido do amigo, mas não sem antes olhar fixamente uma última vez para Taehyung. Em meio aquela bizarra provocação cheia de faíscas, ambos não repararam na inquietação que seus amigos — praticamente esquecidos em meio a discussão sem nexo — sentiam na presença um do outro. Havia algo ali, mas a desavença automática os fez perder o foco do que seria, no futuro, um problema inicial diante do que estava para surgir.

Infelizmente mágoa, confusão e desentendimentos não passam tão rápido quanto a chuva que se cessava naquele instante.

— Você devia trocar a cor do seu cabelo — disse por fim, antes de dar as costas e voltar a caminhar com uma tranquilidade estranha e nada condizente com sua atitude de antes.

— O que tem o meu cabelo?

— Fica ridículo em você — respondeu ao olhar para trás, uma piscada abusada que dizia muito e ao mesmo tempo nada.

Taehyung abriu e fechou a boca, indignado. A ousadia do garoto ia além do que ele imaginou, não pela audácia de falar do seu cabelo, mas pelo modo como parecia saber como era o seu cabelo de outras cores.

Ele respirou fundo e se virou para Jimin, parado ao seu lado em um completo e esquisito silêncio, tão distinto do melhor amigo.

— Você tá bem? — Taehyung tocou no braço do amigo e só então Jimin olhou para ele, confuso. Estava imerso em pensamentos e sequer reparou realmente no que havia acontecido nos instantes finais. — O que foi, Jimin?

— Nada, só... — Jimin suspirou, o olhar acompanhava o garoto de boné, com a cabeça abaixada e as mãos nos bolsos da calça, atravessando a rua com atenção. Ele colocou a mão na têmpora e massageou o local com cuidado, cansado apenas com as poucas trocas de olhares que deram. — Eu conhecia ele.

— Como a pessoa mais preciosa do planeta pode ser capaz de conhecer alguém tão irritante e idiota como aquele cara?

— Tô falando do amigo dele, de boné branco.

— Ah, não reparei nele.

Porque Taehyung às vezes — ou talvez sempre — era assim, denso como uma porta, e desapegado de muitas coisas ao seu redor que não fossem realmente relevantes.

Jeongguk nunca havia sido relevante até então.

— É, eu sei. — Ele balançou as mãos e sorriu para Taehyung. — Esquece, é besteira. Já foi.

— Tem certeza?

— Tenho. — Jimin abriu o guarda-chuva e deu um passo para frente. O sorriso ainda estava estampado em seu rosto, mas Taehyung conseguia ver por trás daquela fachada. Seu melhor amigo estava quebrado, e o que quer fosse, ele não o diria porquê. — Vamos?

— * —

Jimin estava estranho. O melhor amigo de Taehyung não costumava andar ao lado dos outros tão quieto e pensativo, sem prestar atenção na conversa que tinham. Era quase como se estivesse conversando sozinho.

— E aí o Hobi hyung negou comer kimchi! — Taehyung falou a primeira coisa absurda que veio a sua mente e que deveria indignar qualquer pessoa que conhecesse Hoseok, porque ele jamais negaria comer um kimchi. Porém, como previsto, Jimin apenas assentiu, provando que não estava realmente concentrado na conversa.

Taehyung soltou o ar pelo nariz e passou o braço ao redor dos ombros de Jimin, trazendo-o para mais perto enquanto atravessavam a rua em direção ao café que Seokjin trabalhava.

Ele segurou o guarda-chuva e abriu a porta para que Jimin entrasse. Viu o melhor amigo seguir até a costumeira mesa de sempre, perto da janela, se sentar e olhar para o vazio como se estivesse perdido em pensamentos conflitantes.

Soltou um suspiro e tentou fechar o guarda-chuva, mas a porcaria emperrou e Taehyung soltou um palavrão quando seu dedo prendeu no fecho de cima. Ele entrou e soltou a porta bem na hora, ouvindo um alto barulho logo em seguida.

— Puta merda, é hoje! — xingou a voz atrás dele.

Quando Taehyung se virou, ele viu de novo os olhos escuros fuzilando-o de uma tal forma que pareciam prestes a fazer um buraco em seu rosto enquanto massageava a testa que havia sido atingida pela porta. Não era culpa sua que Jeongguk parecia ser um ímã de desastres. Ou apenas um completo idiota. Ele soltou uma risada pelo nariz e cobriu a boca com a mão, limitando-se a engolir seu divertimento e dar um falso sorriso para o garoto emburrado.

Mal sabia Taehyung o quanto o descontentamento estava fazendo curva para o lado do ódio toda vez que eles se encontravam.

— Você de novo — grunhiu. Ele abriu a porta e deixou que Yoongi passasse por eles, sem olhar na direção de Taehyung, e escolhesse um lugar para se sentar. Jeongguk fechou a porta e olhou para o cabelo roxo brilhoso, franzindo o nariz com o desgosto de vê-lo novamente. Passou pelo seu desafeto com uma empurrada de ombro e falou: — Sai da minha frente!

— Grosso!

— Esse lugar já foi melhor frequentado — murmurou ao olhar por cima do ombro com uma careta.

— Pela primeira vez vou concordar com você — respondeu, indignado com sua falta de sorte.

Taehyung colocou o guarda-chuva no canto da porta e seguiu em direção a Jimin, que agora tinha foco em alguém específico, do outro lado do café. Não precisava sequer olhar para saber quem era o alvo. No entanto, o que o intrigava era o pequeno vinco de preocupação no meio da sobrancelha de seu melhor amigo.

Havia alguma coisa ali que Taehyung não sabia e, pela primeira vez em anos, ele sentiu que Jimin escondia algo dele. Não que melhores amigos fossem obrigados a compartilhar tudo um com o outro, afinal há situações em que você prefere reservar para si mesmo, e ele próprio não comentava todos os seus pensamentos e acontecimentos também, mas ainda assim... Era difícil não sentir uma pontada de decepção consigo mesmo por não saber o que sua alma gêmea estava sentindo.

Quando se sentou, ele tocou na mão de Jimin e deu um pequeno sorriso, despertando o melhor amigo de seus pensamentos.

— Você tá bem mesmo?

— Eu tô com fome — mentiu e Taehyung sentiu nas palavras a falta de verdade, mas optou por não insistir. Sabia que Jimin não gostava de pressão e falaria sobre o assunto quando estivesse preparado. — O que você quer comer?

— O bonitinho irritante de mais cedo azedou meu dia, então preciso de um doce urgente.

— Bonitinho?

— Não dá pra negar que o idiota é bonito, infelizmente.

— Bonito e idiota, sei.

— E irritante, insensível e grosso igual um cavalo.

— Entendi, tudo isso só com hoje? — Jimin riu e colocou a mão na boca, achando graça da careta que Taehyung fez quando viu o garoto levantar e ir até o banheiro. — Acho que o nome dele era Jeongguk, né?

— Sei lá, espero não ver esse ser de novo tão cedo.

Taehyung pegou o cardápio da mão de Jimin e passou os olhos pelos doces que já sabia de decor. Ele sempre pedia a mesma coisa e ninguém entendia o porquê de se dar ao trabalho de olhar os alimentos se já sabia o que ia querer, mas fazia isso mesmo assim.

— Vai ser torta de morango como sempre?

— Não. — Taehyung virou o cardápio e apontou para uma parte que dizia fatia surpresa, que mudava todos os dias e por isso levava esse nome. — Hoje eu quero essa aqui.

Jimin, cujos olhos costumavam se suavizar e diminuir de tamanho quando sorria, os arregalou em surpresa. Ele piscou algumas vezes, a boca entreaberta com a novidade.

O seu Taehyung, sempre viciado na torta de morango, ia pedir algo diferente. Era tipo esperar que ele tomasse café ao invés de chocolate quente, quase impossível.

Ele tocou na testa de Taehyung, temendo que o amigo estivesse febril, mas tudo o que sentiu foram os fios roxos unidos da chuva.

— O que deu em você?

— Sei lá, quis mudar — respondeu com um dar de ombros. Ele se levantou e apertou o braço de Jimin em uma forma de conforto, um sorriso gentil em seus lábios. — E você, vai querer o de sempre?

— N-não... — Jimin balançou a cabeça e resolveu não pensar demais, o dia por si só já estava esquisito o suficiente. — Não, pede o mesmo que você. Mas se tiver coco, esquece.

— Coco é maravilhoso.

— É horrível, Tae!

Taehyung riu do melhor amigo fazendo cara de ânsia de vômito com a menção da fruta. Caminhou até o balcão e olhou para a vitrine, só então reparando na sua visão periférica de quem estava na sua frente fazendo o pedido.

O bonitinho irritante e idiota. Hoje, definitivamente, não era seu dia de sorte ou o universo não seria tão cruel de atraí-lo para perto dessa criatura nefasta todas as vezes em tão pouco tempo.

Ele se colocou atrás de Jeongguk na fila e esperou. Esperou até demais para o seu gosto. Os segundos se arrastavam enquanto Taehyung trocava o peso do corpo de um lado para o outro, impaciente. A cada pergunta feita, ele revirava os olhos atrás do garoto e bufava para ver se Jeongguk percebia o quanto estava demorando na sua escolha.

— Que demora — murmurou, mas Jeongguk ignorou.

— Do que é a fatia surpresa hoje?

— Chocolate com frutas vermelhas — respondeu o atendente e deu uma amostra para Jeongguk experimentar. — Veja se gosta.

— Hm... Gostoso, mas não sei.

— Vai demorar muito? — Taehyung se inclinou para perto de Jeongguk, qualquer noção de espaço inexistente naquele momento, e ele apontou para a vitrine onde as fatias de doces estavam. — Sabe, tem gente com fome aqui.

— O que está te impedindo de pedir o que quer?

— Você e sua indecisão. Se não percebeu, você está na frente.

— Não tô indeciso, só não sei o que escolher.

— É a mesma coisa!

— Não é. — Jeongguk cruzou os braços e deu uma cabeçada em Taehyung propositalmente quando impulsionou o corpo para trás. — Se afasta de mim, idiota.

Taehyung massageou o queixo atingido e resmungou vários xingamentos, em um tom baixo para não chamar mais atenção do que já havia feito, que Jeongguk fingiu não ouvir.

— Sem noção — grunhiu. Ele veio para frente e empurrou Jeongguk com o ombro, como um adolescente revoltado que quer passar na frente dos outros na fila. — Não tem nem vinte e quatro horas que eu te conheci e já te detesto mais que o meu professor de cálculo.

— E eu te desprezo. — Empurrou ele de volta com mais força ainda, fazendo com que Taehyung tropeçasse no próprio pé e derrubasse os guardanapos no chão. O atendente os olhou, confuso, mas Jeongguk apenas sorriu de forma gentil e apontou para as duas últimas fatias surpresa disponíveis. — Vou querer as duas e dois cafés americanos, por favor.

— Tudo bem. — O atendente pegou os dois pratos contendo as fatias de chocolate com frutas vermelhas e depositou em cima da bandeja enquanto o barista preparava os cafés. Ele olhou para Taehyung e perguntou: — E você, o que deseja?

— Duas de limão e uma água com gás, por favor.

— Torta de limão, pff... — Jeongguk cruzou os braços e olhou de soslaio para Taehyung ainda massageando o próprio queixo. — Gosta de coisas azedas igual o seu humor?

— Você que azeda o ambiente, garoto.

Jeongguk riu, mas quando foi responder, o barista chegou com os dois cafés que faltavam e os depositou na bandeja. Para não perder mais tempo com a companhia irritante de Taehyung ao seu lado, ele apenas pegou seu pedido e se dirigiu na direção contrária, onde ficaria o mais afastado possível da dupla.

O atendente fez o mesmo com o pedido de Taehyung, mas ele não prestava atenção ao que estava a sua frente, indignado com a prepotência de Jeongguk. Como um garoto conseguiu, em tão pouco tempo, se tornar tão presente a ponto de incomodá-lo? Ele olhava na sua direção e comentava algo com Yoongi, um sorriso debochado estampado em sua feição que em qualquer momento não o irritaria, mas vindo dele hoje, significava que era um sinal claro de provocação.

— Eu vou socar a cara desse infeliz!

— Senhor?

— O que é?! — respondeu de forma grosseira e só então percebeu que era o atendente com o seu pedido. — Desculpa, tava pensando alto.

— Está tudo bem? — Seokjin, o dono do estabelecimento, apareceu atrás do atendente com um olhar preocupado. — Aconteceu alguma coisa? Seu pedido está errado?

— Não! — Taehyung balançou as mãos e se inclinou, envergonhado pelo seu erro. — Desculpa, hyung. Fui eu que me distrai com um idiota e acabei não prestando atenção quando meu pedido chegou. Foi mal.

— Quem foi que tirou meu Taetae do sério?

— Aquele imbecil ali — apontou com o queixo na direção dos dois amigos que, no momento, não olhavam mais para ele. Observando assim, Jeongguk até parecia como um garoto gentil, de sorriso fácil e que você pode oferecer um doce que ele não irá negar. Quase fofo, pena que era uma mentira descarada e parecia que apenas Taehyung via isso. — Vontade de esfregar a cara dele na mesa.

— O Jeongguk e o Yoongi?!

— Você conhece os dois?

— São meus amigos! — Seokjin cruzou os braços, indignado. Ele inclinou o corpo para frente do balcão, olhando Taehyung com atenção. — Você não sabia?

— Nunca vi esses dois antes, eu acho.

— Hm... Achava que vocês se conheciam.

— Então o Namjoon hyung também conhece eles? — perguntou, os olhos arregalados com a possibilidade que todos os seus amigos estavam ligados aos dois, principalmente Jeongguk.

— Claro que sim. — Seokjin estreitou os olhos e chamou Taehyung para mais perto, quando ele se aproximou, questionou baixinho: — O que o Jeongguk fez? Ele é um doce de garoto.

— Um doce? Ele tá te enganando. Esse garoto é azedo feito morango fora de época e um idiota!

— Cruzes, quanto ódio nesse coração. — Seokjin se inclinou e apertou de forma suave as bochechas de Taehyung na intenção de fazê-lo relaxar, o que conseguiu com facilidade. — Como isso aconteceu?

— O universo me odeia e eu sou a pessoa mais azarada do mundo por ter trombado com esse mala hoje cedo.

— Só isso?

— Bom... — Taehyung esfregou a nuca, sem saber o que responder, afinal ele só pegou raiva do garoto porque ele o provocou desde o começo e, com sua pouca paciência, acabou por responder na mesma linha. — É o suficiente, não? Foi um ódio mútuo.

— E o Jimin também tá nessa? — Seokjin apontou o queixo para trás de Taehyung e, quando ele se virou, o que viu foi algo que o deixou de queixo caído. — Mas não parece que eles estão brigando... Nem que se odeiam realmente.

Ali estava Jimin, parado na frente de Yoongi.

Ele olhava o melhor amigo de Taehyung com uma frieza estranha, enquanto Jimin parecia evitar a todo custo encarar os olhos alheios, com medo. Não era uma cena normal, e eles não pareciam estar em uma briga, mas tampouco pareciam ter uma conversa comum de desconhecidos.

Na verdade, parecia que eles se conheciam além do que apenas um mero momento, como era o caso de Taehyung e Jeongguk. Parecia que eles tinham uma história por detrás do comportamento que apresentavam.

— Eu não sei. — Taehyung engoliu em seco, o coração apertado dentro do peito ao ver o amigo tão pequeno diante de outra pessoa. Era uma vulnerabilidade que ele desconhecia e isso o deixava temeroso. — O Jimin tá esquisito desde que vimos esse cara...

Em um piscar de olhos, Yoongi seguiu na direção dos banheiros e Jimin, confuso com a atitude, foi logo atrás sem dizer nada ou olhar para as poucas pessoas que acompanhavam o desenrolar da cena. Mais um piscar de olhos e Jeongguk passou ao lado de Taehyung, mas ele o segurou no lugar pelo braço.

— Onde você vai?

— Não te interessa.

— Você vai atrás deles — afirmou.

— Me solta! — Jeongguk olhou para trás de Taehyung e viu Seokjin apoiado no balcão, confuso com tudo o que estava acontecendo. Ele soltou um suspiro cansado e afastou a mão alheia de seu braço. — Só estou preocupado, hyung.

— Eu vou com você — disse Taehyung, ignorando o fato de que Jeongguk não falava com ele no momento.

— Não precisa.

— Vão os dois logo. — Seokjin apertou o canto dos olhos, cansado e voltou a olhar para os dois à sua frente. — Mas fiquem quietos, se eles estiverem conversando como pessoas civilizadas, vocês voltam.

— Tudo bem.

Os dois foram em direção ao banheiro em passos rápidos e Jeongguk empurrou Taehyung para o canto, encostando-o na parede, e ganhou um soco no braço em resposta. Eles se encolheram na parte lateral onde havia um vaso de plantas grande, o suficiente para que ninguém os notasse ali — ou era o que eles esperavam.

O silêncio era desconfortante, mas ao menos não parecia que os dois estavam prestes a se agredir, embora eles sequer soubessem o que estava rolando lá dentro. A porta estava entreaberta, mas não havia barulho, vozes, nada.

Se isso era bom, não dava para dizer.

Jeongguk quis entrar, mas Taehyung pisou no seu pé e o fez ficar no lugar, cobrindo sua boca com a mão para que ele não o xingasse. Isso também o poupava de precisar ouvir a voz incômoda do garoto ao invés do que ocorria dentro do banheiro.

Eles ouviram duas cabines se abrirem, o som da água corrente e, de repente, o mais puro silêncio. Alguns segundos depois, passos. Por um instante Taehyung entrou em pânico, com a certeza de que Jimin e Yoongi iam sair do banheiro e os veriam ali, escondidos de uma forma tosca. No entanto, o alívio logo veio quando ouviu a voz do melhor amigo falando pela primeira vez:

— Espera — pediu, tão triste que o coração de Taehyung se apertou no peito. — Será que podemos conversar?

— Não temos nada para conversar, Jimin-ssi.

A frieza com que Yoongi respondia deixava Taehyung ainda mais nervoso e, por causa disso, ele descontava em Jeongguk. Apertou as bochechas do garoto com força quando percebeu que ainda cobria sua boca, ganhando uma cotovelada na costela em resposta.

— Não me bate!

— Para de apertar meu rosto — resmungou baixo e deu um tapa na mão de Taehyung, segurando-a para que ele não voltasse a tentar cobrir sua boca outra vez. Jeongguk ousou se afastar, mas desistiu sem entender direito o porquê, embora achasse que havia espaço suficiente para os dois que não precisavam de tamanha proximidade assim. — Seu imbecil.

— Vai pra lá — pediu Taehyung, sentindo-se estranhamente espremido pelo corpo alheio e a parede. — Tem mais espaço, sabia?

— Cala a boca e deixa eu ouvir.

— Por favor, eu só... — Jimin parecia perdido e prestes a chorar, a voz embargada denunciava sua intenção facilmente. — Você foi embora aquele dia e não meu deu explicações.

Yoongi ficou em silêncio e ambos não possuíam visão do que estava ocorrendo do lado de dentro para saber o que esperar. Ser curioso era uma desgraça, e pior ainda por saberem o quão errado era trair a confiança dos amigos dessa forma. Embora, de todo modo, tanto Taehyung quanto Jeongguk sabiam que após o retorno para suas mesas, os amigos iam contar o que aconteceu eventualmente.

Ou ao menos era o que eles esperavam.

— Você sabe o porquê.

— Não, eu não sei! — A voz de Jimin estava mais firme agora, porém com uma pontada de desespero. — Você nunca me disse o que rolou, foi tudo tão de repente e-

— Você me traiu, Jimin! 

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