Capítulo 4: Bruce

Spoiler: Nem todas as batalhas são travadas entre pessoas. Algumas acontecem entre o coração e a cabeça...

Dirigindo de volta para casa, depois de deixar Kathy em seu apartamento, comecei a refletir de verdade sobre no que eu estava me metendo. Parei para pensar nas dificuldades que enfrentei no primeiro ano de luto, me tornando, da noite para o dia, responsável pela fazenda. Meu pai nunca me obrigou a seguir o seu sonho, mas, agora, eu me via perdido, tendo que criar e recriar estratégias para administrar as despesas com o gado e tentar segurar os antigos funcionários. Eu sabia que ele não gostaria que eles perdessem seus empregos depois de anos de dedicação. Mas os cortes já haviam começado e, embora dolorosos, não havia outra opção. Quem sabe, com o prêmio do reality, eu conseguisse contratá-los novamente.

Será que eu podia ter esperança quando deveria prever uma tragédia?

Sempre que o assunto era trabalho em equipe, na época da faculdade, Kathy era a primeira a ser desconsiderada nos grupos. A garota queria mostrar ao mundo o quanto era boa. Ela fazia de tudo: dançava, cantava, atuava. Até pintar quadros, ela pintava. Porém, seus talentos, mesmo bem executados, eram encarados como exagero. Para mim, todos eram um bando de invejosos. Mas um dia, os meus pensamentos sobre ela mudaram.

Depois que Tobby me contou sobre seus sentimentos por Kathy, me afastei. Flertar com ela era algo que saía naturalmente, mas não havia outra saída a não ser a distância. No entanto, mesmo ela dando a entender que eu não servia para ela, foi então que as suas primeiras alfinetadas contra mim começaram a surgir.

Pensei por vários dias no que tinha feito de errado com ela e me dei conta de que o seu comportamento estúpido e repentino era um sinal de que me queria por perto.

Algumas semanas passaram, e as turmas de cinema foram visitar o Teatro Stone Coliseum com o professor Matteo Davis. Durante o intervalo, passei pelas mesas onde os estudantes lanchavam e joguei um bilhete em cima da bandeja de Kathy. Ela me olhou assustada, mas pareceu ansiosa demais para quem dizia não se importar comigo.

"Me encontre na sala de figurinos daqui a dez minutos, se quiser ficar comigo. Deixaram a porta aberta.", estava escrito no papel.

Vi Kathy se levantar na mesma hora, arrumar as coisas na mochila e largar todo mundo para trás. Já eu demorei a fazer o mesmo, porque Tobby veio me contar que tinha tomado um fora dela naquele dia.

Eu quis mandar o peso na consciência, que chegava antecipadamente, ir tomar naquele lugar. Também estava a fim de Kathy. Mas, no fundo, sabia que só seria uma pegação temporária. Eu não queria nada sério. Valia a pena destruir a minha amizade com Tobby? E o pior, valia a pena insistir em ser a ruína da Kathy?

Fui encontrá-la, mas para explicar que não daria certo. No entanto, acabei me deparando com algo que me chocou profundamente: Kathy estava agarrada ao professor Davis. Eles se beijavam. E só pararam porque me viram.

Matteo Davis era o responsável por indicar estudantes às vagas de estágios para grandes produtoras. Será que ela estava tentando impressioná-lo para garantir uma delas? O que mais poderia justificar aquela cena?

Na hora, meu sangue ferveu. Não parecia a Kathy que eu admirava.

Nossas reais desavenças começaram a partir desse dia. Passamos a odiar estar no mesmo ambiente. Porém, o problema era que os outros professores cismaram que faríamos um bom par romântico em uma nova peça. O desastre tomou conta de tudo. No intervalo do primeiro ensaio, ela chorava tão alto atrás do palco que resolvi investigar se eu era o motivo. Acabei ouvindo Bonnie se oferecendo para substituí-la. Óbvio que Kathy não aceitou. Mas vê-la voltar para o ensaio com o rosto inchado e vermelho foi uma humilhação tão grande para mim que preferi forjar gagueiras e esquecimentos. Resultado: fui desclassificado no mesmo momento.

Foi difícil assistir Tobby beijá-la nos ensaios. Pior ainda porque eu tinha certeza de que ele errava a cena de propósito. Mas Kathy nem parecia se importar. Descobri, depois de um tempo, que eles deram início ao namoro nessa época.

Quando nos formamos, senti um alívio enorme... que durou dez dias. A saudade bateu forte, e percebi que talvez, só talvez, não fosse uma simples atração e eu tivesse sido apaixonado por ela.

Ontem, passando por uma Los Angeles que escurecia, depois de fazer uma ponta numa série tocando guitarra, olhei vagamente para uma lanchonete, e lá estava ela. Meu coração disparou. Foram cinco anos. Cinco anos sem ver essa garota. Kathy estava toda atrapalhada e com aquele olhar de revolta que normalmente direcionava a mim, mas que, naquele momento, mirava a bandeja em suas mãos. Eu não sabia o que fazer, mas uma coisa era certa: eu precisava falar com ela. Parei no poste de esquina e esperei ansiosamente pelo encontro nada acidental.

Kathy... Como eu sentia sua falta e dos malditos olhos de cores diferentes. Era impossível não ficar hipnotizado quando ela me encarava, mesmo que fosse para me xingar.

💗

Cheguei em casa tarde, tudo quieto, exceto pelo som dos grilos lá fora. Entrei e vi meu irmão Logan dormindo no sofá, com um controle de videogame na mão. Ele tinha 13 anos, mas parecia tão cansado quanto eu.

- Ei, campeão. Vai para a cama - sussurrei, dando um tapinha no ombro dele.

Ele resmungou e foi para o quarto, sem sequer abrir os olhos direito.

Fiquei na sala por um momento, olhando para a bagunça, no mesmo lugar onde meu pai costumava sentar depois de um longo dia. Tudo estava diferente agora, mais vazio. Era como se o peso do mundo tivesse se acomodado ali: em cada móvel, em cada canto, em minhas costas.

Subi para o meu quarto, me joguei na cama, mas o sono não vinha. Minha mente continuava voltando para Kathy, para o que ela disse sobre "sermos o casal mais adorável do reality". Era estranho pensar nisso.

Mas ela estava certa. Se quiséssemos ganhar o prêmio, precisávamos convencer o público de que éramos perfeitos um para o outro. Ela dizia que improvisar era arte. E agora, estávamos prestes a improvisar o maior papel de nossas vidas.

Na manhã seguinte, enquanto carregava ração para os cavalos, ouvi minha mãe me chamar da varanda. Ela parecia mais animada do que o normal, o que, ultimamente, era raro.

- Logan me disse que você vai participar de um reality show - instigou ela, sorrindo.

- Sim, algo assim - respondi, tentando minimizar. Eu tinha acabado de contar para o meu irmão, que não conseguiu guardar o segredo nem por uma hora. Que fofoqueiro!

- E quem é essa garota que vai com você?

Parei e olhei para ela. Não sabia o que dizer sobre Kathy sem que minha mãe se preocupasse. Ela certamente se lembraria do processo que o pai dela colocou contra mim. Embora, por algum motivo desconhecido, tenha retirado.

- Uma amiga.

- Hum... - Ela inclinou a cabeça, nitidamente não acreditando. - Só espero que ela seja boa para você.

Eu ri e voltei ao que fazia.

- Não se preocupe, mãe. É só trabalho.

Porém, mesmo falando isso, uma parte de mim sabia que não era tão simples.

Indo para o estábulo, meus olhos se fixaram no espaço onde eu costumava estacionar minha moto. Minha mãe vivia dizendo que andar com ela era perigoso, que me deixava desprotegido, ao contrário de um carro. Meu pai achava isso uma besteira, até porque, segundo ele, foi graças à Harley-Davidson que minha mãe se apaixonou por ele. É claro que ela desmentia, dizendo que foi a barba exagerada e o jeito de andar cheio de marra que a conquistaram.

Pilotar sempre foi meu jeito de fugir um pouco. O vento no rosto faz o resto do mundo sumir por alguns instantes. Mas foi justamente a velha moto dele que nos tirou o chão para sempre.

Quando Kathy viu meu carro velho ontem, percebi um lampejo de compreensão em seus olhos. Era como se ela soubesse que havia algo sombrio no meu passado com motos. Isso mexeu comigo. Sempre foi assim, desde a faculdade. Kathy tinha esse jeito de enxergar além das palavras, de captar o que ficava nas entrelinhas. Talvez fosse uma habilidade dela como atriz, essa necessidade de observar o mundo para interpretá-lo, mas parecia mais natural para ela do que para mim.

Isso às vezes me irritava, porque sempre acabava confiando nela quando o sentimento não era recíproco. E agora, com o reality batendo à porta, eu sabia que seria impossível manter minha guarda alta o tempo todo.

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