Capítulo 3: Kathy
Spoiler: Nunca subestime um ex-colega de faculdade. Especialmente se ele tiver um sorriso irritantemente perfeito.
Eu deveria me sentir aliviada. Conseguimos enganar o produtor do reality, passamos pela seleção e, agora, estávamos oficialmente no programa. Só que, em vez de alívio, eu estava com uma sensação horrível no estômago.
Talvez fosse culpa do Bruce.
Na verdade, com certeza, era culpa dele.
Estava caindo a ficha naquela hora de que depositava novamente minha confiança nele. Bruce e eu tivemos problemas sérios, que simplesmente foram ignorados por comodidade. Até o processo que meu pai colocou contra ele, eu pedi para ser retirado por ser uma frouxa. Tive medo de que ele fosse inocente, mesmo tudo indicando o contrário.
Sentada no banco do carona, me via incomodada com tantas coisas passando em minha cabeça. Olhei de relance para ele, dirigindo de volta para o meu apartamento, parecia tão... calmo. Sempre tão seguro de si, com aquela pose de "sou o fodão". O tipo de cara que você queria odiar, mas, de alguma forma intrigante, acabava prestando atenção demais. A sua barba por fazer; não estava acostumada a vê-lo mais despojado. Bruce não era mais o garoto de 22 anos que eu deixei no passado; ele agora era um homem. E por sinal, estava mais bonito do que antes.
Além disso, outras coisas chamavam a atenção. O case de guitarra sobre o banco traseiro, me fez lembrar dele tocando violão, sentado no gramado do campus e o povo o bajulando em volta. Também tinha o chapéu de cowboy em cima do case, igual ao que apareceu usando no primeiro dia de aula. E também... o carro.
— Um Ford F-1000? Não creio! — comentei, enquanto olhava o interior do veículo. Estofados surrados, cheiro de couro velho e graxa. Parecia o tipo de carro que podia sobreviver a uma guerra.
Ele me fitou de esguelha e perguntou:
— O que tem o meu carro?
— Nada, só estou surpresa. Na faculdade, você era o cara da moto. Uma máquina grande e potente, cheia de estilo. Agora... isso? — gesticulei para a picape, como se fosse uma relíquia do século passado.
Bruce riu, aquela risada abafada, mas, dessa vez, pareceu um pouco sem graça.
— Eu vendi a moto.
Fiquei indignada. Bruce adorava aquela moto. Falava dela como se fosse a coisa mais preciosa do mundo. Até eu queria uma igual.
— Vendeu? — Arqueei uma sobrancelha. — Por quê?
— Tive meus motivos. — Ele deu de ombros, mantendo os olhos na estrada.
A postura de "tanto faz" soou forçada. Algo ali não estava certo.
— É só isso que você vai me dizer? — insisti, porque eu era teimosa. Então ele virou o rosto para a janela, evitando me encarar.
Foi nesse instante que percebi, juntando as peças do quebra-cabeça. Bruce nunca se desfaria de algo que era obcecado sem um bom motivo. Provavelmente, foi para pagar alguma dívida. Talvez relacionada à fazenda ou à família.
Decidi não pressionar mais. Não porque eu não queria saber, mas porque senti que esse era um território delicado. Agora era ele quem não queria uma amiga, mas sim uma colega de trabalho.
Justo.
Assim que chegamos no meu prédio, peguei a minha bolsa e desci do carro. Bruce abriu o porta-malas e pegou a minha mala de rodinhas grande e colorida que eu tinha levado, pois, antes da entrevista para o reality, fiz um bico pela manhã.
Quando fui pegar a minha bagagem, ele saiu puxando-a.
— Não precisa carregar minhas coisas. Eu consigo sozinha — avisei, mas ele nem deu bola.
— Claro, porque você ia fazer malabarismo com esse guarda-roupa ambulante e tropeçar nos degraus... De nada, Kathy.
— Seu insuportável, eu faço isso sempre. — Estreitei os olhos enquanto ele subia as escadas comigo, fazendo uma de cavalheiro conquistador. Porém, quando passávamos pelo hall de entrada, veio um menino correndo com um skate e esbarrou na minha mala. Ela abriu no meio do corredor, derrubando tudo. Minha respiração travou.
Ali, no chão, estavam fantasias coloridas de super-heroínas e fada, chapéus de mágico e uma varinha quebrada. Ele se abaixou para pegar a cartola preta enquanto eu tentava, desesperadamente, esconder o que pudesse.
— Festa infantil? — Ele perguntou, erguendo uma das fantasias.
Senti o rosto queimar.
— Não é da sua conta.
Bruce ficou em silêncio por um momento, o que era incomum. Ele guardou a cartola na mala sem fazer nenhum comentário sarcástico. Ao invés disso, me olhou de um jeito que não reconheci. Não era julgamento. Era algo mais próximo de compreensão.
— Você está trabalhando nisso, é, Morgan? — perguntou, com uma voz mais baixa.
Desviei o olhar, odiando o quanto aquela pergunta parecia me expor.
— É só um trabalho temporário... para... complementar a renda.
Ele não disse nada por um instante, apenas fechou a mala com cuidado e se levantou, segurando-a como se carregasse algo muito importante.
— Não precisa se explicar, Kathy. Todo mundo faz o que pode.
A simplicidade do comentário me deixou desconcertada. Não zombou. Não me provocou. E, por algum motivo, isso me fez sentir ainda mais vulnerável.
Quando entramos no elevador, Bruce finalmente falou algo que quebrou o silêncio.
— Só tenta não enfiar isso no roteiro do reality, tá? Não quero ter que usar fantasia de mágico ou aquelas asas da Sininho. Gosto de outro tipo de fantasia, se é que me entende...
— Nem nos seus sonhos, Bruce McAllister — zombei, com um leve sorriso.
— Ah, Kathy, se pudesse entrar nos meus sonhos, ficaria horrorizada.
Franzi a testa, estarrecida, imaginando que estivesse falando de alguma pornografia.
Por mais que eu quisesse, não pude ignorar o jeito como ele lidou com a situação. Bruce poderia ter feito piada. Ele era o meu inimigo número 1, afinal. Era assim que sobrevivemos um ao outro. A alfinetada era como a nossa espada em um duelo. Mas não fez, e isso me fez questionar o que mais eu não sabia a seu respeito.
Por que ele está agindo assim agora? Será que era algum tipo de estratégia para me desarmar?
Talvez viver ao seu lado fosse mais complexo do que eu pensava.
Será que eu resistiria ao garoto do Canyon?
Garoto não, Kathy...
Ele agora é um homem. E que homem!
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