Casamento
Os dias que se seguiram foram tão agitados e cheios de compromissos devido o planejamento do noivado que Sorte e Azarado só voltaram a se encontrar na ocasião do casamento de Maria Valeriana.
A família Olivares chegou antes dos Almeida e ficou na frente do templo enquanto trocava cumprimentos amigáveis e desenvolviam conversas sobre rotinas.
Também havia um comentário aqui e outro acolá acerca da cerimônia que em breve teria início. O noivo, nervoso, andava inseguro de um lado para o outro enquanto lançava olhares discretos rumo a Sorte.
A barriga de Adália já começava a despontar e isso era motivo de orgulho para Pedro, que comentava feliz sobre a criança vindoura sempre que alguém mencionava a gravidez. Adália trocava conhecimentos e dicas com mães experientes, que sabiam bem como era aquele período de vômitos frequentes e aumento de energia.
- Quando esperava por Carlos Alberto foi o período mais difícil. Nada ficava no estômago. - Comentou a senhora Alencar. - Eu me olhava no espelho e me via pálida da falta de paz entre meu estômago e os alimentos.
- Já eu, não conseguia - a senhora Ferreira abaixou o volume da voz ao nível do sussurro para que apenas as senhoras Alencar e Olivares ouvissem o que tinha a dizer -, vocês sabem... Não conseguia manter-me longe da casinha. Ah! Que sofrimento. O senhor Alencar estranhava muito.
- Pedro não acha os sintomas estranhos. - Adália sorriu. - A cada novo que surge, ele faz festa. O que torna tudo bastante suportável, apesar de nada agradável.
- É compreensível. Devia estar louco para ser pai, não é mesmo? - Comentou a senhora Weirtz, enfiando-se no círculo. - Depois de tanto tempo esperando, presumo que seja normal ficar feliz com qualquer bobagem que mostre a chegada de um herdeiro.
O veneno das palavras da mulher gerou mal estar instantâneo. As senhoras Alencar e Ferreira dardejaram o olhar entre a senhora Weirtz, que sorria maldosamente, e Adália, cujo sorriso murchou por alguns instantes antes de responder:
- Não importa o quanto esperamos, seguimos pela vontade de nosso Senhor. - Com o olhar endurecido encarou a mulher mais velha.
- Queira Deus que essa criança seja gerada até o fim, querida. - Escarneceu em tom de inocência. - A senhora condessa, infelizmente, não é mais uma moça. O corpo enfraquece com o tempo, fica mais difícil segurar uma criança no ventre.
A sugestão de que Adália era velha demais e podia ter um aborto espontâneo a qualquer momento caiu como uma pedra entre as mulheres. A senhora Alencar, sem palavras, tapou a boca aberta de surpresa com um leque que trazia em mãos. A senhora Ferreira arregalou os olhos. E a senhora Weirtz sorriu enquanto dava piscadelas condescendentes.
A condessa, preocupada com o fundo de verdade daquela provocação, instintivamente colocou uma mão sobre a barriga, como se pudesse e quisesse segurar a criança dentro de si.
Nenhuma delas viu, no entanto, a chegada da pequena Bianca Almeida, com seu rosto vincado mais pelo desgosto de precisar respirar o mesmo ar que a senhora Weirtz do que pela passagem do tempo. Quando a marquesa falou atrás da provocadora, sua voz saiu firme de resolução.
- Não se preocupe condessa. A senhora é saudável como uma figueira velha. - Chamou a atenção do pequeno círculo e de outros ao redor. - Além disso, vai ser uma excelente mãe, diferente de umas e outras por aí que passam mais tempo futricando a vida alheia do que cuidando dos próprios interesses. Não concorda senhora Weirtz?
Sob o interpelo de Bianca, Florência Weirtz se calou. Queria retrucar usando mais de seu veneno, mas o marido a estapearia se soubesse que ela contrariou a marquesa.
Ao perceber que a amargurada Weirtz não a responderia, Bianca seguiu com seu plano original. De debaixo do braço tirou um embrulho médio, cheio, quadrado e amarrado com uma fita de cetim de cor branca na qual fizera um laço.
- Sei que o casamento não é um ambiente adequado para presenteá-la, condessa, no entanto, sou velha e o tempo urge. Além disso, tenho ficado mais na cidade do que na fazenda, a senhora sabe os motivos. - As outras senhoras espicharam os ouvidos para não perder detalhes caso a velha soltasse detalhes acerca do futuro noivado. Porém, para a decepção das mesmas, a dona de Diamantais era discreta. - Assim sendo, aceite estes mimos que tricotei pessoalmente.
A matrona estendeu embrulho para Adália, que o recebeu com olhos brilhantes de alegria.
- Que gesto gentil senhora Bianca! Estou honrada e grata por ser presenteada pela senhora. Muito obrigada. - A condessa agradeceu.
- É um prazer, querida. - Bianca sorriu. - Havia muito tempo que não tricotava peças para bebês, estou com os dedos endurecidos.
- Não creio! Certamente vou adorar, e o conde também. - Adália falou enquanto olhava para o embrulho e uma mão foi apoiada em seu ombro.
- Ouvi meu nome. - Pedro falou enquanto alinhava-se do lado da esposa e observava o pacote em suas mãos.
- Veja querido. A gentil senhora Almeida tricotou presentes para nossa criança. - Adália entregou o pacote para o marido.
- Obrigado Vossa Graça. - Pedro agradeceu. - Podemos abrir?
- Sintam-se à vontade queridos. - A mulher autorizou.
Pedro estendeu o embrulho para Adália que cuidadosamente desfez o laço e afastou o papel, revelando um par de macacões brancos e duas mantas que combinavam. Adália abriu um largo sorriso enquanto Pedro riu abobado. A condessa ergueu uma das peças admirando o trabalho bem feito das mãos experientes.
- Lindos! - Adália exclamou.
- Um trabalho de mestra. - Pedro admirou em voz alta.
Bianca sorriu elogiada pelo apreço de seu trabalho enquanto Florência engolia a saliva amarga de inveja.
A alguns metros do grupo das senhoras, algumas moças trocavam impressões. Ofélia segurava pela mão a pequena Mirtes, sua irmã. Parecia-se muito com ela, mas em miniatura. A menina observava o confabulo entre a mais velha e Sorte Olivares.
- Dona Maria Valéria só faltava estar vestida de noiva tamanha a empolgação com esse casamento. - Ofélia comentou em voz baixa e Sorte riu.
- Não seja maldosa, Ofélia. É natural que as mães se empolguem com o casamento dos filhos, principalmente quando é com uma boa pessoa. - Sorte defendeu a mãe da noiva, mas ainda ria.
- E o noivo? Está tão nervoso que já traçou um trieiro no chão da igreja. - Avaliou.
- Não posso discordar. - Sorte lançou um olhar rápido na direção do noivo que suava, vermelho. Depois desviou os olhos para o rosto curioso de Mirtes. - Deve estar ansioso para se livrar daquela roupa quente. O coitado está suando em bicas.
- Ou tem medo da noiva fugir. - Ofélia falou com maldade. - Mamãe ouviu boatos de que ela está sendo obrigada a casar.
- Não pode ser verdade, - Sorte dissimulou - Maria Valeriana sempre foi uma moça muito correta.
Ela sabia bem porque a moça não queria se casar e até mesmo sentiu uma ponta ciúme, mas no fim raciocinou que a pobre era uma coitada apaixonada e iludida que não poderia ter o que queria.
Quem não poderia ter o que queria também, era Ofélia. Já chegara aos ouvidos dos pais da moça o boato de que Sorte e Azarado se casariam. O senhor Weirtz, no entanto, afirmava categoricamente que isso jamais aconteceria, pois sua filha seria a próxima marquesa. Estava tão certo disso que era impossível não acreditar.
Ofélia sentia-se mal pela amiga, afinal, seria uma rasteira e tanto. Mas na vida existem prioridades e a dela era fugir de casa o mais rápido possível, por isso, para que o rompimento com Sorte não fosse tão doloroso, Ofélia afastava-se aos poucos. Primeiro diminuiu o número de visitas, a cada vez que encontrava Sorte conversava menos e sobre assuntos cada vez mais rasos.
Sorte, perdida nas próprias lutas internas, não percebia. Estivera ocupada demais analisando os livros de suas propriedades e encontrou uma pequena discordância sobre a qual investigaria em breve. Tinha também obrigações com os preparativos para o noivado. Já tirara as medidas, encomendara o enxoval - pagou mais para que Consuelo Carvalho, a costureira, mantivesse segredo acerca daquilo -, escolhera e organizara os doces que estavam em produção nas próprias fazendas e aprovara listas de compra que a marquesa enviava através de um mensageiro.
No fundo, apesar de não admitir para si, lidava com o sentimento desperto por Marcel. Sorte queria se casar com Azarado de livre e espontânea vontade, pois achava que era o certo a fazer. Contudo, volta e meia a lembrança do beijo do francês voltava para atormentar.
Certa noite sonhara com uma continuação do beijo e acordou suada e quente. Levantou-se da cama, horrorizada, e andou até o guarda roupas onde pegou o tabuleiro de xadrez. Sorte não sabia o que fazer com o que sentia, então remoia a culpa em seu interior.
Paulatinamente.
Até que no dia anterior ao do casamento de Maria Valeriana, tomou uma decisão séria. Azarado pedira para que ela confiasse nele e ela confiaria.
Ofélia calou-se dos comentários que fazia quando mais cinco pessoas juntaram-se a elas. Divino Tancredo, Carlos Alberto Alencar, Marcel e Clementine Desfleurs e Diamantais. Todos trocaram cumprimentos polidos e conversaram sobre o tempo em primeiro lugar.
Sorte sentia um profundo constrangimento em estar na presença de Marcel após o ocorrido. Tentava parecer natural, mas seu olhar fitava mais as pontas das botas do que os rostos das pessoas. Ele agia naturalmente. Sorria e era gentil como sempre. Divertido, arrancava risos dos demais. Azarado, por sua vez, estava desconfortável por ter Clementine pendurada em seu braço. Por mais que tentasse se desvencilhar, a mulher não o largava. Por outro lado, o marquês estava preocupado com sua noiva, que parecia distante e retraída.
Maria Valeriana chegou finalmente e todos os convidados entraram na igreja que estava toda enfeitada na cor branca. As famílias se acomodaram em conjunto de modo que Sorte acabou ficando do lado esquerdo da nave e Azarado do lado direito.
O noivo, desconfortável, fitou o marquês por um longo momento. Finalmente Maria Valeriana entrou no templo e a cerimônia correu normalmente, exceto quando o padre perguntou se alguém era contra o matrimônio e a mocinha olhou diretamente para Azarado, que se sentiu estranhamente encurralado. Principalmente quando o noivo também olhou para ele. A tensão se esvaiu quando o padre declarou que ninguém era contra, então o casamento prosseguiria. Diamantais sentiu a morte e a ressurreição naquele momento sublime.
Em um dia de sorte Maria Valeriana nem o notaria ali, mas claramente não era um desses dias premiados. Não podia reclamar, é claro, foi afortunado de a noiva não gritar que o amava. Apesar da latente vontade de fazer exatamente isso, uma força a petrificou até que o casamento prosseguisse.
Algumas horas depois do início da celebração em latim. Enquanto algumas pessoas choravam emocionadas e outras dormiam discretamente, os noivos aceitaram a união. Maria Valéria estava tão contente que quase saltava até o teto.
Ao final da celebração, agradecia aos convidados e lembrava-os da recepção no salão ao lado.
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