o1| Névoa
Rangidos, malditos rangidos.
Não haveria manhã sequer que esses sons vindos dos canos não viessem a me acordar. A gélida névoa que invadia os campos da mais fria cidade que já morei, agora se tornava um pouco mais ousada, invadindo as finas persianas do meu quarto e me dando fortes calafrios.
O pequeno relógio digital posto em minha mesa de estudos marcava cinco horas da matina, mais uma noite sem dormir. Ótimo! Levantei da cama e gemi ao pensar que a água do chuveiro estaria gelada o suficiente para me congelar, se optasse por um banho naquele horário.
Procurei algo no pequeno guarda roupas para poder conseguir caminhar na gelada floresta de Blizzard. Depois de várias tentativas sem sucesso para vestir dois moletons, me senti derrotada. Vesti uma calça jeans desbotada e galochas.
Andei até a cozinha onde me deparei com grandes olhos que me observavam com curiosidade. Haru, meu grande gato peludo como um lince.
Caminhei em sua direção, onde ele já se levantava preguiçosamente e miava baixinho, exigindo seus biscoitos de peixe que tanto amava.
— Você nunca enjoa desses biscoitos, não é Haru? — sussurrei para ele enquanto fazia um leve carinho em suas orelhas.
Após comer uma bela porção de cereais, peguei as chaves para abrir a porta principal. O dia estava bem mais frio que o normal.
Olhei para trás, era estranho não ver mais meus pais sentados na mesa naquela hora da manhã. Papai lendo seu habitual jornal e mamãe assando os biscoitos favoritos de Haru e Kalinne. Fechei a porta e desci os degraus da pequena escada na varanda coberta de gelo.
As vantagens de morar em locais isolados é não ter vizinhos pedindo uma xícara de açúcar na sua porta. Fui até a imensa floresta que me afastava da pequena cidade de Blizzard.
As árvores estavam quase todas petrificadas por consequência da forte tempestade que abateu o local na noite passada. Sempre gostei de lugares frios, mas aquele lugar em especial me trazia certa melancolia, o que era bem vindo de vez em quando.
Retirei os fones cor de rosa do bolso e os coloquei no ouvido. A música começou a tocar quando apertei o play do mp3, tudo parecia girar e o meu mundo tornava-se surreal ao toque da música.
A princípio, não apreciava muito a ideia de sair sozinha pelos vales gelados das florestas do silêncio, mas após ter ficado sozinha a própria sorte, solidão era tudo que eu mais prezava. Comecei a fazer uma caminhada lenta, apenas para aquecer.
Os raios de sol ainda não haviam penetrado totalmente na floresta, o que dava a ela um aspecto sombrio.
A névoa cobria tudo ao redor e as árvores projetavam monstruosas sombras entre os poucos pontos de luz. Caminhei mais depressa, mas a neve estava dificultando bastante o meu progresso.
Quando finalmente corri o bastante para ficar disposta, minha galocha afundou em um buraco coberto de neve. Pensei em desistir e voltar para casa. Quando comecei a retornar ouvi vozes que ecoavam perto do lago.
Imaginei que poderiam ser caçadores, mas não estava na temporada de caça. Então só poderiam ser duas pessoas naquela hora do dia, Lili e Leff.
O grande lago onde Lili soltava altas gargalhadas estava petrificado, para ser sincera, nunca o vi descongelar desde que cheguei aqui.
Os gêmeos dançavam de forma desajeitada, e as botas de patinar esculpiam desenhos no gelo. Quando viu que eu me aproximava, Lieff veio ao meu encontro com um daqueles seus sorrisos radiante.
— Bom dia Sora! — exclamou ele, tirando seu alvíssimo cabelo da testa.
— Dia Li, o que vocês fazem por aqui em uma hora dessas? — indaguei.
— Humm... só nos divertindo um pouco.
Lancei para ele um olhar afiado, deixando claro que não acreditava em nada daquilo.
— Conheço você Lieff, o que houve?
Li suspirou e olhou para Lili, que agora havia levantado e vinha até nós. Seus cabelos esvoaçantes entravam em contraste com a névoa, o que a fazia parecer algum ser místico. Nunca havia conhecido pessoas tão amáveis e gentis como aqueles irmãos.
Embora algumas pessoas os achassem esquisitos por causa de seu albinismo, eu os amava como se fossem da minha família. Havia algo errado com a postura de Li, sabia que alguma coisa não estava bem, principalmente pelo motivo dele trazer a irmã ao lago em plena cinco da matina.
— Oi Sora, tudo bem com você? Veio esfriar a cabeça também? — disse Lili, sempre rindo das próprias piadas.
— Talvez Li, não consigo dormir com os malditos rangidos do porão, acho que são os canos. A água às vezes congela quando chega a época das tempestades.
Lieff franziu o cenho e levantou uma de suas sobrancelhas, como sempre fazia quando discordava de algo que eu dizia.
— Você tem que parar de nos chamar de Li, como vou saber quem você está chamando?
— Ah, desculpa. Vocês são iguais até no nome, fazer o que né? — falei, dando de ombros a expressão de incredulidade dele.
— Não somos tão iguais assim Sora, eu sou muito mais linda que Lieff e tenho muito mais inteligência! — exclamou Lili, desviando bem a tempo de ser atingida por uma bola de neve lançada por Lieff.
Soltei uma leve gargalhada, apesar das brigas constantes dos gêmeos. Os raios de sol começavam a aparecer entre as grossas camadas de nuvens cinzentas que ameaçavam chover.
Convidei os gêmeos para tomar chá com torradas em casa, já que minhas habilidades culinárias se limitavam apenas a isso.
Aceitando o convite, eles me acompanharam com dificuldade por causa das botas e eu pretendia ter uma longa conversa para descobrir o que o estava atormentando tanto.
Haru aguardava deitado preguiçosamente sobre a pequena mesa de chá na varanda. Seus grandes olhos astutos foram de Lili para Lieff, constatando que eles não ofereciam risco.
Desde a morte dos meus pais, nunca havia parado para observar o estado que estava a tão bela varanda que mamãe fazia questão de limpar todos os dias.
Os vasos de flores e outras plantas que outrora foram lindos e coloridos, agora estavam murchos e repletos por uma grossa camada de poeira e teias de aranha.
Senti um pouco de constrangimento com a situação atual das coisas, então abri a porta rapidamente e os convidei para entrar. Esperei por Haru, que preferiu ficar observando o movimento da neve que começava a cair.
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