Final - Saída do Paraíso Sombrio



Toda vez que fecho os meus olhos
É como um paraíso sombrio
Ninguém se compara a você
Tenho medo de você
Não estar me esperando do outro lado

- Dark Paradise, Lana Del Rey

NERO

Minha cabeça doía de uma forma irritante. Além da dor, meu estômago roncava. Acho que eu me encontrava em um hospital. Luzes lançavam claridade ofuscante em meus olhos quanto os tentei abrir. Aquilo só fez a dor na cabeça ficar mais lancinante. O que tinha acontecido? Onde estava Milia? Logo consegui ajustar a visão, e me vi deitado em uma maca onde um grupo de enfermeiras jovens demais exibia um sorriso indecente para mim. Senti vontade de repreendê-las pela ousadia, mas eram apenas jovens. Pedi ajuda, e a garganta protestou quando tentei falar. Elas me ajudaram a sentar, retiraram agulhas de minhas veias e me deixaram totalmente nu. Enquanto aguardava pelas roupas, resolvi tentar farejar o cheiro de Lili, e para minha surpresa, consegui.

Seu cheiro estava concentrado em alguma sala no andar de cima. Quando a mais jovem das enfeiras entrou, com o rosto queimando, indaguei se Lili estaria ali. Ela negou e me entregou as roupas, dizendo que a Dra. Lecter tirara o dia de folga. Com a promessa de um encontro, consegui persuadi-la a me dizer onde Lili morava. Rapidamente vesti as roupas. O cheiro de Tenebris ainda estava impregnado nelas. Eu ainda lembrava onde ficava a antiga casa de doces, onde Arabela pereceu por perto. Cortei caminho passando pelas vielas estreitas antes de adentrar na velha floresta do silêncio. O gelo e a neve estavam indo embora, e deixavam a floresta com um ar estranho, pois ela sempre foi mais bela quando estava congelada. De repente pisei em algo, um crânio. As lembranças vieram em diversos flashes, e recordei com amargura que aquele monte de ossos também fora uma de minhas vítimas. Holly, a garotinha da bola. Então seu corpo realmente não foi encontrado, ou então procurado.

Ansioso demais para chegar até ela, não vi quando Milia me surpreendeu. Pulei para trás quando ela surgiu de repente, me assustando com um grunhido. Ela logo riu quando tentei me mover habilmente, e disse que eu não era mais um vampiro para possuir tantas habilidades como a rapidez que tinha antes. Ela se desculpou pelo susto e pela pancada que me deferiu na cabeça, disse que queria fazer uma surpresa. Não fiquei zangado, pois sabia que suas intenções eram boas, e a anja me ajudou a chegar mais rápido no jardim onde residia a casa de Lili. Milia disse que não ficaria muito longe, que me deixaria mais à vontade. Agradeci e segui caminho. Chegando mais perto, me deparei com um paredão de árvores que cercavam uma casa grande e de aparência rústica. Escalei sem me importar quem viria para impedir. Não me senti estranho quando o vi. Lá estava ele, Billy, deitado em uma cadeira de praia, sob a sombra de um salgueiro florido. Seus olhos estavam concentrados em um livro. Pensei ir até ele, mas fui impedido por ela. Lili usava um vestido longo, azul-turquesa, e seu rosto se abriu em um largo sorriso quando o viu. Ela ainda estava muito bela, e o cabelo continuava grande.

Não pude culpá-los pelo que vi em seguida. Lili deitou lentamente sobre ele e depositou um beijo em seu rosto. Ardi em ciúme, mas aquilo era apenas consequência. Fiquei louco para ser notado, para que eles parassem com aquilo. Não mais conseguia sentir a presença deles, e a fome ainda me deixava tonto e irritado. Notei que Billy tentava ao máximo não ir adiante. Suas carícias no corpo de Lili eram limitadas somente ao rosto e os cabelos, enquanto ela explorava seu peito nu. Fiquei tentado a ir até eles quando Lili montou em Billy e começou a subir seu vestido. Meu coração apertou. Fiquei furioso, magoado e amargurado, mas a culpa era toda minha. Meu melhor amigo cumpriu com a promessa, e deixou Lili em segurança. E talvez tenha feito o que achei ser impossível, ele conquistou a confiança dela, e o mais importante de tudo, seu amor. Criei coragem e comecei a dar o primeiro passo, quando ouvi risadas travessas ecoando ao longe. Virei o rosto, elas vinham detrás do paredão que há pouco escalei. Algo me fez segui-las, talvez extinto. Segui com cautela até onde as vozes ecoavam. Garotos, eram garotos.

Não consegui explicar por que meu coração palpitou com tanta força. A ansiedade me dominou. Andei com mais pressa, sem perceber já estava correndo. Não como antes, minha velocidade sobrenatural tinha ido pelo ralo. Quando cheguei perto de uma clareira, uma enxurrada de recordações recaiu sobre mim. Ali fora onde a noite de caça as bruxas aconteciam. Ali era onde pobres mulheres eram queimadas cruelmente. Três imensos postes ainda se projetavam imponentemente, desgastados com os anos, é claro. Musgos e ervas-daninhas se enroscavam neles, formando um paredão sombrio. Me escondi antes que as crianças me vissem. Dois garotinhos de cabelos tão negros quanto o céu sem estrelas usavam galhos para derrubar a erva-daninha. Eles estavam encharcados, e usavam somente cuecas. Pareciam suportar o frio. Olhei mais atentamente para descobrir a origem da água. Era um lago, óbvio, mas aquele lago não existia por ali. Então lembrei que o que papai me dizia era verdade. Ele dizia que a floresta afundava a cada ano, e que logo estaria repleta de lagos até desaparecer debaixo dele, como Atlanta.

- PARADO AÍ ESTRANHO! - pulei para trás, distraído com meus pensamentos, não notei o mais ousado deles se aproximar. - Você é grande hein!

O garoto tinha um olhar astucioso, e seus olhos verde-escuro me fitavam com desconfiança. O outro também me olhava, mas manteve distância. Eram gêmeos, notei.

- O que dois meninos fazem sozinhos por aqui? - indaguei, ficando de cócoras, na altura dele. - Vai pegar um resfriado se continuar molhado.

- Eu quem faço as perguntas por aqui - sibilou ele, retirando os cabelos molhados da testa. - Você é muito estranho, é um forasteiro?

- Digamos que sim - o outro garoto se aproximou com cautela, evitando me olhar nos olhos, era bem medroso. - O que fazem fora de casa? A mãe de vocês deve estar preocupada.

- Você faz perguntas demais, forasteiro...

- Er... hum, ei - o outro menino tocou no braço do irmão com cautela, ainda evitando meu contato visual. - Mamãe disse que não devemos falar com estranhos...

- Não estrague isso! Olha só, temos um prisioneiro conosco - sibilou o ousado, os olhos faiscando com a ideia de me levar como um prisioneiro.

- Hum... hum... ele se parece com aquele cara da foto que a mamãe tem - ele finalmente ergueu os olhos, seu olhar profundo tentava me desvendar. - Parece mesmo....

- Cala a boca poeta! Não interaja com o inimigo! - rosnou o ousado.

- Poeta? Você um intelectual? - os olhos do acuado se iluminaram, como se aquele assunto o interessasse profundamente.

- Eu escrevo poesia para a mamãe todos os dias - murmurou ele, finalmente se abrindo para mim. - Ela gosta.

- É mesmo? Isso é ótimo. Também gosto de poesia. Quer recitar...

- Já chega. Você virá conosco - o ousado passou os olhos por meu sobretudo e franziu a testa. - Onde conseguiu essas roupas? São maneiras.

- Acho que estou enrascado, um prisioneiro! - sorri para eles. O acuado fez uma cara de espanto e cutucou o irmão, depois sussurrou algo em seu ouvido. - Respondendo a sua pergunta, um cara grandalhão me deu quando começamos uma batalha contra anjos enfurecidos.

Falei a verdade, sabendo que para eles isso seria apenas um conto de fadas.

- Uou! - guinchou o ousado. - Legal! Parece à história que a mamãe sempre conta quando a gente vai dormir! Não é Semei?

O ousado é Salieri, o acuado é Seimei. Como pude ser tão desleixado? As palavras de Milia vieram para me fazer recordar. Gêmeos. Meus filhos eram gêmeos, e talvez fossem aqueles garotos.

- Hum... e onde foi essa batalha? - indagou o acuado, me tirando do torpor.

- Tenebris - murmurei.

- Papai? - meu coração saltou quando finalmente soube, que aqueles eram meus filhos. - Nero? Nero Lancaster?

Fiquei sem reação quando Seimei pareceu ciar coragem e avançou até mim, colocando suas pequenas e delicadas mãos em minhas bochechas. Suei frio, um pequeno choque ascendeu com o contato repentino. Quis gritar. Quis chorar. A imensidão de seus olhos verde-escuro era da mesma entonação que os meus. Deixei que ele tocasse minha barba, minhas orelhas e cabelo. O ousado observava incrédulo, sua ficha ainda caía. Seimei segurou meu sobretudo, e o cheirou profundamente, como se aquilo fosse o suficiente para tirar todas suas dúvidas.

- Se avistarem um rapaz de aparência estranha, como um forasteiro e de carranca na cara. Aproximem-se dele. Se ele tiver cheiro de lírios e margaridas em seu sobretudo, saberão que é o pai de vocês... - murmurou Seimei. - Mamãe disse isso quando perguntamos pela primeira vez sobre papai, mas depois disse que estava morto...

- Seimei! Salieri! - a voz aguda de Lili ecoou pelo lugar. - Está ficando tarde, o jantar está pronto.

Senti o peito afundar, sabendo que não estava pronto para aquele encontro.

-Tio Billy também falou de você, mais do que mamãe - a voz de Lili foi ficando mais próxima. - Ele disse que era seu melhor amigo.

- E tem razão. A mãe de vocês está vindo, tenho que ir... - Seimei foi firme no aperto, e seus olhos mostraram desespero. - Eu voltarei, juro, mas hoje não.

- Promete? Quando? - indagou o ousado.

- Amanhã. Volto para vocês amanhã, meus filhos - os dois garotos me surpreenderam com um abraço desesperado, e o ousado chorou. - Voltarei...

- Por favor papai, volte. Se não por nós, mas por mamãe, ela ainda chora sentindo sua falta - Seimei não chorava, e parecia maduro para a idade. - Pode ir agora.

Levantei relutante, querendo voltar para o abraço deles. Eles ainda me observavam quando parti. Me refugiei mais uma vez para dentro da floresta do silêncio, ainda não acreditando que conheci meus filhos por acaso. Mergulhei mais fundo na floresta, decido a voltar para a vida da mulher que sempre amei.

SRTA. LECTER

Acordei sentindo o calor de Louis em minhas pernas. O início das férias escolares o deixava com mais tempo para mim. Notando que Lieff não estava na cama, levantei preguiçosamente e fui até seu escritório particular. Dormindo no divã vermelho, lá estava ele, como se fosse um paciente aguardando sua consulta. Joguei um cobertor sobre ele por causa do frio. Como a cidade estava desgelando, todo o frio refugiava-se para a as áreas mais próximas da floresta e nos fazia refém. Olhei para o relógio na cozinha e me surpreendi ao ver que ainda não havia amanhecido completamente, eram quatro e meia da madrugada. Meu sono estava vago, e me sentia mais revigorada do que nunca. Tomei um café bem quente com torradas e corri para cima sem fazer barulho, temendo acordar os dois homens que necessitavam assiduamente da minha atenção. Entrei na pequena sala onde possuía um memorial em estilo japonês para meu pai e família. Me ajoelhei sobre o pequeno pedestal com a foto de papai e proferi a habitual oração que criei especialmente para ele. Ao terminar, ergui os olhos para a katana.

- Agora tudo vai ficar bem, querida - papai me abraçou com força. - Fico feliz que tenha conseguido. E mais feliz ainda por se casar com o homem certo.

Meus olhos marejaram. Sabendo que aquele era o momento da despedida definiva.

- Mamãe e Kalinne vão estar? Para fazer companhia para o senhor? - choraminguei entre seus braços.

- Sim, querida. Elas me aguardam do outro lado da ponte...

- Nunca mais vou vê-lo?

- Creio que não. Não pertenço mais ao seu mundo. Devo seguir em frente - percebi o quanto estava sendo egoísta e o larguei. - Você tem Lieff agora, sempre teve.

- Vou sentir sua falta papai, mas quero que vá - apertei sua mão uma última vez. - Obrigado por ter ficado comigo, vou sempre te amar.

- Eu também querida - ele me olhou uma última vez antes de cruzar a ponte. - Eu te amo.

Olhar para a katana sempre me fazia lembrar quando papai partiu para sempre. Lá estava ela, linda e imponente por tantos anos. Minhas mãos formigaram, eu precisava aliviar essa tensão repentina. Lancei para ela um sorriso travesso, que me levou de volta para meus dezessete anos. Segurei a katana e suspirei quando senti sua leveza. Mesmo usando um short branco folgado e camiseta cinza, não deixei o frio me intimidar. Desci para o terraço dos fundos. Grunhi quando a grama congelada me fez ter um choque térmico. Pantufas serviram para amenizar. Entrei em posição de combate e tracei diversos movimentos leves, mas que poderiam ser letais se fosse contra alguém. Deixei que ela me guiasse. A leveza com que a katana cortava o ar me deixava em perfeito transe. Acompanhar seus movimentos logo me fez esquecer que estava tensa, e de repente eu estava completamente livre de tudo. Não contei o tempo, e deixe que ele transcorresse sem me preocupar. Acho que dancei com a katana por mais ou menos quarenta minutos. Quando olhei por sobre as árvores, vi que o sol já ultrapassava as colinas.

Guardei ela dentro da bainha e alonguei. Era estranho sentir calor e suar frio. Olhei em direção da varanda e lá estavam os enormes olhos avermelhados de Louis me observando. Gargalhei comigo mesma, pois ele devia estar achando que eu estava ficando louca. Ele correu até mim e o ergui com os braços, girando-o no ar. Ele riu o logo suas bochechas ganharam um rubor. Quando ele jogou os braços em volta do meu pescoço e ficou em silêncio, eu soube que algo de errado estava acontecendo. Sentei com ele no balanço debaixo da árvore.

- Quer falar alguma coisa para a mamãe? - sussurrei.

Ele fez que não e continuou de cabeça baixa.

- Sabe que pode confiar em mim querido, não sabe? - o aninhei em meus braços e o fiz me fitar. - A mamãe só quer te ajudar.

- Mamãe - murmurou ele. - Estou com medo.

Imediatamente pensei que ele estivesse sendo aterrorizado por valentões da escola, mas o que veio a seguir quase me fez cair do balanço.

- Está com medo de que querido? Conte para mim, sabe que eu vou protegê-lo de qualquer perigo.

- Ele aparece quase todas as noites, fica me observando... às vezes da janela consigo ver sua capa preta... ontem ele ficou me observando da brecha do guarda-roupa.

Minha reação foi neutra, eu não sabia se ria ou ficava furiosa. Queria rir por que sabia quem era o bicho-papão do meu filho, e queria ficar furiosa por ele não ter me procurado durante esses vários anos. Como Louis era um autêntico jogador de jogos de terror, não foi difícil convencê-lo de que seu visitante era um Sr. Morte do bem. Ele absorveu toda a história que contei sobre o mesmo que aconteceu comigo. Ele ficou convencido de que toda criança tinha um bicho-papão, e aos berros, disse que mal esperaria pela chegada de Seimei e Salieri para contar sobre seu novo guardião. Ri comigo mesma, aquilo era inusitado. Então todas as noites ele vinha ver Louis, e nenhuma vez sequer falou comigo e tampouco apareceu.

Coloquei a katana de volta em seu pedestal. Abaixo dela, estava à espada que meu amigo Dandy havia me presenteado. Fazia tanto tempo, e lá estava ela. Empunhei a arma e me surpreendi ao ver que ainda conseguia. Precisava ser polida. Sentei sobre uma almofada no chão e contemplei a espada. Passei o dedo por sua lâmina fria e senti minha espinha se arrepiar. Aquela sensação me fez recordar da guerra. Quando a coloquei em seu pedestal, observei o que meus olhos não me permitiram durante anos. Quatro cristais estavam cravados na ornamentação do punho. Passei o dedo por eles, eram legítimos. Quando consegui retirar o último, um pequeno pedaço de pergaminho caiu do fundo. Um nó se formou em minha garganta quando li o que estava escrito.

Talvez quando leia isso eu já estarei morto, mas deixo esse presente para você, minha eterna celeste. Acho que esses cristais serão os últimos a essa altura que foram banidos. Volte para Tenebris e reveja todos, por que uma vida como mortal deve ser muito chata, sei disso por que morri como um. Até mais minha celeste, e faça um bom proveito desse portal. Abraços, Dandy.

Corri até o escritório e saltei em cima de Lieff. Ele acordou de supetão, quase caindo do divã. Contei tudo que Louis havia me dito e também sobre minha descoberta dos cristais. Ele me olhou de uma forma carrancuda, mas não era por causa do sono. Sabia que Li me queria longe de tudo que nos ligasse com as dimensões, para ele aquilo ficou no passado e não deveria ser lembrado. Mas era impossível para mim.

- Por favor, compreenda - insisti.

- Querida eu... sabe que estará arriscando a vida de nosso filho se levar isso adiante - murmurou, colocando seus óculos. - Eu só desejo continuar tendo uma vida normal com você.

- Eu também, mas não consigo evitar. Adoro aquele lugar e faz tanto tempo que não vejo ninguém de lá. Todos os cristais foram banidos, para que não possamos mais vê-los.

- Não vê? É por isso que eles foram banidos, para que não possamos adentrar lá novamente. Querida, somos mortais e foi por ordem do Trono que nossas relações foram cortadas com os habitantes das duas dimensões. Mesmo que sinta saudade, sempre saberá que eles estão bem. Eles são imortais e nada de tão horrível como à morte poderá acontecer com eles.

Aquilo fazia sentido, mas eu precisava vê-lo.

-Sabe de uma coisa, você tem razão. Depois de tudo que passamos é melhor esquecer que as dimensões existem e continuar seguindo em frente como estamos fazendo - seus olhos brilharam ao conseguir me persuadir. - Mas não acha melhor eu dar uma passadinha em Tenebris para dizer para Grendel que deixe de vigiar Louis? Eu sei que o Sr. Morte só está cuidando dele, mas Louis está ficando apavorado.

- É mesmo uma teimosa. Está bem, poderá ir sem problemas, mas me prometa que vai voltar para mim.

- Mas é claro, sempre - beijei sua testa e depois desci para os lábios.

Ele me deitou meio sem jeito, por que estava sem sua prótese, mas aquilo não era problema. Retirei seu jaleco do dia anterior e depois o moletom. Era incrível como o tempo não parecia ter passado para ele. Ainda continuava magro e esguio. Agarrei seu pescoço e o puxei para mais um beijo sedento, enquanto ele descia com facilidade o meu short. Li apalpou meu traseiro, por baixo da calcinha. Gemi baixinho, pois a casa estava silenciosa. Despi sua calça e me deitei sobre ele. Algo o incomodava, era o fato de não conseguir uma posição adequada. Com jeitinho, consegui fazer com que ele entrasse em mim facilmente. Logo estávamos cobertos em uma malha de suor. Nossos movimentos estavam ganhando velocidade quando ouvi vários passos apressados. Já sabendo o que estava por vir, Li agarrou o cobertor e jogou sobre nós. Os gêmeos e Louis adentraram no escritório aos berros. Salieri empunhava uma espada de plástico e Loius um martelo de brinquedo.

- AAHHHHH - gritou Saliei. - ATAQUEM ELE!

Louis pulou em cima de Lieff e começou a tacar o martelo em sua cabeça. Estávamos em uma enrascada, eles não podiam ver o que estava acontecendo debaixo do cobertor. Li grunhia e tentava proteger a cabeça enquanto eu tentava agarrar os bracinhos de Louis.

- VAI SEIMEI! PEGA A PERNA DELE ENQUANTO O LOUIS TENTA DESACORDÁ-LO! - Salieri voltou a gritar, era o líder da traquinagem.

O acuado Seimei correu até próximo do sofá e agarrou a prótese de Li e correu para fora do quarto junto com seus comparsas. Joguei a cabeça para trás e soltei uma gargalhada. Aquilo sempre acontecia com o pobre Li quando os gêmeos vinham até nossa casa.

- Você deixou que eles ganhassem de novo - falei entre o riso.

- Na situação em que estamos não dava para fazer muita coisa - grunhiu. - meu próprio filho contra mim, que coisa. O que eles têm contra a minha prótese?

- Onde será que eles vão esconder dessa vez? - respondi sua pergunta com outra pergunta.

- Patético - Lili estava parada na porta. - Vocês não tem vergonha não? Pobres crianças, ainda bem que não perceberam o que vocês estavam fazendo.

- Vocês chegaram de surpresa. Ainda são cinco e meia! - guinchei. - Agora nos dê licença que temos que nos vestir. Onde está Billy?

- Certo. Ele está assaltando a geladeira de vocês - ela saiu nos lançando uma cara de desdém.

Eram nove e meia quando encontramos a prótese muito bem escondida junto com os galhos do salgueiro no quintal. Conseguir subir sem problemas, mas acabei emaranhando o cabelo em alguns galhos finos. Enquanto preparava um café da manhã para as crianças, notei a inquietação de Lili. Estava bastante tensa e lançava olhares estranhos para Billy, que assentia em silêncio, parecendo tentar encorajá-la a desembuchar algo. Sabia que ela queria me falar algo, então não forcei a barra, deixei que ela se sentisse à vontade para contar por conta própria. Enquanto eu espremia laranjas para um suco, Billy chegou ao lado dela e beijou seu rosto. Ele saiu, nos deixando sozinhas. Lili estalou os dedos e sentou no balcão da copa.

- Sora, tenho uma coisa pra contar - murmurou.

- Isso eu percebi. Pode ir falando - espremi mais uma laranja. - O que tanto te incomoda?

- Os gêmeos. Ontem eles ficaram eufóricos, e Salieri não parava de chorar - ela engoliu em seco. - Eles disseram que encontraram com o pai.

- Está falando de Nero? - pigarreei um pouco alto demais.

- Bem, é claro né - ela revirou os olhos. - Estou muito confusa. Eles disseram que o sujeito usava um sobretudo negro e tinha cheiro de margaridas e lírios. Eu não contei para você, mas ontem um homem muito parecido com Nero deu entrada no hospital...

- Como você não me conta uma coisa dessas Lili! - pigarreei, irritada. Li entrou na cozinha e deu um beijo na testa da irmã. Vendo meu olhar acusador, ele saiu mancando da cozinha com sua garrafa de leite. - Isso é sério! Estou irritada.

- Eu sei, desculpa. É que eu fiquei realmente mal. Ele tinha o mesmo sobretudo, mas não tinha as presas e as tatuagens! - guinchou, seus olhos marejaram. - Eu realmente pensei que fosse ele, mas esse homem tinha uma aparência mais velha.

- Por que não aguardou que ele acordasse?

- Não sei. Fiquei muito consternada - suspirou. - Os gêmeos disseram que o viram. A descrição deles bate com o mesmo homem que vi.

- Mas isso parece meio impossível. Nero foi atingido por uma flecha estelar - vendo Lili chorar, percebi que falei a coisa errada. - Ah desculpa! Por favor não chore.

- Você tem razão. Ele está morto - ela saiu da cozinha, me deixando culpada.

Fiquei realmente me sentindo culpada durante o resto do dia. Tudo transcorria bem. O final de semana estava sendo ótimo. Os gêmeos estavam realmente animados com a expectativa de seu suposto pai aparecer, e Billy não desgrudava os olhos da janela. O final da tarde se aproximava, e os garotos dormiam exaustos no sofá. Comtemplei o crepúsculo da tarde, e meus olhos vagaram até duas figuras pálidas na entrada da floresta. Quando você envelhece, fica mais difícil se surpreender com as coisas. Não nos surpreendemos como um adolescente, que a cada nova descoberta, acha que é a melhor sensação do mundo. Mas hoje, especialmente hoje, aos meus vinte e cinco anos, eu me surpreendi com o que vi parado como um totem diante da clareira. Andei calmamente até os estranhos, ficando incrédula.

Não, definitivamente não era um estranho. Era ele, Nero. Estava com aspecto mais velho e estava acompanhado da anja que imediatamente reconheci, ela havia caído com ele. Mas como? Como ele sobreviveu ao ataque mortal da flecha estelar? Também notei que ele não possuía mais as tatuagens como eu. Sua pele não estava mais com aquele aspecto pálido e seus olhos estavam com um tom esverdeado escuro. Estava exatamente como uma foto de uma pintura sua no livro de história. Não consegui hesitar ao caminhar até ele, que me olhava como se não acreditasse que eu estava ali.

- Nunca pensei em dizer isso, mas estou muito contente em vê-lo... seu filho da mãe! - guinchei, ainda não acreditando que ele estava ali.

Ele mal teve tempo de me relatar tudo quando ouvi novamente os berros dos garotos. Eles corriam como loucos pelo gramado. Ver a expressão de Nero ao vê-los foi gratificante. Ele ficou de joelhos quando os gêmeos o avistaram e vieram até nós matar a curiosidade. Acho que eu estava mais tensa do que todos eles.

- Fiz uma poesia para você, papai - disse Seimei.


- É mesmo? - senti um nó se formar na garganta quando vi Seimei limpar as lágrimas de Nero. E fiquei aliviada por suas lágrimas não serem mais de sangue. - Tenho certeza de que está muito boa.

- Eu li, está muito boa - Billy se aproximou, a incredulidade não estampava seu rosto, como se soubesse que o amigo sempre voltaria. - Ela está dormindo no andar de cima, eu não perderia mais tempo se fosse você.

NERO

Abracei meu amigo com força. Sua missão foi cumprida com êxito. Ele me deu um soco de leve no peito, depois me abraçou. Ele me guiou até onde Lili dormia. A cada passo que dava, meu coração afundava mais fundo no peito. Dispensei as explicações de Billy, sobre ter se relacionado com ela, pois sabia que aquilo poderia acontecer. Me deixando na porta, ele sumiu escada abaixo. Silenciosamente adentrei no quarto. Seu cheiro de lavanda invadiu meu olfato e me encheu de saudade. Ela dormia tranquilamente. Seu peito fazia um movimento serene enquanto respirava. O quarto estava ficando escuro, a medida que sol ia embora. Retirei o sobretudo e o larguei no chão. Meu cheiro não estava um dos melhores. Descobri que uma porta sanfonada era um banheiro. Tomei o máximo de cuidado para não fazer tanto barulho, mas precisava tomar um banho. Sete anos vivendo desacordado em um caixão de pedra na floresta não o deixavam com um cheiro agradável.

Não retirei a barba, sabia que ela sempre gosta do roçar dela em seu pescoço. A água quente me deixou mais calmo. Não deixei de ficar duro quando pensamentos indecentes passaram por minha cabeça, me imaginando dentro de Lili naquele banho. Me sequei e vesti a cueca. Fiquei aliviado ao ver que ela ainda dormia. Deitei com cuidado ao seu lado, passando o braço em sua volta. Ela estava em posição fetal, fazendo meu corpo se encaixar perfeitamente com o seu. Me senti ficar mais duro quando Lili remexeu os quadris, sentindo minha ereção. Ela foi despertando aos poucos. Beijei seu ombro, subindo até o pescoço. Ela riu quando rocei a barba com carinho.

- Billy? - murmurou, ainda sonolenta.

- Não mais - sussurrei em seu ouvido.

Senti que ela ficou tensa. Alguns segundos se passaram até que Lili finalmente começou a se virar para mim. Temi que ela achasse que eu fosse um pervertido e estuprador, pois ela não me reconheceria, minha aparência estava diferente. Seus olhos avermelhados de que tanto senti falta se arregalaram, demonstrando total surpresa. Ela ainda me fitava assustada enquanto eu a segurava pela cintura e a colocava em meu colo. Fiquei tão excitado a ponto de doer. Lili engoliu em seco e tocou meu rosto e orelhas, como meu filho Seimei fez. Seus olhos marejaram, e eu soube que ela acreditava mim, acreditava mesmo que eu estava ali, que não era uma alucinação.

- Eu já estava começando a achar que você não voltaria - murmurou. - Mas você voltou...

- E nunca mais vou te deixar - sussurrei, apetando sua cintura e trazendo-a para mais perto. - Eu te amo - fiquei tentado a remover sua camisola, mas não sabia se poderia. - Eu te amo, Lili.

- Nada me deixa mais contente do que ouvir isso, exceto nossos filhos - seu rosto se iluminou em um sorriso. Fiquei contente por nenhum de nós demonstrar histeria, embora nossos corações estivessem apertados. - Eu te amo Nero. Agora é pra valer. Eu te amo.

- Nada me deixa mais contente do que ouvir isso, exceto nossos filhos - seu sorriso se alargou.

Sem perceber, minhas mãos já se encontravam em suas coxas, subindo sua camisola involuntariamente.

- Acho que ninguém vai nos incomodar por um bom tempo - ela colou a testa na minha, ainda com seu sorriso radiante.

- Ainda não acredito que você voltou para nós.

Nunca me senti tão vivo como naquele momento, e então cheguei à conclusão de que meu verdadeiro lugar sempre seria ao seu lado, e que finalmente havia encontrado a saída para meu paraíso sombrio.


SRTA. LECTER

Mal acreditei no que estava acontecendo. Nero estava de volta, e chorei quando vi os gêmeos gritarem frenéticos enquanto Billy os perseguia em uma brincadeira eufórica. Aquilo quase me fez pular de alegria. Corri até meu pequeno santuário e retirei os cristais da espada. A princípio temi que eles não funcionassem, mas quando os lancei no ar, um portal escuro se abriu. Pulei para dentro e logo estava em Tenebris. Nada mudou. As luas ainda continuavam paralelas e um vasto campo de tulipas vermelha se moviam levemente com a brisa morna. Meu coração palpitava. Estar ali me deixava em êxtase. Adentrei correndo no campo de tulipas e senti a doce relva roçar em minhas pernas. Soltei muitas gargalhadas, voltei a ser uma adolescente. Minha risada ecoava, mas ninguém apareceu por algum tempo. Estava tão feliz, tudo finalmente havia dado certo. Estava muito contente por Lili e pelos gêmeos, nossa família finalmente estava completa.

Corri até uma colina para ver melhor o sol. As rajadas de vento ficavam mais fortes à medida que eu chegava mais perto do topo. Meu coração bateu mais rápido quando reconheci a enorme capa negra esvoaçante. As pernas grandes e finas se ajustavam perfeitamente em seu jeans negro. Grendel estava parado quando cheguei. O vento jogou uma mecha de cabelo em sua testa quando ele olhou para mim e sorriu.

- Achei que os cristais estivessem banidos - disse.

- Nem todos - rebati, sentindo falta daquela sua voz sombria.

- Sabe que não pode ficar aqui Sora Bloom, e eu não posso deixar que fique.

- Ah é? Então não posso deixar que continue assustando meu filho - sorri ao ver sua cara de surpresa .- Achou que ele não fosse me contar?

- Achei. Continua tão linda quanto antes, é uma pena que Louis seja quase idêntico ao pai - ele riu quando bufei. - Fico contente que tudo tenha dado certo.

- Está tudo tão bem agora que Nero voltou - andei até ele. - Eu vim me despedir, tinha que te ver.

- Eu também estava com muita saudade - ele passou a mão em meu rosto e depois o beijou. - Sabe que vai ter que me entregar esses cristais, não sabe?

- Sim, é por isso que vim. Vou sentir a sua falta, quer dizer, já estou sentindo.

- Estaremos todos bem - ele voltou a beijar meu rosto e se demorou ali. - Você... correndo colina a cima. Lembra?

- A gente tinha acabado de se conhecer, eu lembro sim. Espera, isso acabou de acontecer!

- Digamos que eu meio que já sabia de tudo - ele retirou os cristais de mim e os lançou no ar. - Vamos todos ficar bem, não se preocupe. Talvez eu apareça debaixo da sua cama um dia desses.

- É melhor avisar, eu posso me encontrar em uma situação embaraçosa na cama - ele fez uma carranca quando percebeu a que eu me referia.

- Que safada - grunhiu, apontando para o portal. - Vou ficar encrencado se a virem por aqui. Agora parta.

O portal negro me chamava, e parecia me mandar dizer adeus aquele mundo de eu tanto amava. Corri até o Sr. Morte e o abracei com muita força inalando seu perfume até a última gota. Ele retirou seu moletom e me vestiu nele. Beijou minha testa e me deu um leve empurrão para dentro do portal. Mergulhei na escuridão e soube, com toda a certeza, que tudo estava acabado. Deixei para sempre aquele lugar melancólico. E a lembrança daquele paraíso sombrio ficaria para sempre na memória de todos nós.


Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top