84| Assassino

UZIEL

Mischa entrou silenciosamente em sua antiga casa. Mesmo sendo considerada uma pessoa orgulhosa e de difícil convivência por todos, ela não pôde deixar de se afeiçoar aos novos inquilinos que encontrou em sua casa. Principalmente de Uziel, que também parecia corresponder ao seu afeto. Jogou as sacolas sobre o sofá e dirigiu-se até o banheiro. Para ela, tudo parecia estar em ordem. Retirou as roupas molhadas e tomou uma ducha quente.

Soren desceu as escadas. Havia acabado de receber notícias sobre o grupo em Tenebris. Rapidamente tratou de organizar sua partida e a de Uziel. Uma pequena mochila seria suficiente para a viagem, pois sabia que lá teriam tudo. Parou repentinamente quando ouviu a água que descia da ducha. Não sentiu a presença de nada estranho. Caminhou até próximo do banheiro e viu que a porta estava aberta. Para seu desprazer, descobriu que era Mischa. Imediatamente pensou em algo para mandá-la embora, pois há muito suas visitas tornaram-se constantes, e sempre para ver Uziel. Ele desejou que o amigo não acordasse para ter que vê-la, o exilado sofrera bastante quando tomou conhecimento da morte de seus amigos de Lumen, aguardou impaciente que ela saísse do banheiro para articular seu plano.

-Ele está cansado, vá embora - falou sem rodeios ao vê-la sair.

Não se surpreendeu ao vê-la sair totalmente nua. Talvez pensasse que era Uziel quem a aguardava, e piscou incrédula ao ver quem era. Encaram-se por alguns instantes. O silêncio tenso prosseguiu até Mischa retornar coberta em uma toalha.

-Desculpe querido Soren, o que você me disse? - ela lhe lançou um sorriso amarelo.

- Eu mandei você ir embora - rosnou ao ver que ela divertia-se. - Agora.

- Ah - ela sentou no sofá e fitou a irritação de Soren. - Está zangado comigo querido?

- Não, desculpe se pareço zangado com você, mas precisa ir embora - ele tentou controlar-se.

- Onde está Uziel? - ela fingiu não ouvi-lo e caminhou para as escadas. - Vou vê-lo.

- Vista uma roupa! - grunhiu Soren, indo em seu encalço. - Mischa volte aqui!

Chegaram ao quarto onde Uziel ainda encontrava-se adormecido em suas mágoas e tristezas. Temendo acordá-lo, Soren alcançou Mischa e tentou impedi-la, mas ela desviou de seu encontrão e parou diretamente ao lado do exilado.

-Ele fica mais lindo quando dorme - ela passou os dedos no cabelo negro de Uziel e beijou sua orelha. - Olhe só, ele está acordando.

- Deixe-o - sibilou Soren, mas em vão. Mischa deitou ao lado do exilado e enroscou-se em seu corpo.

Ele observou enfurecido enquanto Uziel acordava e beijava Mischa. Sem perceber, já estava afastando-se para fora. Não suportaria ver que ela conseguira atingi-lo. O exilado já acariciava o corpo de Mischa e ela arquejava. Enquanto deleitava-se em seu prazer, ela olhou para Soren e sorriu. Era óbvia a provocação e o conflito de interesse entre os dois. Uziel nada sabia o que se passava, também nada sabia sobre a presença de Soren, ali observando e ingerindo o veneno de Mischa. Todo o veneno dela estava reservado para aquela situação. Ela gemia mais alto e propositalmente enquanto Uziel entrava nela e tomava força no movimento de seus quadris. Soren virou-se para ir embora quando Mischa resolveu que não era o bastante.

-Por favor Uzi... ah! Seja somente meu... - arquejou enquanto suspirava com força.

- Não entendo - murmurou Uziel. - Não precisa disso.

Soren parou no meio do corredor, e ainda conseguiu ouvir o que falavam.

-Não quero dividi-lo com Soren, isso é tão injusto...

- Não sinto nada por Soren a não ser amizade, ele não é nada para mim além de um simples amigo. Eu desejo você, e não ele.

Com um último olhar para eles, Soren viu Mischa lhe lançar um sorriso triunfante. Ele desceu rapidamente as escadas, nunca havia se sentido tão furioso em sua vida. Não por Mischa, mas sim pelas palavras de Uziel. Pensou em partir para Tenebris sozinho e deixá-los, mas não era tão rancoroso a esse ponto, seu coração era livre de sentimentos ruins. Deitou e aguardou que os gemidos dos amantes cessassem para dormir, mas foi impossível, pois eles desceram logo em seguida. Ele resolveu não falar nada nem ao menos dar sinal de vida. Ficou deitado no sofá.

-Onde está Soren? - ouviu o amigo perguntar.

- Não sei, acho que saiu, por que?

- Eu não quero que ele... bem... - conhecendo bem Uziel, ele sabia que o amigo já estava entrando em mais uma de suas crises de pânico-sem-motivo - ... eu não quero que ele saiba que isso aconteceu.

- Por que? - a voz aguda de Mischa o irritava profundamente. - Tem vergonha de mim?

- Não é nada disso. É que eu... é que eu... - Soren segurou o riso - é que eu... é que... eu me sinto um pouco constrangido.

- Não se reocupe com isso. E mesmo que ele tenha visto, ele sabe que já somos adultos e podemos fazer isso quantas vezes quisermos.

- Eu não me refiro a isso. Quis dizer que eu falei besteira, ele é a única família que tenho. Acho que ele ficaria chateado se ouvisse o que eu disse.

- Eu posso ser sua família...

- Isso leva tempo Mischa, só a conheço há alguns meses...

- Uziel! Assim vai acabar me magoando. Eu gosto tanto de você, por que não manda Soren embora e fica somente comigo?

- Por que você é substituível, ele não.

Soren sentiu o peito apertar. Daria tudo para ver a cara de Mischa naquele momento, mas contentou-se apenas em escutar mais daquela deliciosa conversa.

-Ah! Você é tão engraçado! - ela soltou uma risada forçada e tentou fingir que não estava afetada. - Vamos lá, vou preparar algo para a gente comer. Onde está Daniel? Sabe, eu demorei muito para me acostumar com a ideia de vocês serem anjos, é muita loucura!

- Em breve veremos Daniel, e vamos embora com ele. Sinto muito Mischa, mas nossos dias por aqui estão quase esgotados. Vamos para outro lugar e talvez nunca mais nos veremos, vai ser um caminho difícil, esse que vamos percorrer. E antes que pergunte se pode ir, a resposta é não. A última coisa que quero é mais mortes por minha causa, já basta os amigos que perdi em Lumen, você não será mais um deles. Prefiro ficar longe de você do que vê-la morta, por isso deve ficar aqui - ele não comoveu-se com os apelos dela, estava decidido a partir com Soren.

Os meses que passaram sem ter notícias de Daniel foram longos. Enquanto tentavam de tudo para comunicar-se com alguém em Tenebris, descobriram que Hazael havia lançado uma interferência entre as dimensões, então todos os modos de comunicações haviam sido barrados. Nem mesmo os diamantes para abrir portais seriam úteis, os cristais agora pareciam apenas pedras inúteis. Ele observava Uziel fazendo algo na cozinha, enquanto desenhava o rosto do amigo em seu bloco de desenhos. O bloco era repleto de desenhos de Uziel, em diversos lugares e sempre distraído. Aquilo seria uma coisa que Soren ficaria muito envergonhado se deixasse que o amigo pegasse aquele bloco. Estava terminando de fazer os ajustes finais no desenho quando avistou seu pior pesadelo. Mischa caminhava em direção a casa. Soren guardou o bloco no bolso e rapidamente correu até ela.

-Ei! -pigarreou. - Onde está indo?

Ela parou surpresa por ele ainda falar com ela.

-Vou ver Uzi...

- Ah, não vai não. Deixe-o em paz - sibilou.

Ela colocou a mão na maçaneta e fez menção em entrar.

-Ele quer me ver, não se ponha em nosso caminho!

Uziel achou ter ouvido alguém discutir na frente da casa e foi certifica-se do que era. Rapidamente Soren segurou Mischa e tapou sua boca, se encostando na parede. Ela tentou em vão sair daquele aperto, mas Soren era infinitamente mais forte. Sem perceber, ele estava segurando-a com muita força, dificultando a respiração dela. Mischa foi aos poucos ficando inconsciente, até perecer. Depois de alguns minutos, quando viu que Uziel retornara para a cozinha, ele aliviou o aperto, mas era tarde demais, ela começava a ficar pálida por conta do frio e da falta de ar. Estava morta. Quando libertou seu corpo, ela caiu inerte no chão. Ele riu a princípio, pensando que ela estava mais uma vez fazendo drama, mas quando resolveu ajudá-la a erguer-se, viu o que tinha feito.

-Não... não! Você não pode estar morta! - ele verificou seu pulso, estava sem vida. - Não... não pode estar morta! Como pode ser tão frágil assim? Ninguém morre tão rápido...

O pânico o devastou. Agora era um assassino. Milhões de possibilidades passaram por sua cabeça. Daniel veio em primeiro lugar, sua irmã havia sido assassinada pelo filho da criatura que ele mais detestava. Uziel veio depois, ele o odiaria para sempre. Em seu desespero, ele a ergueu nos braços e correu para dentro da floresta. Seu único instinto foi o de um verdadeiro assassino e covarde, cavando uma cova profunda, ele jogou o corpo de Mischa para uma enxurrada de vermes, que famintos, aguardavam ansiosamente pela carne nova.

Meses Depois - Blizzard

-Ela simplesmente sumiu. Não acha isso estranho? - ele olhou para Soren e tentou agarrar seu bloco. - O que você tanto rabisca?

- Nada - ele guardou o bloco antes que fosse descoberto. - O que você tinha dito?

- Mischa, ela sumiu desde aquele dia - o exilado tornou a olhar curioso para o caderno. - O que você tanto rabisca?

Ele olhou muito sério para Uziel. Seus olhos azuis e verdes fitaram o azul infinito que era os do exilado. Ele pensou no que tinha feito. Sabia exatamente quais seriam as consequências se revelasse o verdadeiro paradeiro de Mischa. O arrependimento ainda o atormentava profundamente, as noites tornaram-se o seu pior pesadelo, pois as lembranças do assassinato vinham frequentemente, levando-o para o abismo da culpa. O sentimento de culpa e arrependimento eram tão forte que o afastaram de Uziel, tornando-o mais sério e reservado.

-Já disse que não é nada - falou, voltando ao desenho.

- Como não é nada se você continua rabiscando? Quero ver - ele inclinou-se para perto de Soren, que recolheu mais uma vez o caderno.

- Será que posso ter um pouco de espaço? - grunhiu, vendo Uziel se afastar.

- Certo. Vá se danar.

Vendo-o afastar-se, Soren sentiu-se aliviado e triste. Sem perceber, estava afastando seu melhor amigo. A agonia parecia comer-lhe da carne até os ossos. Para um coração sempre alegre, a tristeza e os sentimentos ruins são como um câncer, corroem aos poucos tudo aquilo que consideram saudável, e tornam o coração doente e vazio. Os sentimentos de Soren eram difíceis de descrever, pois imerso em sua agonia mental, ele não deixava transparecer muitas reações do que realmente sentia. Guardou o caderno debaixo das almofadas do sofá e saiu. O dia estava mais uma vez frio, como todos os outros. O sol não era majestoso naquele lugar, onde tudo era branco e o frio nunca ia embora. Sua cabeça estava pesada por pensamentos ruins, quando pensou em sua irmã. Ishtar o cativou no mesmo dia em que se encontraram. A pequena anja malcriada também nada tinha do pai, os irmãos tinham tudo em comum, menos os constantes palavrões de Ishtar. Ele corou ao lembrar que fora pego beijando Uziel, isso foi demais até para ele.

-Que saco - murmurou para si mesmo. - Talvez isso nunca mais aconteça, por que justamente Daniel e Ishtar tiveram que nos ver?

- Falando sozinho? - Soren parou alarmado, não havia percebido a presença de outro anjo.

Ele resolveu não olhar imediatamente para quem falava. Aquilo poderia ser encarado como um convite para um combate. Soren permaneceu onde estava e aguardou que o intruso voltasse a falar. Sem abalar-se com a perspectiva de ser quem imaginava, procurou ao máximo identificar se ele estava sozinho. Ele não está sozinho, então é mesmo Hazael. Que covarde, me seguiu até que eu ficasse sozinho. Isso só pode significar uma coisa, ele sabe que estou com Uziel e tem medo de enfrentá-lo. Mas é claro, Uziel já o enfrentou em uma batalha e quase o matou. Foi a primeira vez que o impiedoso Hazael chegou perto da morte eterna. Ele riu ao lembrar que o guerreiro prestes a enfrentar não passava de um covarde. Hummm, vejamos. São seis querubins. Sete contando com Hazael, será fácil....

-Acho que ele é orgulhoso demais para olhar para nós! - bradou uma voz muito familiar. - O filho de Miguel é importante demais para nos dar sua palavra!

Ele virou-se rapidamente e sorriu para a anja morena que o encarava com ódio nos olhos.

-Samara! - exclamou. - Tão linda e carismática como sempre!

- Ora, ora, se não é o primeiro filho de Miguel. Há quanto tempo Soren - interrompeu um querubim robusto. - O que te faz achar que é tão especial para não o matarmos?

- Vá com calma Marlon, estamos aqui para conversar - Hazael sorriu para Soren. - Como vai meu caro Ciel?

- Não precisa de tanta cordialidade, pode me chamar pelo primeiro nome - ele tentou apalpar os bolsos do moletom e encontrar algo útil para matar, pois sabia que haveria um combate. - Estão aqui a passeio?

Os querubins olharam uns para os outros e riram em coro. Soren também começou a rir, queria ao máximo distrai-los para tentar procurar alguma arma, mas para seu desespero, havia saído de casa sem nenhuma. Xingou-se em silêncio. Mesmo sem armas, ele procurou não demonstrar nervosismo e continuou com as mãos nos bolsos, para insinuar que estava armado.

-HÁ! - berrou Samara, lançando uma adaga que rasgou o ombro de Soren. - Ele está procurando uma arma!

Ele grunhiu em silêncio, aquelas armas não eram comuns. Feriam qualquer anjo gravemente. Maldita. Não sabia que um fora podia causar tanto ódio em uma mulher. Pensou. Sabia que Samara era astuciosa e fatal quando queria, principalmente quando o assunto tratava-se dele. Há muito o amor dela fora declarado para Soren, mas esse fugiu no dia seguinte para Statera e nunca mais retornou.

-Não faça isso Samara! - bradou Hazael. - Não vê que quero conversar com Ciel?

- Ele sabe que vai morrer hoje, por que não poupa logo o seu tempo? - gritou ela.

- É um prazer rever você também Samara - desdenhou.

- Não brinque comigo! Eu sinto o cheiro daquele verme em você! É uma pena que vá morrer hoje, por que eu adoraria dizer ao seu pai que você anda por ai beijando outros homens!

- Você é escandalosa demais, está apenas com ciúmes - ele virou-se para Hazael. - O que quer?

- Oh-ho! Para que tanto atrevimento? Sabe por que estou aqui. Quero te dar mais uma chance de se redimir e voltar para Lumen. Sabe, toda essa história de rebelião já está me cansando...

- Vá embora - de súbito, ele lembrou de Mischa, dissera aquelas mesmas palavra para ela.

- E por que iria? Agora mesmo que a festa ficou animada! O que sabe sobre Ishtar? Ela fugiu com aquele maldito Daniel. Ela á minha prometida. Miguel já fechou o contrato comigo, eu matarei todos... menos você, é claro, e ela será minha!

- E por que vai me poupar? Eu quem mais apoio a queda daquele verme...

- Não ouse falar assim de Vossa Onipotência! - gritou outro querubim.

- Ele não é o Trono! Não conhecemos o nosso criador! Nunca o vimos e não sabemos onde ele está! Em nossas almas talvez, mas nem mesmo os arcanjos sabem onde ele está. E esse papo de que ele ainda dorme após o sétimo dia da criação... é tudo uma grande piada!

- Deusa Solária quem disse isso, ela está sempre absoluta...

- Solária é uma vadia! Matou metade de seu povo, sua irmã e mãe! Ele merecia estar no inferno! - ele gostou de ver o rosto sombrio de Hazael, e soube, naquele momento, que o combate se iniciaria. - Venha Samara...

Ele piscou os olhos e a anja já estava em sua frente. Sem querer, deixou que ela fizesse mais um corte em seu braço, dessa vez com a espada. A falta de prática o fez ficar um pouco enferrujado, mas aqueles querubins não eram o suficiente para derrota-lo. Samara lançou sua espada escarlate contra as pernas de Soren, mas esse foi mais rápido e pulou, conseguindo aterrissar rapidamente sobre a lâmina, deixando a anja sem opções a não ser largá-la. Vendo sua chance, ele socou o rosto de Samara e garrou sua espada, rasgando a anja ao meio. A neve rapidamente adquiriu o tom avermelhado de sangue e entranhas. Ele passou a manga do moletom sobre a testa, para remover as gotas de sangue. Olhou despreocupado para os outros querubins, que pareciam hesitantes em atacar. Não subestimarei os outros. Samara foi fácil por que eu já conhecia suas táticas de combate, mas desconheço todos esses outros. Ele ajeitou a espada no ombro e aguardou o próximo combatente. Pensou se deveria atacar primeiro para acabar logo com tudo, mas resolveu aguardar.

-A morte dela não ficará impune! - berrou Marlon.

As duas espadas chocaram-se, lançando faíscas ao vento. Com sua mão livre, Marlon retirou rapidamente uma adaga de seu cinto e apunhalou a coxa de Soren. Ele gritou, e a dor o fez ficar mais esperto. Outro golpe o atingiu, dessa vez o punho imenso do querubim o atingiu no rosto, ele tombou no chão e teve o ombro perfurado pela lança de outro querubim. Irado pela covardia e pela dor, ele despertou o celeste que estava adormecido. Soren segurou a perna de Marlon e enviou ondas sobrecarregadas de frequência, o anjo teve seu corpo invadido e pulou para trás, como se tivesse levado um choque. Soren agarrou a lança que o outro querubim ainda segurava e a quebrou ao meio, enfiando o pedaço lascado na perna dele. Ergueu-se rapidamente e com extrema rapidez, agarrou o cabelo de ambos e chocou suas cabeças. Mesmo vendo que eles haviam desmaiado, ele pisou no crânio deles, para garantir uma morte certa. Hazael olhou incrédulo para seus melhores guerreiros, que agora estavam destroçados no chão. Soren soltava uma gargalhada baixinho, que logo ecoou até os outros querubins.

-Eu juro que foi sem querer, eu não queria matar ninguém - ele tossiu, jogou a lança lascada no chão e limpou as mãos ensanguentadas na calça. - Desculpa mesmo.

- Onde aprendeu a lutar dessa maneira, Ciel? - indagou Hazael.

- Ah sim! Você deve estar reconhecendo minhas táticas um pouco brutais de algum lugar, não é? - ele decidiu alfinetar o querubim. - Foi Uziel quem me ensinou, ele quase te mata naquele combate, não é?

Hazael engoliu seco. O ódio era evidente em suas feições. Soren percebeu que conseguira atingi-lo quando o viu apertar com mais força o cabo de sua maça. Ele sabia exatamente o que fazer com Hazael, e seria fácil.

-Venha Hazael - ele não se preocupou com os outros três anjos, sabia que eles estavam intimidados.

Como um lobo faminto, Hazael voou até Soren como se visse um apetitoso pedaço de carne. Estava tudo calculado, ele sabia exatamente o que fazer. O querubim passou por Soren e surpreendeu-se ao ver que ele conseguira desviar rapidamente. A dor que sentiu fora lancinante. Quando percebeu, Soren já se encontrava puxando uma de suas asas.

-Quero ver você voar agora, seu verme... - ele agarrou-se a armadura do querubim e sentiu os pés saírem do chão. - Não mais...

Em sua última tentativa de voar, Hazael teve uma de suas asas acinzentadas arrancadas. Soren despencou com a asa nos braços, que ainda debatia-se involuntariamente.

-NÃÃO! - ouviu o querubim gritar. - NÃO ME TIREM DAQUI! EU AINDA NÃO TERMINEI COM ELE!

Suas ordens não foram escutadas. Os querubins acolheram seu general ensanguentado e moribundo e levantaram voo para Lumen.

-ARRANCOU MINHA ASA POR QUE SE SENTE UM LIXO! ABERRAÇÃO! NÃO NASCEU COM ASAS E POR ISSO É DESPREZADO PELO PAI...

As últimas tentativas de Hazael em tentar feri-lo foram escutadas, e absorvidas. A visão de Soren ficou turva, ele percebeu que havia perdido muito sangue. Olhou para chão e viu o estrago que fora feito. O nó na garganta veio, e ele finalmente pôde chorar. Os corvos logo começaram a pairar no local, levando para longe toda a carnificina. Ele caminhou debilmente de volta para a casa. Agora se sentia como um verdadeiro assassino. Mais mortes foram acrescentadas em sua lista. Todo o seu moletom estava agora coberto de sangue. Pareço um açougueiro, pensou. Ao abrir a porta, deparou-se com Uziel distraído no sofá, folheando seu caderno de desenhos. Engoliu em seco, não fez alarde algum. O exilado observava com estranheza os desenhos de se próprio. Sentiu a brisa gelada invadir o local e virou-se rapidamente, vendo Soren mais uma vez observando-o.

-Mas o que... SOREN! - ele correu até ele o segurou pelos ombros . - O que significa isso? O que aconteceu?

Ele nada respondeu, continuou fitando o exilado.

-O que aconteceu? - voltou a perguntar. - Por que todo esse sangue?

- Hazel... ele... eu arranquei uma de suas asas - ele riu.

Uziel o segurou quando ele fraquejou. Ajudou Soren a deitar-se e no sofá, e apoiou a cabeça dele em seu colo.

-Que cheiro horrível de sangue. Aquele covarde, quem você matou?

- Samara... Marlon e outro. Eu não o conhecia... quase mato Hazael, como você ...

- Não fale nada, descanse.

Enquanto dormia, ele ouvia passos. Achou que Uziel estivesse inquieto. Tenho que limpar essas feridas, o ouviu resmungar.

-Eu não sou um lixo... - Soren delirava. - Me largue...

Uziel retirou o moletom ensanguentado e se pôs a limpar as feridas. Causadas por armas celestiais, essas não iriam curar-se rapidamente. Costurou todas elas e deixou que o amigo descansasse. A raiva o assomou de imediato, principalmente por ter deixado Soren sozinho. As horas passaram-se e ele tentou desenha-lo, mas só o que conseguiu foram rabiscos.

-Ah, que droga, eu não consigo desenhar você! Pare de me pedir... - mas Soren dormia. - Seu idiota, por que tinha que sair sozinho? Por que está agindo tão estranhamente?

Não houve resposta.

-Quer saber de uma coisa? Você não vai lembrar que eu fiz isso, por que está dormindo - ele sentou-se ao lado de Soren e o beijou. - Só mais um... - teceu uma trilha de beijos até o pescoço do amigo, onde absorveu seu cheiro ainda metalizado.

Ele parou de súbito ao perceber a presença de dois celestes. Rapidamente ficou atento a qualquer movimentação. A porta abriu-se e entraram Daniel e Ishtar. O arcanjo logo correu para o irmão e mil perguntas foram feitas, mas Uziel estava limitado a respondê-las, pois Soren pouco contou do ocorrido.

-Eu vi você beijando ele da janela! - pigarreou Ishtar.

- Eu não estava beijando ele, você viu errado - grunhiu, entrando em suas crises de pânico-sem-motivo.

Um som ensurdecedor seguido de um forte tremor abateu a todos. Aquele era um aviso de queda estava para ser concluída, ele estava mais próximo. Miguel estava chegando a Statera, e com ele, todo o seu falso senso de justiça. Anunciando que não seria mais necessário um portal para Lumen, Daniel acomodou todos no carro. Ainda desacordado, Soren foi posto no bando detrás junto com Ishtar. Eles partiram para uma clareira dentro da floresta, onde o tecido era extremamente frágil e assim poderiam tentar abrir um portal para Tenebris. Para o alívio de Uziel, nenhum comentário foi ouvido sobre o último encontro surpresa.

-Onde está Mischa? - indagou. - Acha que seria bom se eu me despedisse?

- Não sei, faz alguns meses que não a vejo. Talvez tenha viajado para algum lugar - esclareceu Uziel.

- Verdade, deixa pra lá então. Talvez ela tenha transferido a faculdade para outro lugar.



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