82| Tristeza de Verão
Me beije intensamente antes de ir
Tristeza de verão
Eu só queria que você soubesse
Que, querido, você é o melhor
- Summertimes Sadness, Lana Del Rey
NERO
O seu rosto vazio era o que mais me causava dor ...
-Não faça isso Neil! - gritou Blair, mas foi tarde demais.
De repente tudo se tornou uma confusão de cores e penas. Neil nos surpreendeu abrindo imensas asas negras, assim como Blair. Ela também fez surgir suas asas e os dois enroscaram-se em um abraço agressivo. Mesmo querendo ser útil em algo, não consegui fazer nada além de chorar como um idiota. Des súbito, deixei Lili no chão e corri para Kaia. A fratura em seu braço já estava curada, mas era como se ela estivesse presa dentro de si mesma. Um enorme buraco no teto foi aberto quando Blair e Neil sobrevoaram para fora. Rapidamente aninhei kaia em meus braços para protegê-la de alguns fragmentos de pedra que atingiram minha cabeça. Então tudo cessou, e um terrível silêncio nos abateu. Não importa quantas vezes eu sacudi o pequeno corpo de Kaia e gritei seu nome para que acordasse, ela permaneceu com aquele olhar vazio. Chorei. A única pessoa que se importava comigo definitivamente havia deixado de existir. Escutei Sora gritar meu nome, mas a ignorei. Depois sua voz tornou-se mais distante... até somente eu e Kaia existíamos na sala.
-Nero, por favor acorde, por favor... - estava tudo escuro, achei ter ouvido a voz de Lili, mas não descartei essa ideia, por que ela me odiava. - Você precisa acordar...
- É melhor deixá-lo dormir o máximo que puder Lili, ele vai precisar de forças para aceitar sobre o que fazer com Kaia. - Agora tive certeza que era Lili, tentei acordar e fugir para longe dela, mas meu corpo estava pesado.
- Mas eu preciso pedir desculpas - mesmo estando desacordado, consegui sentir tristeza emanando dela. - A culpa é toda minha... ele só tentou me proteger o tempo todo e eu não me liguei de nada, e agora Kaia está praticamente morta.
- A culpa não é sua Lili, e você sabe disso. Vamos, deixe-o descansar.
- Ainda estamos em... em...
- Sim, ainda estamos em Tenebris e vamos permanecer aqui até estarmos seguros o suficiente para sair. O que aconteceu semana passada foi apenas uma amostra do que nos aguarda.
Uma semana!? Me senti desesperado e tentei novamente abrir os olhos ou tentar esboçar alguma reação para que soubessem que eu estava acordado, mas não consegui fazer nada. Não entendi por que estava naquela espécie de transe, era como se fosse outra hibernação.
-Não quero deixá-lo sozinho Sora, ficarei aqui - senti que ela mexia em meus cabelos, depois desceu para meu rosto. - Preciso tirar essa barba dele, já está muito grande.
- Lili, você já está aqui faz um tempo não né? Precisa descansar um pouco, comer algo. Eu fico com ele por enquanto.
- Tem certeza? Onde está Lieff? - mais uma vez ela me tocou, sempre com cautela, como se não quisesse que eu acordasse. - Essa casa é bem grande, mal vejo vocês dois.
- Estamos trabalhando para que Solária nos leve para Lumen...
- Você e Nero conseguiram uma vez, por que não tentam novamente daquela maneira? - senti ela levantar da cama. - Dandy também está por aqui?
- Sim, ele e Blair. Não podemos levar uma legião de anjos para Tenebris com um portal de quatro cristais. Isso não é o bastante, antes somente eu e Nero passamos. São muitos que vão adentrar Lumen, então precisamos de uma força maior, e ela se chama Solária.
Fiquei furioso por estar perdendo tudo.
-Acha que ela vai ceder?
- Tenho certeza, estamos tentando encontrar Daniel para que ele alie-se conosco. Quer dizer, ele sempre esteve. Quando conseguirmos, vamos fazer com que ele se passe por nosso refém. Sabe, ela é louca por ele. Por falar nisso, Lili... você ainda ama ele?
- Não, já passou. Eu amo Nero, e quero dizer isso para ele, quando ele acordar.
Quis gritar de tanto ódio. Lili tinha essa capacidade, de me deixar irado. A cada vez que tentei falar ou me mover, a agonia tomava conta de mim gradativamente. Foi preciso acontecer tudo isso, somente depois de tudo isso foi que ela teve coragem de dizer o que realmente sentia. E duvidei de que talvez, quando eu acordasse, ela remediaria em relação a isso.
-Finalmente hein, você estava para deixar ele louco... você tinha que ter visto como ele ficou quando Neil te tomou nos braços. Não foi à toa que ele desmaiou quando conseguiu te salvar, mas o impacto da perda de Kaia foi maior.
- Olha quem fala, você fez o mesmo com o meu irmão. Deixando isso de lado, Sora, já faz uma semana que ele está assim. Até parece Kaia! Estou com medo, e se ele não voltar? Será que eu devo dar um pouco do meu sangue para ele beber?
A palavra sangue me deixou com sede. Foi como se ela estivesse adormecida, e menção de seu nome a fez despertar.
-Você quem sabe. Ele já provou seu sangue mesmo. Bem, você vai ficar aqui ou não?
- Ficarei. Você vai trazer roupas para mim? Tem um banheiro no final do corredor.
- É claro, mas quando estiver cansada é só me chamar pelo colar de Nero, que está naquela gaveta ali.
- Certo. Esse casarão é de Grendel?
- Sim, mas ele disse que faz muito tempo que não vem aqui, e que podemos fazer o que quiser. Vou indo Lili. Cuide bem dele.
- Cuidarei, não esqueça das minhas roupas.
Ouvi a porta fechar. Depois de alguns instantes senti Lili retornando. O cheiro de lavanda invadiu o quarto. Inspirei profundamente...
-Nero? Nero! Você acordou? Está suspirando com mais força. Por favor, acorde - senti o colchão afundar e ela deitar ao meu lado. - Acorde.
Ela vestia apenas roupa íntima, pois senti o toque de sua pele na minha. Tentei ao máximo ficar contente, mas a lembrança de Kaia voltava para me assombrar.
-Você precisa acordar, por que temos muito para viver, e não vamos conseguir se você continuar dormindo para sempre - senti ela passar o braço sobre mim. - Olha só como você está respirando calmamente, nem parece aquele Nero ciumento e zangado... ah, me desculpe, fui uma tola. Nunca gostei de verdade, foi só para te fazer ciúme. Eu consegui, mas paguei caro e acabei fazendo você e kaia pagarem também.
" Não Lili, você não tem culpa de nada. Eu fracassei com ela, deixei que tudo chegasse naquele ponto ..."
"Nero... você acordou..."
"Sam! Me ajude! O que houve comigo?"
"Não se preocupe, isso foi para o seu bem..."
"Foi você quem fez isso comigo? Por que?"
"Foi necessário, você estava em pânico e sofria bastante. O sono prolongado ajudou a superar um pouco da perda, somente o tempo vai te ajudar agora. Você precisa ser firme e esquecer da imortal, seu foco deve ser somente na rebelião. Esse é um aviso de Shaya..."
"Cero, obrigado! Agora será que você poderia me desbloquear? Estou perdendo muitas coisas sobre a rebelião..."
"Eu sei que você está desesperado assim para acordar, por causa da garota quase nua ao seu lado..."
"Cale a boca e me traga de volta! Tem muita coisa em jogo agora! Faz uma semana que estou desacordado!"
"Assim disse o rei."
Recuperei os sentidos aos poucos. Primeiro senti a pele formigar, depois a boca salivar. Acho que Lili estava dormindo, pois não me viu me movimentar um pouco.
-Ah! - pigarrei quando abri os olhos, a luz os fez arderem. - Merda...
- Nero! - ela sentou sobre mim e segurou meu rosto entre as mãos. - Por que dormiu tanto? Não sabe o quanto eu fiquei preocupada...
- Lili... - rapidamente senti um nó se formar em minha garganta, sentei e a abracei. - Lili... eu nunca mais vou vê-la sorrir para mim...
- Ei, calma - ela aninhou minha cabeça em seu peito - ela está bem, apenas mergulhou em um sono eterno, onde somente ela pode ter acesso... Kaia está bem...
Me ouvir chorar foi algo muito estranho. Era como se eu nunca tivesse feito aquilo antes. Apesar das intenções de Sam, comecei a achar que o tempo não teve efeito sobre a minha tristeza. E ao ouvir Lili dizer que Kaia estaria bem, tive certeza do pior, pois essa era a primeira coisa que as pessoas diziam quando sabiam que nada ficaria bem.
-Eu sei que ela não está bem...
- Shh, calma. Vai dar tudo certo. Não tem que se preocupar com isso agora - ela me apertou com mais força. - Me desculpe Nero, é tudo minha culpa...
- Não! Pare de se culpar por tudo. Eu sou o responsável - ergui o rosto para ela e me senti um pouco ansioso, como se aquela aproximação fosse algo novo. - O que fizeram com ela? Quero vê-la agora.
- Tem certeza? - ela limpou minhas lágrimas.
- Sim, eu preciso decidir o que fazer com ela... ou vocês já fizeram?
- Não, decidimos que seria melhor que você fizesse isso.
Afastei Lili para o lado e me ergui. Como se estivesse aprendendo a andar agora, minhas pernas fraquejaram quando dei o primeiro passo. Tombei desprevenido no chão e acabei esbarrando em uma cômoda, rasgando meu ombro. O cheiro de sangue logo me deixou mais esperto, mas precisava tomá-lo. Lili não me ajudou a levantar, ela desceu até mim e estendeu o braço, como se adivinhasse que eu precisava de sangue. Ponderei se deveria, pois ela ainda podia estar zangada comigo por causa de Sora. Vendo minha hesitação, ela aproximou-se e voltou a sentar em meu colo. Tive que controlar o máximo possível os meus instintos, pois meus braços tremiam com impulsos nervosos para agarrá-la.
-Eu amo você sabia? - ela falou um pouco sem jeito e duvidei que fosse verdade. - Por favor me perdoe. Eu te amo demais e fiquei furiosa quando soube daquilo, mas eu nunca deixei de te amar desde que o dia em que percebi que você era certo para mim.
- Não precisa fingir apenas para tentar me deixar mais feliz - grunhi, ainda me sentia magoado com as palavras que ela havia me dito sobre levar uma vida ao meu lado. - Eu não envelheço e nem posso ter...
- NÃO! - ela gritou ao me ouvir pronunciar suas próprias palavras, fiz aquilo propositalmente para ela lembrar do que havia me dito. - POR FAVOR PARE! EU ME ODEIO POR TER FALADO AQUILO! ME PERDOE NERO, EU TE AMO DEMAIS, ME PERDOE.
Ela não chorou, mas estava muito aflita. Fechei os olhos e suspirei com força. Queria ter a certeza de que ela estava sendo sincera. Segurei seu braço e o levei até a boca. Olhei para seu rosto e indaguei se poderia em silêncio, ela assentiu. Olhei para seu pulso e rocei meu nariz nele para absorver ao máximo seu cheiro. Com calma, perfurei sua pele. Ela teve um leve instinto de puxar o braço, mas aguentou a dor e permaneceu onde estava. Foi estar vivo novamente. Tive vontade de sugar tudo. O sangue vinha a golfadas para a minha boca e escorria até meu queixo. Soltei seu braço antes que perdesse o controle e acabasse machucando-a. Ela tomou meu rosto entre suas mãos e beijou minha testa, depois desceu hesitante até os lábios. A última vez em que a beijei com sangue na boca não deu muito certo, por que ela vomitou. Lili deve ter lembrado também, por isso deve ter hesitado.
-Eu acho que devo me acostumar com o sabor do sangue se quiser viver o resto da minha vida ao lado de um vampiro...
- O que vo... - ela encostou os lábios nos meus.
Lili me surpreendeu bastante ao dizer aquilo. Aquele foi um de nossos melhores beijos, considerado por mim. O primeiro foi quando a beijei pela primeira vez. Não senti nenhuma repulsa vinda dela quando beijou meus lábios ensanguentados. Aquilo estava sendo ótimo, pois o sabor de seu sangue misturado com o beijo era tão entorpecente que não senti a presença de Sora se aproximando. A porta abriu-se com calma, mas a intrometida não recuou.
-Nero! Que bom te ver acordado... - ela se aproximou de nós e viu o sangue em nossas bocas. - Que nojo Lili, depois você diz que eu e Lieff somos esquisitos. Eu trouxe suas roupas. Por que vocês estão no chão?
Lili levantou e em seguida me ajudou. Ela limpou a boca antes de pegar suas roupas e sair do quarto. Sora também me deu algo para vestir e sentou na cama.
-Como se sente? - perguntou.
- Péssimo... mas também feliz - declarei. - É complicado.
- Eu entendo. Vamos contornar toda essa situação - ela me estendeu um sobretudo negro.
- Por que eu tenho que vestir isso?
- Digamos que combina mais com o lugar - ela riu. - É brincadeira, você deve perguntar isso para Grendel, ele quem mandou eu te dar isso.
- Como estão as coisas por aqui? - me senti um verdadeiro gótico com aquelas roupas.
- Estão ótimas. Não houve nenhum ataque durante esse tempo. Grendel disse que não devemos dar nenhum movimento até um certo tempo. Ele quer que Lumen ache que nos desistimos da guerra, só para então pegarmos eles desprevenidos.
- Ótimo, e você? Nenhum outro surto? - tomei cuidado para falar baixo, caso Lili estivesse voltando.
- O que você acha? É claro que tive, e o maldito Grendel disse que não vai reverter o processo. Disse que eu tenho que aguentar as consequências. Nero, não entendo por que fomos atrás de Solária para reverter o processo! Aquela idiota não vai ajudar em nada.
- Pelo menos conseguimos capturá-la. Seus surtos são o que menos importa agora. Quando Lili chegar quero que me levem até Kaia.
Quando finalmente cheguei ao quarto, hesitei em abrir a porta. Lili colocou sua mão por cima da minha e me encorajou a seguir em frente. Kaia estava deitada em uma cama pequena como ela. Respirava calmamente, como se estivesse dormindo, mas seus olhos estavam abertos. Sentei ao seu lado e a puxei para meu colo. Meus soluços tornavam-se mais audíveis a cada instante. Eu queria fazê-la ouvi-los, para que acordasse e me aliviasse de tanta tristeza. Seu rosto estava totalmente sem expressão, nem ao menos piscava os olhos. Tentei fechar seus olhos, mas não consegui, eles insistiam em fitar o vazio sem nada captar.
-Nero... não acho que será bom para você que fique perto dela. Sinto muito em lhe dizer isso, mas Kaia já não está mais ai... - disse Sora.
- E como você sabe? Ela ainda pode estar nos observando, nos ouvindo... - repliquei.
- Não está. Dandy disse que os imortais, quando atingidos por setas estelares, ficam vagando sem destino entre as duas dimensões. Eles não vão para Lumen ou Tenebris por que seu corpo não morre. Então é como se estivessem vivos, mas fora de seu corpo material. Então se não morrem, não podem ir para dimensão alguma...
- Basta - grunhi. - Foi o suficiente.
Olhei mais uma vez para KaIa e percebi que ela realmente não voltaria para mim, estava presa entre as dimensões, e o caminho que ela percorria para sempre seria longo. Coloquei seu pequeno corpo de volta na cama e escutei o que Sora tinha a dizer sobre o que deveríamos fazer com ela. A princípio achei um absurdo à ideia de enterrá-la, mas lembrei das palavras de Dandy. Ela não voltaria para esse corpo, pois ele estava selado.
-Vamos logo virar essa página - disse Sora, mas para ela seria fácil, pois não conheceu Kaia o suficiente para amá-la.
Sua cova já estava aberta quando chegamos à cerejeira que ela tanto se encantou quando veio pela primeira vez em Tenebris. Beijei sua testa antes de colocá-la dentro do caixão branco. Não houve cerimônia, pois pedi que todos se retirassem. Aquele momento era importante para mim, eles não se importavam tanto quanto eu. Fiquei ao lado do caixão antes de enterrá-la, estava sem coragem para fazê-lo. Quando finalmente comecei a jogar terra sobre o caixão, uma nova onda de desespero tomou conta de mim, caí de joelhos dentro da cova e comecei a desenterrá-la. Abri com força o caixão e a tomei em meus braços. Os soluços e as lágrimas não paravam de vir. Senti mãos me agarrando pelos braços e me puxando para cima. Fiquei irado por interromperem aquele momento, eu não queria enterrá-la. Fui arrastado e acabei caindo no chão. Olhei para cima e vi que era Dandy que me segurava enquanto Lili e Blair colocavam Kaia de volta no caixão. Quando as vi cobrirem tudo com terra, tentei mais uma vez correr até ela, mas Dandy me segurava com força.
-ME LARGUE! - ralhei.
- Ela não vai voltar, é melhor você se acostumar. Pare de agir como um bebê chorão...
Levantei com um salto e soquei seu rosto, ele tombou no chão e aproveitei para escapar.
-ESCUTE NERO! TODOS NÓS JÁ SOFREMOS COM MUITAS PERDAS! MAS ACABAMOS SUPERANDO TUDO, MESMO QUE AS CICATRIZES AINDA PERMANEÇAM EM NOSSAS ALMAS...VOCÊ TEM SEGUIR EM FRENTE POR ELA, VINGUE KAIA! - parei quando ouvi Dandy gritar, me surpreendi com aquilo, pois ele era sempre muito calmo e pacífico. - PARE DE SENTIR PENA DE SI MESMO E DÊ UM PROPÓSITO PARA A MORTE DELA!
- NÃO TENHO PENA DE MIM MESMO... EU TENHO PENA DELA... QUE VAI SEGUIR UM CAMINHO SEM DESTINO PELA ETERNINADE!
Ele ergueu-se e caminhou até mim. Achei que fosse revidar o soco e me preparei para recebê-lo, mas ele apenas me encarou.
-Não tenha pena dos mortos cara. - grunhiu. - Eles estão melhores que nós.
- Ele tem razão Nero, acalme-se, está agindo impulsivamente - Lili segurou minha mão e começou a me puxar de volta para a mansão. - Vamos, você precisa relaxar um pouco, deixe que Blair cuide do resto.
Com um último olhar, vi sua pequena lápide improvisada. De repente a tristeza deu espaço para o ódio. As palavras de Dandy ficaram guardadas em minha mente, elas iam e voltavam como um eco. Apertei forte a mão de Lili enquanto caminhava. O rosto de Neil não parava de surgir em meus pensamentos, estava decidido a matá-lo a qualquer custo. Olhei para Lili enquanto o vento agitava seus longos cachos brancos, a lembrança de Neil lambendo seu pescoço me deixou furioso. Ela estava viva, e eu precisava perceber que minha vida girava ao seu redor. Ela percebeu meu olhar e sorriu, depois forçou nossa parada. Limpando meu rosto manchado pelas lágrimas, ela me pediu que fitasse o sol se pondo. Ficamos ali sentados por algumas horas enquanto a relva acariciava nossa pele. Ela conseguiu me deixar mais calmo, a compreensão finalmente começava a surgir, e com ela, o meu desejo de vingança também.
Tenebris - Um mês depois
-Ontem foram seis exilados... - suspirou Grendel. - Acho que não devemos mais esperar! Eles ainda não estão convencidos de que desistimos, ainda continuam caçando os exilados e matando-os... Uziel precisa ter muito cuidado... e Isthar, ela é um ímã para problemas, Daniel não devia ter deixado ela envolve-se nisso.
- Quem é Ishtar? - indaguei.
- É a filha de Miguel... é um arcanjo. Ela é a favor da rebelião, mas não quer ver o pai destruído, o que vamos fazer?
- Por que não a trancamos aqui, como fizemos com Solária? - sugeriu Blair.
- Não vamos trancafiar um aliado - desdenhou Sora. - Vamos deixá-la convencida de que não mataremos Miguel, e no final a gente mata.
- Concordo com você - disse Grendel. - Boa ideia, vamos fazer isso.
-A questão é, como vamos fazer isso? - indagou Blair. - Eles possuem guerreiros poderosos...
- Eu já disse que me encarrego de Neil, vou estraçalhar aquele canalha.
Todos perceberam que Blair moveu-se desconfortavelmente no canto. É claro que eu sabia que eles tinham um passado, mas ele precisava ser morto para pagar pelo que fizera.
-Podemos... sei lá, tentar de outro jeito... - ela hesitou e olhou para cada um presente, mas ninguém fez menção de interrompê-la. - Podemos apenas aprisionar Neil...
- NÃO BLAIR! - gritou Dandy, com seu rosto vermelho de cólera. - JÁ CONVERSAMOS SOBRE ISSO E ESTÁ DECIDIDO. ELE DEVE MORRER E VOCÊ DEVE ESQUECÊ-LO... POR QUE ELE JÁ ESQUECEU VOCÊ!
Blair olhou horrorizada para ele. Sua expressão demonstrava incredulidade. Vi que seu queixo tremeu e logo lágrimas desceram por seu rosto. Ela levantou da cadeira abruptamente e saiu da sala. Dandy permaneceu de cabeça baixa e não falou mais nada durante a reunião. Era sabido que ele partilhava de seu afeto com Blair, mas o coração dela já estava envenenado há muito por outro. Terminamos a reunião e mais uma vez ficamos em um impasse. Quando todos levantaram para sair, Dandy permaneceu onde estava, resolvi não falar nada e fechei a porta. Lili segurou minha mão e me guiou até o onde era o nosso refúgio, a floresta vermelha. Adentramos mais afundo e deitamos sobre a sombra de uma enorme árvore. O comportamento de Lili nunca fora tão estranho comigo. Não que eu não estivesse gostando de seu carinho, mas parecia algo forçado mesmo eu sabendo que ela estava sendo totalmente sincera. Ter acesso a suas emoções me garantia seus verdadeiros sentimentos.
Enquanto fazia caricias em meus cabelos, ela contava o quanto estava animada com a aproximação de sua formatura. Os gêmeos não quiseram abandonar a faculdade mesmo sob o constante perigo que representava ir até Statera. Eles iam para suas aulas sempre acompanhados por um de nós, e eu me encarregava de Lili, enquanto Blair escoltava Lieff, já que Sora não podia ser vista pelos outros estudantes. O tempo passou, mas eu não me esqueci de Billy. Minhas perguntas sobre ele eram constantes, e Lili sempre resmungava algo, dizendo que ele estava progredindo com o tratamento. Eu a escutava com atenção e relaxava profundamente enquanto ela dedilhava sobre minha cabeça. Depois de demonstrar todo o seu entusiasmo com os estudos, ela resmungou algo sobre eu estar muito calado e sentou sobre mim. Respirei profundamente quando ela começou a subir minha camiseta.
-Vou fazer você falar alguma coisa...- sussurrou.
- Não precisa fazer isso se não quiser - resmunguei e segurei sua mão para que parasse.
- Não entendi - disse, me olhando com incredulidade.
- É claro que você entendeu...
- Não, eu não entendi Nero. Você quer, por favor, me explicar esse seu comportamento estranho comigo? - ela cruzou os braços, mas permaneceu em cima de mim.
Não fiz menção de levantar e fiquei deitado onde estava.
-Você é quem é a psicóloga aqui, por que não faz o diagnóstico você mesma? - grunhi.
- Já faz quase três meses Nero... eu já te perdi perdão. Como acha que eu me senti após saber que estava apenas sendo usada por ele? Nero, eu me apaixonei por você desde o primeiro dia em que nos beijamos na praça de Blizzard. Eu só não queria admitir que me deixei apaixonar tão rápido por você. E mesmo que Daniel tenha aparecido depois, eu já me encontrava perfeitamente apaixonada por você, mas sabe como é, mulheres são loucas e reagem de uma forma indiferente quando o assunto é amor. Mas eu te amo demais, e quero que esteja sempre comigo, mesmo que eu envelheça e você permaneça jovem...
Ela parou de falar e desceu até meus lábios. Enterrei minhas mãos em seus cabelos e a puxei para mais perto. Rolei para o lado e fiquei por cima dela, depois coloquei o joelho entre suas pernas para ter espaço livre. Seu cheiro se intensificava cada vez que a fazia arquejar. As palavras de Lili ainda ressoavam em minha cabeça... quero que esteja sempre comigo, mesmo que eu envelheça e você permaneça jovem... Era aquilo eu desejava ouvir dela, que tivesse certeza de querer levar adiante uma vida comigo mesmo sabendo de nossas condições. Fiquei impaciente ao tentar abrir os botões de sua blusa e acabei rasgando-a quando puxei com força, ela riu e disse que havia sentido falta daquilo.
-Você sempre acaba rasgando minhas roupas, isso custa caro...
- Mas você gosta - repliquei.
Enquanto continuava a despi-la, me toquei que estávamos na floresta vermelha. Não senti a presença de ninguém se aproximando, mas queria fazer aquilo sem que ninguém nos interrompesse.
-Lili... espere... - suspirei. - Acho que aqui... ah...
Ela não queria me ouvir. Grunhi quando ela acariciou a parte da frente do meu jeans. Estava ficando mais quente. Seus movimentos ficaram mais inquietos, e ela se atrapalhou ao tentar retirar meu jeans. Aproveitei para segurar seus braços e propor outro lugar.
-Qual é... já estamos quase lá, não tem ninguém aqui! - resmungou.
- Realmente estamos sozinhos, mas pode aparecer alguém. Estamos em Tenebris...
- Mas Grendel domina essa parte de Tenebris e não deixa mais ninguém entrar! - ela insistia.
- Mas não quero ser interrompido.
- Não vamos ser interrompidos. Vem aqui...
Ela me puxou para mais um beijo e então resolvi desistir quando ela deslizou sua mão entre minhas pernas. Depois de nos despirmos totalmente, ela segurou o colar em meu pescoço e fez menção e tirá-lo. Não sei bem explicar por que, mas não deixei que ela o removesse. Aquele colar podia materializar coisas, mas eu não tinha certeza se ele podia realizar outros desejos, desejos profundos da qual eu gostaria de realizá-los. Pensei se deveria ou não. Ela não aceitaria, com toda a certeza, mas aquela talvez fosse uma oportunidade única. Fechei os olhos e desejei profundamente que funcionasse.
-Tem certeza que não vai incomodar? - perguntou ela, ainda segurando o colar.
- Não, é só um colar - enterrei meu rosto em seu pescoço e desci até seu ombro, onde a tatuagem de serpente destacava-se em sua pele branca. - Eu gosto da cobra em sua tatuagem...
- Você já me disse isso - ela enroscou a perna em minha cintura. - E eu gosto quando diz.
Enquanto me movia para dentro dela e me sentia nas melhores sensações do mundo, novamente pensei se deveria seguir adiante, mas já estava feito. Ninguém nos interrompeu até cessarmos completamos e ficarmos exaustos. Rolei para o lado e inspirei profundamente. Não percebi o largo sorriso que estava estampado em meu rosto até Lili perguntar o motivo de tamanha felicidade. Disse para ela que era óbvio e ela entendeu que fora por causa do nosso ato de amor. Deixei que assim pensasse, pois seria melhor. Terminamos de nos vestir e caminhamos para mais adentro da floresta. Enquanto caminhava, apertei a mão de Lili e desejei profundamente que meu desejo deixasse de ser uma mera aspiração. Ela me olhou e sorriu. Adorei ver como seu rosto ficava lindo quando o sol batia nele e o vento agitava seus cabelos. Captei aquela cena em minha mente, pois era ótimo guardar o seu sorriso antes que o momento acabasse. Lili não sabia de meus planos, mas desejei que me perdoasse quando soubesse.
Contornamos o lago e sentimos a brisa quente que vinha das colinas. Em Tenebris era sempre outono. As folhas vermelhas caíam por toda parte e os lagos estavam sempre mornos. Uma pequena onda de nostalgia me atingiu ao sentir falta do gelo de Blizzard. Lili largou minha mão e senti um aperto no peito quando percebi onde estávamos. Ela arrancou um pequeno lírio vermelho e o colocou na lápide de Kaia. Andei até lá e depositei uma margarida, que eram as suas favoritas. Os lírios... eles mudaram de cor para mim.
- Por que agora eu os vejo vermelhos? - perguntei para Grendel.
- Por que você finalmente saiu da sua própria escuridão. Aquilo que te atormentava era você mesmo. Agora você está com os pensamentos claros e sabe o que quer. O seu amor intenso por Lili também conta, e os desejos profundos. Tenebris consegue adaptar-se em quem nela reside. Se está vendo lírios vermelhos agora, significa que tudo está bem, até mesmo seus desejos estão livre de qualquer acusação de malícia. Parabéns Nero, você finalmente está fazendo as escolhas corretas.
O episódio de Kaia finalmente havia passado. Sua perda já não me afetava mais quanto antes, e minhas decisões estavam tomadas. A pequena clareira repleta de folhas vermelhas no chão nos trazia alegria e tristeza. Era esse o verdadeiro clima que se instaurava em Tenebris. Tudo era um infinito outono carregado de sentimentos pesados, e o inverno jamais chegaria até nós se tudo ocorresse bem, mas o que eu sentia era uma verdadeira tristeza de verão.
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