55| Belo Desastre
SORA
Meu tempo naquele lugar estava esgotando-se. Pelo que contei, já haviam se passado dois anos, mas a pequena ampulheta do tempo não me pertencia. Agora com meus dezenove anos, a necessidade de voltar a Statera veio com vigor. Não é nada fácil passar um longo período ao lado de um morto-vivo que já foi seu bicho-papão de infância, pelo menos era assim que eu o via. Não que passar uma longa jornada em Tenebris fosse tão ruim, algumas coisas foram bem produtivas, mas algo me dizia que Grendel achava que eu ainda não estava pronta. Ser uma divindade não é como nos contos de fadas, não existem príncipes encantados ou unicórnios, só o Sr. Morte e seu vasto campo de tulipas vermelhas. O temperamento de Grendel foi o meu maior desafio nesse longo período, o restante das coisas peguei com muita facilidade, como conjurar aquelas sombras medonhas.
O colar de ametista estava em meu pescoço todo o tempo, isso era a desculpa de Grendel para continuar me chamando de burra, ele achava que o colar estava me ajudando. Não duvidei que estivesse certo, em grande parte o colar havia sim me ajudado em muitas coisas que desejei aprender sem ao menos precisar de um treinamento. As sombras me serviam para guiar os mortos para seus respectivos túneis, elas deveriam me obedecer como sua superior. Sim, ele estava me treinando para fazer seu trabalho. Meus esforços para passar para além do tecido da realidade não foram em vão, pois agora poderia sair de Tenebris no momento que quisesse. Ele não havia me deixado usar o colar durante esses treinamentos, porque passar para outro plano era algo definitivamente sério para ele, e não poderia ser realizado com um desejo, a essência era o que contava.
Durante o meio tempo que passei em sua casa, ele não me deixou ir nenhuma das vezes a Statera. Bem, agora que estava poderosa o suficiente para ir sozinha, não iria esperar por ele. O mais estranho de tudo era que nada veio atrás de mim. Sim, nada. Eu parecia estar sob a forte proteção de Grendel, porque nem mesmo Shaya tentou algo contra mim. Para ser sincera, duvidei muito que ela soubesse de minha estadia naquele lugar. Quanto mais tempo passava por lá, menos humana eu me sentia. Não queria isso para mim de maneira alguma, mas conjurar sombras e ajudar alguém que estava à beira da morte não era nada humano. Sim, podem me chamar de A Divindade do Equilíbrio, mais conhecida como Libratum. Depois de muita briga, Grendel conseguiu enfiar isso em minha cabeça, agora eu definitivamente não me sentia humana. Divindade? Pensei que elas só existiam em livros mitológicos, mas não, eu era a prova viva do contrário. Nunca pensei que minha vida tomaria esse rumo, mas foi o que aconteceu no maldito dia em que Nero apareceu debaixo da minha casa.
Me perguntei onde estaria o Trono para ver todas essas coisas, era estranho que em um lugar onde se existia duas dimensões paralelas, não houvesse um Deus verdadeiro para organizar tudo. Sempre que fazia alguma pergunta desse tipo para Grendel, ele simplesmente virava a cara e grunhia algo estranho para mim, era como se não quisesse que eu soubesse de um segredo maior. Estava cansada de sempre ser a última à saber das coisas, era frustrante. Meus dias em Tenebis estavam praticamente esgotados, e o Sr. Morte parecia não notar, pois não me deixava ver sua ampulheta. Desconfiei que ele estivesse escondendo meu prazo, tinha quase certeza. A cerejeira agora estava totalmente florida, suas pequenas folhas rosadas voavam por todos os lados com a ajuda da brisa morna.
Em meu momento mais depressivo, onde senti muita saudade de casa e dos amigos, Grendel fez as estações do ano ocorrerem em Tenebris para que eu me sentisse melhor. Foi uma atitude legal para alguém que fazia careta o tempo todo, mas nada se comparava ao inverno rigoroso de Blizzard, nem a deliciosa primavera em Ooland. Era muito esquisito ver um lugar que tinha cheiro de morte de repente fazer florir lindas flores para todo lugar. Ele estava atrasado, nunca demorava mais do que dois minutos. Olhei para os lados e não vi sinal dele. Ele não me deixava descobrir onde ficava quando não estava comigo, se bem que ele estava muito distante. Quase não me anunciava para uma nova sessão de treinamento e ausentava-se repentinamente quando a coisa começava a ficar melhor. Quando me refio a coisa, quer dizer que ia rolar algo, tipo uns amassos e beijinhos.
Passar quase dois anos sem ter contato verdadeiramente com o sexo oposto era altamente frustrante, é claro que eu necessitava beijar um homem, e tinha que ser com o único que estava à disposição. Mesmo tentando indiretamente dar uns amassos no Sr. Morte, ele não percebia de maneira alguma que eu estava a fim. Novamente atrasado, ainda iria descobrir o motivo de tanta demora. Olhei em meu pequeno relógio de bolso (sem data) e já havia se passado uma hora, então ele novamente não viria. Me perguntei o que estaria acontecendo com ele, então tive a ideia mais brilhante de todos os tempos. Imediatamente desejei ir para casa, um redemoinhou formou ao meu redor e quando sumiu, eu me encontrava diante de uma clareira muito familiar. Ali fora onde às duas garotas morreram.
Caminhei a passos hesitantes até em casa, quando cheguei perto o suficiente para sair da floresta, olhei ao redor para ver se não tinha ninguém espreitando ou se as luzes da casa estavam acesas. É claro, ainda era uma foragida da polícia e provavelmente minha casa havia sido vendida. Nada de luzes acesas. Corri até a varanda e deslizei quando subi a escada coberta de gelo, bati meu ombro no batente e grunhi de dor. Uma bola de pelo acinzentada veio ao meu encontro e miou agudamente, mordendo levemente meu pulso. Peguei Haru e o abracei com força, lágrimas rolaram por meu rosto ao saber que a casa ainda era minha. A porta estava aberta quando forcei a maçaneta e entrei sorrateiramente, tudo parecia estar do mesmo jeito, somente pela poeira que agora estava acumulada em uma camada profunda.
O mais estranho era que as louças da cozinha estavam limpas, o que era raro. Peguei a katana de papai que ainda estava prostrada na parede e subi as escadas. A madeira rangeu sob meus passos silenciosos, passei pelo quarto de Lili e abri a porta, não havia ninguém. Algumas coisas foram removidas do lugar, mas o resto parecia o mesmo. Fui para meu quarto e gelei quando vi um homem deitado em minha cama, tirei a bainha da katana, mas não ataquei, aquele poderia ser o novo proprietário da casa. Me aproximei cautelosamente e meu coração pulou ao ver quem era. Lieff estava cercado por livros de faculdade e seu rosto aparentava cansaço, pois dormia profundamente. Percebi algumas mudanças em sua fisionomia, suas feições estavam mais sérias, a barba rala agora parecia ser sua preferência. Mas é claro, agora ele estava com vinte e um, era um homem, mas para mim sempre seria o velho Li.
Seu celular tocou e rompeu o silêncio da casa, pulei para trás quando ele acordou e tentou ajustar os olhos na escuridão. Tentei andar silenciosamente para fora do quarto antes que ele me visse, mas Haru me denunciou quando pisei em sua pata sem querer. Ele soltou um miado agudo e correu para debaixo da cama, Lieff lançou a claridade do celular em minha direção antes que eu pudesse sair do lugar. Fiquei paralisada enquanto via em seu rosto uma expressão de desespero e espanto. Comecei a dar pequenos passos para trás quando ele levantou lentamente e veio até mim hesitantemente.
- Sora? – murmurou. Sua voz estava rouca e um pouco diferente. – Sora?
Preferi não responder, talvez se saísse correndo e sumisse, ele voltaria a dormir e pensaria que tudo isso fora um sonho esquisito. Ele guardou o celular no bolso quando parou de tocar e ficou em minha frente. Nossas respirações estavam pesadas. Ele ainda me olhava como se não acreditasse que estava lá. Dei mais um passo para trás, foi quando ele tocou meu ombro.
- Você está sonhado... vai acordar logo – murmurei na tentativa de fazê-lo se afastar.
- Não acredito que você voltou...
- Está sonhando! – ele me abraçou quando tentei fugir, mas era tarde demais. Estava em seus braços agora.
- Vai acordar logo... é só um sonho... – tentei mais uma vez fugir quando percebi quando ele chorava. – É melhor me largar...
- CALA A BOCA! VOCÊ NÃO SABE O QUANTO EU SENTI SUA FALTA! PARE DE DIZER QUE ISSO É UM SONHO. NÃO VOU TE DEIXAR IR EMBORA NOVAMENTE! POR ONDE VOCÊ ESTEVE? VOCÊ ME DEVE MUITAS EXPLICAÇÕES!
Joguei meus braços em sua volta e descansei minha cabeça em seu peito. Ele tomou meu rosto em suas mãos e colou os lábios nos meus. Ponderei se aquilo seria correto, Grendel poderia aparecer a qualquer momento e me levar de volta, afinal ele não sabia que eu havia dado uma escapadinha. Mas depois de tanto tempo longe de Lieff, decidi compensar o momento mesmo sabendo que ele era meu melhor amigo. Lancei meus braços em seu pescoço e o beijei vorazmente, ele me ergueu nos braços e passou minhas pernas por sua cintura. Ele jogou os livros que estavam na cama no chão enquanto nos deitava sobre ela e pressionou seu peito contra o meu. Removi seu moletom azul e também notei a diferença em seu peitoral, estava mais forte e definido. Passei a mão por seu peito e ele suspirou pausadamente.
Limpei as lágrimas manchadas em suas bochechas e sorri quando ele encostou a testa na minha.
- Onde você esteve durante esse tempo? – perguntou enquanto deslizava a mão para dentro da minha blusa e procurava a fivela do sutiã. – Não vou aguentar se você partir novamente, onde está esse maldito fecho?
Soltei uma risada abafada e sentei, Li me escorou na parede e voltou a me beijar.
- Tive que fazer isso Li, eles me queriam presa...
- Charlie queria você presa – ele ficou sério de repente. – Eu avisei para você, aquele cara só estava te usando.
A menção de Charlie na conversa me fez sentir culpa, era como se eu o estivesse traindo. Me senti desconfortável e tentei me afastar dele.
- Você não vai fugir novamente – ele voltou deitar sobre mim. – Fique comigo, esqueça aquele babaca...
- Ele não é um ba...
- Shh – nossos lábios voltaram a se encontrar. – Depois conversamos sobre isso, sobre tudo. Mas agora eu só quero você, só para mim.
- Então vem aqui – sorri quando ele me aninhou em seus braços e removeu minha camiseta.
- Achei essa maldita fivela!
Ele explorou meu corpo com carícias sedentas, não demorou muito e nossas roupas formavam uma pilha ao lado da cama. Ele me tratou com carinho o tempo todo, estávamos entrelaçados em uma rede de desejos sem volta. Avancei contra ele por conta própria, passei os dedos por suas costas enquanto ele ajeitava seu quadril com o meu. Senti um incômodo no começo, uma forte ardência enquanto ele entrava em mim, mas isso logo passou e entramos em uma sintonia maravilhosa. Lancei a cabeça para trás enquanto ele começava a chupar meus seios e meu pescoço antes de seus lábios voltarem aos meus. Nossa pele ficou coberta de suor quando ele fez os movimentos tornarem-se mais intensos, fazendo com que entrasse mais fundo em mim. Soltamos um arquejo de prazer quando uma forte ardência relaxante tomou conta de nós e tudo terminou. Mais tarde, seus movimentos tornaram-se mais lentos até que cessaram por completo.
Ele ficou acima de mim até que nossa respiração agitada voltasse ao normal. Sua cabeça pendeu para o lado e depois ele começou a roçar o dedo em meu ombro. Passei a mão em seu cabelo liso e branco, estava um pouco maior que o habitual. Senti sua barba rala roçar em minha pele quando ele voltou a me encarar e passar o dedo levemente por meus lábios.
- Eu te amo – sussurrou.
Não entendi o motivo, mas me senti confusa em relação aquilo, mesmo que ele já tivesse me dito. Acho que não estava preparada para dizer que o amava. Charlie sempre voltava para meus pensamentos, e a ideia de que Li ainda era meu melhor amigo também continuava a me atormentar. De repente me senti constrangida naquela situação.
- Não precisa falar nada, você vai saber quando estiver pronta. Só quero lembrar que eu te amo muito, mais do que tudo.
- Desculpa Li, é que tem tanta coisa acontecendo ultimamente que fica tão difícil saber o que realmente estou sentindo. Estava tão perdida, mas você me encontrou e agora sinto que tudo vai ficar bem.
- Pode ter certeza que sim – ele parou a frase abruptamente, como se ponderasse dizer algo. – Amor, tudo vai ficar bem.
Borboletas dançaram em meu estômago quando ele usou aquele termo comigo, era estranho demais quando seu melhor amigo te dizia aquilo. Mas resolvi não protestar, afinal, ele me deu a melhor diversão desde dois anos.
- Onde está Lili e Nero? – indaguei, mudando drasticamente de assunto.
- É uma longa história, Nero sumiu no mesmo dia que você. Passamos dois anos sem saber seu paradeiro até ontem.
- Como assim?
- Quer mesmo saber de tudo? Pode não gostar do que vai ouvir – ele voltou a apoiar a cabeça em meu peito.
- Conte-me tudo Li.
Em quinze minutos Lieff me relatou tudo o que aconteceu durante minha ausência. Fiquei triste com algumas coisas e feliz com outras. Saber que Charlie tornou-se um delegado sério me fez ficar muito contente, Li também me relatou que Arabela fora diagnosticada com leucemia, mas eu sabia o verdadeiro motivo de sua atual condição. Quando soube o que Nero havia feito e que Daniel aparecera em sua última estadia em Oorland, fiquei impressionada ao perceber que Lili havia entrado em uma verdadeira cama de gato.
- Então Nero matou todas aquelas pessoas e foi embora?
- Sim, ele tentou argumentar com Lili, mas ela sempre amou Daniel...
- Ele disse que amava ela? – indaguei, aquilo já estava ficando muito esquisito.
- Sim, Nero disse que a amava, mas ela ficou assustada. E quando acordou no dia seguinte ele não estava mais lá. Meu amor, você não sabe o quanto ela sofreu. Ainda está muito triste, ela gosta muito de Nero mesmo sabendo as coisas que ele fez. Quero trazê-lo de volta, descobri que ele está na Província do Oeste, que não é muito longe daqui, Lili precisa saber.
Novamente aquela palavra. Meu amor.
- Queria muito poder ajuda-lo, mas não posso.
- Como assim?
- Tenho pouco tempo aqui, preciso voltar antes que Grendel descubra que eu saí escondida. Estou residindo em Tenebris por enquanto, sou uma divindade Li, eu sou o equilíbrio na alma do homem.
- Eu sempre soube que você tinha algo especial. Quem é Grendel? – ele ergueu uma sobrancelha.
- É o Sr. Morte, meu atual instrutor.
- Saia comigo esta noite.
- Não posso Li, esqueceu que eu ainda sou uma foragida da lei?
- Acho que não. Quando Charlie assumiu no lugar de Chuck, ele arquivou seu caso imediatamente.Mal acreditei que ele havia feito aquilo por mim. No fundo sabia que ele sempre acreditou que eu estava falando a verdade.
- Sabe, quando você sumiu todos ficaram loucos para saber seu paradeiro. O único que diz ter visto você sumir foi o pobre Charlie, que diz ter visto uma sombra negra entrar em você e logo sumir com seu corpo. Todos achavam que ele estava enlouquecendo.
- Foi exatamente isso que aconteceu, Grendel me salvou daquele inferno e me levou para outro. Não que Tenebris seja tão ruim, é só o temperamento dele.
- Você fala muito nesse cara – Li já começava a ficar vermelho.
- Ah é? Nem percebi – ri da sua careta carrancuda. – Li, tenho que ir – detestei ver sua cara de desânimo.
- Mesmo? – ele beijou minha testa, depois desceu para meu pescoço.
- Mesmo – arfei quando ele voltou a apalpar meus seios.
- Mesmo?
- Assim não vale Li, está trapaceando...
- Não mesmo, acho que você quer ficar – ele acariciou minhas pernas, me fazendo formigar.
- Ela pode até querer, mas não vai.
- AHHH – guinchei. Pulamos de susto ao ver Grendel prostrado como um totem ao lado da cama. – VOCÊ ESTAVA AI O TEMPO TODO? SEU FILHO DA PUTA!
- Cala a boca! Vamos embora... – ele segurou meu pulso e apertou.
- O que está acontecendo aqui? – Li estava estranhamente calmo.
- Ela me pertence agora, não volte a tocá-la se não quiser ter uma morte lenta e dolorosa – Grendel grunhiu para Lieff e me puxou para ele.
Nunca tinha sentido tanta vergonha em minha vida, por que estava nua nos braços do Sr. Morte. Ele me abraçou com força e tudo começou a ficar negro, minha última visão foi de Lieff tentando em vão agarrar-se a mim. No final, tudo acabou sendo um belo desastre.
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