35| Treinamento
- Levante! – gritou Solária, em sua imponente armadura prateada.
Ela não facilitaria para Daniel, um querubim guardião deveria ter o treinamento adequado. Deitado no chão pedregoso, ele jazia inerte, corroído pela vergonha de perder mais uma vez para ela. Apoiou o peso do corpo nos cotovelos e tentou erguer-se, mais uma vez fracassou, a dor era lancinante. Solária caminhou a passos firmes até o querubim derrotado e o ergueu pela armadura do peitoral, fazendo-o grunhir de raiva. Daniel tentou golpeá-la com os braços, mas a Deusa foi mais rápida e chutou-o no abdômen, rompendo a armadura. Ele sentiu-se humilhado e furioso.
A deusa sorriu maliciosamente para Daniel, incitando-o a briga. Ele odiava ter que perder para ela, mas era isso que vinha acontecido nos últimos meses. Ele ergueu-se, sentindo uma forte dor no ombro, onde a deusa lançou sua maça. Pegou sua espada e correu até Solária, que ainda exibia um sorriso presunçoso no rosto. As armas colidiram-se, fazendo surgir faíscas no ar. Solária lançou sua maça contra Daniel, que desviou o rosto no último instante, mas foi atingido por um chute no queixo. Ela desferiu outro golpe nele, desta vez em suas pernas, fazendo-o cair de joelhos.
- Argh, maldita!– o querubim sibilou entre os dentes.
- Talvez eu dê um jeito nessa sua boca suja hoje – provocou Solária. – Acho que não serve como guardião, é um fraco.
Daniel ficou vermelho de raiva ao ouvir aquilo, já era o bastante. Sentiu suas asas rasgarem a pele e emergirem como verdadeiras vingadoras. A Deusa exibiu outro sorriso, mas esse era de orgulho, pois o seu guerreiro finalmente estava mostrando suas origens. Perdida em seus devaneios, ela baixou à guarda e foi atingida por uma lufada de ar que veio das furiosas asas de Daniel. Ele correu para ela com toda sua fúria e desferiu um golpe em suas pernas, fazendo-a ajoelhar-se diante dele. Solária riu com a estupida tentativa de Daniel de tentar fazê-la pedir perdão pelo que havia dito. Ele pegou os cabelos da deusa e os puxou para cima, mas Solária impulsionou os pés com um solavanco, batendo sua cabeça no queixo dele. Com um urro de dor e raiva, o querubim afastou-se com a mão no queixo.
Direcionando um olhar mortal para Solária, que ergueu sua espada em posição defensiva e sorriu, ele levantou voo. Foi uma excelente tática, pois a deusa não possuía asas e o local de treinamento não permitia a levitação. Ele sobrevoou até as montanhas pedregosas, passando pelo grande Morro Celestial, onde as castas angelicais iam para compartilhar interesses. Ele viu Lírica sentada sobre um pedestal branco, recusando-se a sair sob as ordens de Uziel, que estava muito irritado. Olhou para trás e não viu sinais dela, o que era bom, pois assim sobraria mais tempo para estratégias. Voou mais alto, queria sentir a liberdade antes de ir para mais uma nova sessão de treinamentos e surras.
A deusa correu para o vale onde os anjos estavam reunidos, passou velozmente por Lírica, que foi retirada do pedestal a força por Uziel. Lírica olhou para Solária e perguntou-se o que estava acontecendo, viu a deusa pular para as montanhas e sumir na imensidão de rochas. Ela avistou Daniel sobrevoando pelas cadeias montanhosas e sorriu, ele estava decididamente ferrado. O querubim foi laçado pelo pé e arrastado para o chão, ele virou-se e viu Solária puxando uma grande corda. Conseguiu livra-se dela, cortando a corda com sua espada. Sobrevoou mais alto, para tentar fugir da deusa, que estava ávida para uma batalha. Distraído pela fuga, ele não viu quando ela materializou-se em sua frente, desferindo um chute contra seu peito. Ele perdeu o controle e entrou em queda livre, mas antes agarrando Solária e puxando-a junto para a queda.
- Não fuja Daniel, você vai ter que me enfrentar um dia – ela chutou o querubim e aterrissou no chão.
- Não estou fugindo, só estou farto por hoje – grunhiu, sobrevoando a poucos centímetros do chão. – Não quero machucar você.
- Mas deve tentar, quero te ensinar tudo que sei, e para isso você precisa aprender praticando comigo. É o único jeito de te transformar em um verdadeiro guerreiro, venha com tudo.
A voz de Solária saiu firme, ela estava decidida a transformar Daniel em seu melhor guerreiro, e a prova disso, era que ela mesmo o estava treinando. O querubim pousou no chão e guardou as asas, posicionou a espada, e atacou. Solária defendeu-se como pôde, mas os ataques de Daniel tornaram-se mais intensos e inteligentes. A forte armadura da deusa ruiu quando a espada do querubim atingiu em cheio o seu abdômen, Solária caiu para trás e deixou cair sua maça, dando a Daniel uma oportunidade para vencê-la. Ele caminhou até ela, que tentava debilmente erguer-se. Quando viu o querubim aproxima-se, ela tentou pegar sua maça para defender-se, mas ele chutou a arma para o lado, deixando-a completamente indefesa.
- Acho que venci – ele ajoelhou-se ao lado dela. – Me deve um favor agora.
- Considere-se vitorioso porque estou exausta, não estou em meus melhores dias – ela lançou para o querubim um sorriso cansado. – Na verdade, fazia muito tempo que eu não treinava um querubim, sua casta é bem difícil de se lidar.
- Já treinou outros? – indagou Daniel, sentando-se ao lado dela. – Você é algum tipo de tenente?
- Não – ela riu. – Sou apenas uma celeste. Mas tive outros guardiões para essa mesma causa. Lírica foi um deles, mas fracassou.
Solária deitou-se na fina relva que crescia no Monte Celestial, acima deles, a imensidão azul do céu mostrava duas enormes luas que pairavam paralelas uma à outra. Daniel contemplou o olhar vazio da deusa em direção à imensa lua vermelha que aparecia tímida atrás da lua branca. Perguntou-se o que significaria aquilo, se já estavam no céu, por que a lua ainda parecia tão distante? As costas doíam, os braços protestaram cansados, ele retirou a armadura e deitou-se ao lado da deusa, que ainda contemplava o céu com um olhar vazio.
- Sabe... às vezes me pergunto por que ela escolheu esse caminho – sussurrou Solária, ainda fitando o céu.
Daniel virou a cabeça para o lado e a observou, percebendo que ela queria desabafar sobre algo. Apesar de passar bastante tempo com a deusa, no fundo ele sabia que ainda não confiava o suficiente nela. Deveria responder? Deveria envolver-se em seus segredos?
- O que você quer dizer? – resolveu perguntar.
- Shaya... minha irmã – a voz de Solária era quase inaudível, uma lágrima rolou por seu rosto, caindo na fina relva agitada pelo vento.
- Shaya – repetiu Daniel. – Por que acha que ela fez todas as escolhas erradas?
- Não sei, mas acho que ela sempre soube que tínhamos alguma descendência. A magia sempre se manifestou mais profundamente nela, só aprendi com mamãe depois de algum tempo.
Solária também deitou, apoiando a cabeça entre os braços cruzados. Parou para observar Daniel, que também olhava para as luas. Ela acompanhou uma gota de suor que escorria do peito para o abdômen dele, sentiu o rosto esquentar por guardar sentimentos mundanos no coração. Tinha responsabilidades a cumprir para com o equilíbrio, tais pensamentos jamais deveriam passar por sua cabeça. Mas foi fraca e fútil, não desviou o olhar do movimento serene que o peito nu do querubim fazia quando ele respirava. Decidiu deixar-se levar um pouco mais, observou o queixo cerrado, os lábios contraídos e os músculos retesados. Nunca havia beijado um homem, sequer amado um verdadeiramente, seria essa a explicação para o seu comportamento inadequado?
- As estrelas... – Daniel virou-se repentinamente para Solária, pegando-a o observando.
- O que têm elas? – ela falou rápido demais, tropeçando nas palavras, em uma patética tentativa de disfarçar sua observação.
Daniel observou Solária, que olhava para todos os lugares, menos para ele. Sua tentativa de disfarçar fracassou, ele riu da confusão mental da deusa.
- Quantas são? Acho que você não deve ficar pensando tanto assim. Conte as estrelas, isso ajuda a esquecer muitas coisas – Completou, tentando encontrar o olhar confuso de Solária. – Talvez ninguém nunca tenha dito esse tipo de coisa para Shaya.
- Talvez – ela ainda olhava para a relva, evitando ao máximo os olhos castanhos de Daniel. – Eu queria muito trazê-la de volta.
- E trará, se você acreditar que sim – afirmou Daniel.
- Hurum – o rosto de Solária estava queimando, ela virou-se para o outro lado, fingindo um bocejo.
- Você sabe que vai dar certo Solária, não precisa pensar tanto sobre isso agora– Daniel estava tentando animá-la, mas a deusa parecia estar cansada.
- Obrigada Daniel, agora tenho certeza que escolhi o celeste certo para lutar em minha causa.
Solária sentou e espreguiçou os braços, sorrindo para Daniel. A lua vermelha agora era quase invisível sob a lua branca, os ventos tornaram-se mais intensos quando a noite chegou, varrendo todos os resquícios de sol que ainda restava no moinho. Daniel recolocou a armadura e seguiu com a deusa de volta para a base. Ele desejou bastante uma cama e uma massagem em seus pés doloridos. Daniel tinha muitas perguntas para fazer, mas elas ficariam para depois, pois sabia que Solária não estaria preparada para responder agora, afinal, elas eram todas pessoais, e referiam-se ao seu passado como mortal. Ele precisava saber como fora a vida da deusa nas terras mortais. Eles chegaram à base para relaxar, mas também para programar os próximos treinamentos. Daniel olhou para a lua vermelha e pensou em Shaya, pois sabia que trazê-la de volta não seria nada fácil.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top