Capítulo 1 - Cobiçada
Engoliu em seco na escuridão.
Já fazia um tempo que era esse o seu mundo, o perfeito frio e a escuridão, seus olhos já estavam acostumados a encarar os vultos nas sombras, seu corpo se acostumou com os sussurros sedentos.
A todo momento sabia que podia ser o seu último, sabia que as presas que a cercavam em algum momento iriam ignorar as ordens que lhes foram dadas e enfincariam os dentes em sua carne ainda quente. Ah! Como ela desejava sentir o sol! Como se sentia idiota por reclamar por aquilo que sempre teve e agora não tinha mais!
Mas o que lhe restava fazer? Já havia cansado de se lamentar, não tinha mais forças para isso, na verdade, sentia que aos poucos ia perdendo sua vontade, era isso que ele queria, subjugar sua vontade, era por isso que a fazia beber seu sangue, mas ao menos ela teve alguma sorte, alguma coisa nela, em seu corpo, em sua alma a fazia resistir, ela não era igual aos outros, ela ainda tinha suas vontades, o sangue dele era bem resistível para ela e ao contrário de drená-la e a tornar uma imagem de morta viva, o sangue parecia lhe dar uma certa força e era nisso que ela se agarrava, era nisso que se agarraria até o fim.
Afinal, ela era uma escritora e sempre teria um plano.
***
Inspira. Expira.
Inspira. Expira.
Se concentre em não se concentrar.
Mais uma noite se passava sem conseguir dormir, como sempre fazia ficou deitada observando a janela de vidro coberta pela cortina, não podia ver nada do lado de fora, mas há muito tempo tinha uma sensação de ser observada, imaginava que poderia ser o seu anjo da guarda a observando, protegendo, zelando, outras vezes sentia que poderia ser algo ruim, mas no final quando se dispunha a levantar e observar, somente o seu cachorro estava lá fora.
Naquela noite não foi diferente, ficou rolando na cama tentando achar alguma posição confortável, o calor não ajudava, detestava o verão, gostava mesmo do frio, de garoa e vento no rosto e não ajudava o fato dela gostar de dormir de edredom, o que não conseguia fazer no verão se não morreria sufocada, era uma ironia que tivesse nascido em um país tropical.
Bufou com o despertador tocando, já o havia ignorado e mudado a hora umas três vezes, tinha de levantar, não podia mais trocar o dia pela noite, mesmo que trabalhasse mais tarde fora do expediente comum. Logo que levantou já teve uma bela surpresa, a frente fria que a previsão prometera havia chegado e o tempo estava ótimo, nublado, garoando e com aquela brisa gélida que adorava.
Olhou para o celular e conseguiu sorrir, tinha uma mensagem de bom dia do seu novo namorado, na verdade ele era o primeiro que havia conseguido superar toda a barreira que era a sua personalidade, ela gostava muito dele, mesmo que ainda não conseguisse compartilhar tudo de si, todos os seus medos e sonhos... suspirou respondendo o bom dia.
Como acordou tarde não teve tempo para fazer muita coisa, já foi logo para o banho lavar o cabelo, não gostava de lavar a toda hora por causa de todo o processo que tinha de fazer para secar e alisar, mesmo assim, ainda estava animada pela mudança do tempo.
Depois de terminar de secar e deixar seu cabelo perfeitamente liso, foi preparar algo para o almoço, seus pais trabalhavam fora, mas perto o suficiente para almoçarem em casa, logo chegariam e tinha de estar tudo pronto para ninguém se atrasar.
Saiu se despedindo de seu cachorro, amava aquele baixinho peludo, uma mistura de Cocker por parte do pai e Dachshund por parte da mãe, era preto com manchas marrons como um Rottweiler, também tinha uma personalidade difícil, mesmo assim não poderia viver sem ele.
***
O aroma vindo do cabelo recém lavado o inebriava, não gostava de observa-la durante o dia, mas estava cada vez mais ansioso, somente a observar pela janela através da cortina translucida não era mais o suficiente, ele tinha de tê-la, tinha de possuir-la, ela tinha de ser somente sua.
Ah! Maldita hora que resolveu fazer aquela viagem e sentir aquele cheiro tentador! Estava tão feliz em seu covil, agora com a nova ordem de caçadores de sombras no comando de Alicante e com os outros poucos que ainda eram justos dispersos pelo globo, ele estava tirando um bom proveito com tudo aquilo, ajudando o lado vencedor, o lado que ele faria vencedor, seus planos para uma nova ordem mundial para os vampiros dependiam daquele maldito caçador de sua terra natal, mas era um assunto para outro momento, agora ele tinha que se focar em sua presa, na presa que o fez deixar tudo de lado e se focar nela nas últimas semanas.
O tempo era relativo para vampiros, ele de fato não se importava muito, mas dessa vez sentia-se ansioso, como uma criança esperando pelo presente de natal que desejou o ano todo, entretanto, esse era o seu presente definitivo, nunca havia sentido tal perfume, tal fragrância o inebriava e o fazia querer sentir esse cheiro pelo resto da sua morte.
Então teve de fazer um plano, não queria simplesmente a pegar e enfincar suas presas e matá-la rápido, não, ele a queria fazer ser seu novo brinquedinho e queria que durasse, pelo menos mais do que os últimos e fazia tanto tempo que ele não encontrava um tão bom!
Ela era completamente seu tipo, tinha a aparência rebuscada de uma era passada, não como os corpos sem curvas que eram valorizados nessa era, francamente, os humanos sabiam julgar a beleza muito mal, e não era somente a aparência, mas no pouco tempo que esteve a observando, percebeu como era deslocada, com seus grandes óculos e os livros que carregava, sempre lendo uma página ou outra enquanto esperava pelo ônibus ou quando arrumava tempo no trabalho e como estava feliz dela ter um emprego em uma universidade no período da noite, onde podia andar livremente e a observar no meio da multidão.
Na verdade, ela se colocava em tantas situações que a deixavam desprotegida que tudo era fácil demais, perdia até a graça, mas ele finalmente estava cansado de brincar e já passava da hora de voltar ao seu clã, então naquela noite, já tinha colocado seu plano em prática.
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