𝐂𝐎𝐍𝐓𝐎 𝐔𝐌 - 𝐏𝐑𝐈𝐒𝐈𝐎𝐍𝐄𝐈𝐑𝐀 𝐃𝐎 𝐏𝐄𝐒𝐀𝐃𝐄𝐋𝐎

Em uma curva esquecida de um vale montanhoso, onde o vento uivava como um coro de almas penadas, ficava a Vila das Sombras. Não havia estradas que levassem até lá. Diziam que a vila era invisível aos olhos de quem não fosse chamado por ela, e aqueles que o fossem carregavam o peso da loucura ao saírem, se saíssem.

Há décadas, o lugar era apenas uma vila de trabalhadores que extraíam carvão das montanhas, mas o tempo levou embora os que restaram. Naquele território de isolamento e névoas constantes, não restavam mais vivos para contar os mistérios, apenas histórias vagas. No entanto, uma delas sempre causava calafrios: os que dormissem na Vila das Sombras nunca acordavam da mesma forma. Os pesadelos tomavam conta, e a loucura vinha sorrateira, como um predador à espreita.

Foi nesse cenário que Laura, uma jovem historiadora obcecada por mistérios e enigmas antigos, decidiu visitar o lugar. Impulsionada por um fascínio mórbido e pelo desejo de encontrar respostas, ela cruzou um caminho estreito, enredado de galhos secos e esqueléticos, que surgira subitamente na densa neblina de uma manhã cinzenta. Ouvira sussurros de que quem ousasse passar uma noite na vila enfrentaria seus piores temores – ou sairia completamente insano.

A vila não parecia nada especial. Era um conjunto de casas de madeira decadentes, encardidas pelo tempo, com telhados caindo aos pedaços e janelas quebradas. No entanto, à medida que o sol se escondia atrás das montanhas, Laura começou a sentir uma presença no ar. Parecia-lhe que algo observava seus passos, talvez uma força invisível que a cercava como a própria névoa.

Ao encontrar uma hospedaria que parecia mais intacta que as demais, ela decidiu passar a noite ali, já que os arredores eram tão perigosos quanto a vila em si. A dona do lugar, uma velha curvada e de pele pálida, olhou para ela com um sorriso enviesado e olhos fundos como cavernas, falando em tom baixo e enigmático:

— Todos têm pesadelos aqui, moça. Os sonhos que nascem nestas paredes são sementes da loucura. Cuidado para não perder a cabeça…

Laura deu uma risada nervosa, mas a advertência ecoou em sua mente. Quando finalmente se deitou, sentiu o colchão frio, como se absorvesse todo o calor do corpo, mas foi invadida por um cansaço irresistível. O sono veio pesado, e ela mergulhou num mundo que não era exatamente sonho, mas um véu entre o real e o impossível.

No pesadelo, Laura vagava pela vila. Porém, tudo estava invertido: as casas que antes eram decrépitas estavam restauradas, brilhando sob uma lua escarlate que não emitia luz, mas sim sombras, que dançavam ao seu redor.  Havia pessoas ali, rostos borrados e deformados, como reflexos em espelhos quebrados. Ao perceber a presença de Laura, cada uma dessas figuras começou a girar a cabeça em sua direção, e seus olhos eram poços negros que sugavam toda a luz ao redor.

Tentou gritar, mas a voz estava presa na garganta. Correu, desesperada, entre becos apertados que pareciam se esticar e fechar, aprisionando-a. À medida que se afastava da vila, as figuras a seguiam, sussurrando seu nome, palavras desconexas e risadas infantis que ecoavam como risos de demônios.

De repente, parou ao se deparar com um lago negro e imóvel, que parecia se estender até o horizonte. Na superfície, viu o reflexo do céu, mas em vez de estrelas, havia olhos. Olhos gigantes que a fitavam, analisando-a, enquanto sombras escuras emergiam da água, tomando a forma de mãos esqueléticas que se estendiam para ela.

Laura se debatia, tentando escapar do lago, mas uma força invisível a arrastava cada vez mais fundo naquelas águas gélidas e densas. Quando o desespero parecia consumir sua última gota de sanidade, um grito agudo, que mais parecia um apelo da própria morte, a fez acordar.

Sentou-se na cama, ofegante, com o coração martelando no peito. Sentia-se molhada, como se realmente tivesse sido puxada para dentro do lago. O quarto estava escuro, e a única luz vinha de uma lamparina enfraquecida na parede oposta. Ela respirava rápido, ainda tentando se recompor, quando ouviu passos no corredor. Mas não eram passos humanos. O som era arrastado, como se alguém estivesse sendo puxado por uma corrente invisível.

Laura não sabia se ainda estava sonhando ou se aquilo era real. A sensação de que o pesadelo a perseguia não a deixava. Quando a porta de seu quarto começou a ranger, ela cobriu-se com o cobertor, tentando se esconder, como uma criança tentando afastar o monstro. Mas o som ficou mais próximo, e a porta se abriu completamente.

A velha hospedaria permanecia silenciosa, exceto por uma respiração ofegante que ela não sabia se era dela ou de alguma coisa ali com ela. O ar tornou-se pesado, e um frio invadiu seu corpo, uma presença que a deixava paralisada.

Não suportando mais o tormento, ela se levantou e correu para fora do quarto. No corredor escuro, Laura viu as paredes ondularem como se fossem feitas de carne viva, e sombras contorcidas dançavam, tomando formas grotescas. Tudo parecia sufocar, como se o próprio espaço estivesse vivo, respirando junto com ela.

Tentou fugir da vila, mas a cada esquina em que dobrava, acabava voltando para o mesmo ponto de partida. As ruas se esticavam, como um labirinto que se reconfigurava, e o desespero tomou conta de seu coração. Sentia-se capturada, prisioneira de uma força que controlava cada passo seu.

Foi então que viu, ao longe, uma figura familiar: era ela mesma, debruçada sobre o lago negro que vira no sonho. A cópia de Laura olhava para baixo, perdida no reflexo dos olhos que agora pareciam rir. Ela tentou se aproximar, mas assim que deu o primeiro passo, sentiu algo gelado tocar seu ombro. Ao virar, deparou-se com o rosto da velha hospedeira, seus olhos como vazios infinitos, e então ouviu:

— Você faz parte da Vila das Sombras agora.

O grito de Laura ecoou pela vila, mas ninguém jamais o ouviu.

Alguns dizem que, à noite, é possível ver uma figura caminhando pela Vila das Sombras, presa em um loop de pesadelos, destinada a nunca mais despertar – uma alma que, como todas as outras na vila, não conseguiu fugir da insanidade.

E assim, a Vila das Sombras se alimenta das almas dos desavisados, sempre à espera de uma nova visita para levá-la ao reino dos pesadelos, onde a sanidade não é nada além de uma memória distante, perdida na névoa.

FIM.

Escrito pela Autora Júlia (AutoraLorenzin)

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