Acalentar do Vazio.
Certa vez, um homem me dissera sobre os angustiosos pensamentos que desabrocharam após torturosas noites de insônia. Os demônios murmuravam motivações suicidas em seus ouvidos; os anjos encaravam e voavam de volta aos céus; a colcha da cama tinha a força de correntes e o travesseiro era um bloco de mármore. Ele reclamara das contínuas e fadigosas dores ao redor do corpo, do peso nos olhos e na flacidez do rosto. Costumava trabalhar como editor do jornal local, mas fora demitido após um polêmico artigo que criticava o uso de medicamentos para o controle do sono; uma ironia completa, pois agora, estaria usufruindo, quase que ineficientemente, dos poderes hipnóticos do clonazepam.
-- O que as vozes lhe diziam, senhor Bixon? -- perguntei.
-- Que eu deveria fazer um favor pra humanidade e me matar. Que não preciso do perdão. Que minha família me odeia. Que dançarão e colocarão fogo em minha lápide. E não importa o que eu faça, ou pense, ou quantos remédios eu tome. A vida é uma piada de mau gosto.
Ele não era muito diferente dos outros pacientes. A vida profissional alavancava abruptamente, e a vida social desmoronava silenciosamente, como uma casa na floresta. Em casos assim, a pessoa quase nunca percebe o distanciamento dos entes queridos, tampouco o peso que acumula sobre as costas. Geralmente, elas se dão conta de que há algo errado na vida quando o pior as atinge. Síndrome de Burnout, pânico generalizado, letargia, crises disfóricas, depressão, infarto, insônia. Um mal invisível, como orgulho cego e pouco conhecimento em leitura cartográfica, que lhe guia rumo à perdição por bifurcações confusas e florestas escuras. Não existe metáfora melhor. Bixon era o tipo de homem obstinado e orgulhoso que negava todo sinal de fraqueza para não perder o foco em suas jornadas pessoais. Como o psicólogo existencialista, Rollo May, dizia: ''Ninguém se torna completamente humano sem sentir dor''. Mesmo antes do polêmico artigo que destruiu sua vida, os demônios de Bixon já ressaltavam suas principais fraquezas em seus ouvidos, mas ele sempre os ignorava, pois repudiava a ideia de que a estagnação poderia levar ao fracasso.
-- O que você pensa sobre o fracasso? -- ele sorriu ironicamente, como se eu tivesse contado uma piada ruim.
-- Inadmissível. Ou eu faço alguma coisa e tenho sucesso nela, ou simplesmente não faço.
Ver demais pode levar à cegueira, mas ignorar tudo pode levar à demência. ''Ou é sucesso, ou não é nada. Ou me ama, ou não me conhece. Ou é Congreve, ou não passa de mediocridade.'' Assim Bixon levava a vida. Outrora sendo cuidadosamente acalentado pelo vazio que residia em sua visão, acabou degustando do doce veneno que a debilidade da cegueira trouxe. Um homem indisposto a mudar, mas capaz de manter o orgulho na balança mesmo após perder tudo que havia construído. Que sofreu uma das piores reviravoltas da vida. Que é torturado por demônios e ignorado por anjos. Que amarrou os próprios pulsos na esperança de conseguir se soltar antes do show de ilusionismo terminar. Cujo coração emana dor a cada batida, e as lágrimas não regam nem mesmo o mais fértil dos solos.
Os medicamentos combatem as doenças há muitos e muitos séculos, mas para achar a solução do problema de Bixon, seria necessário não apenas administrar o mais forte dos hipnóticos, mas também, barganhar com o próprio demônio.
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