1- PRISÃO
O alarme começa a soar, tão alto quanto alguém gritando num alto–falante bem ao seu lado. O prisioneiro abre os olhos que vislumbram o mórbido teto de sua cela.
Toda a cela é acolchoada, exceto a porta, feita de vidro transparente reforçado, talvez nem mesmo um tanque a destruísse, pensa. A única coisa que vê, após a porta, é uma parede branca de um corredor que dá em duas direções diferentes. Seus olhos visualizam, como toda manhã, as quatro câmeras esféricas em seu cubículo, cada uma em uma aresta de sua cela. A cama é tão pequena e apertada que ele precisa dormir de lado e parte das pernas estendidas para fora. Uma pequena divisória separa o seu minúsculo quarto com a privada, para as necessidades.
O quarto inteiro treme e então o prisioneiro sente tudo se mover para a esquerda. Ele apenas senta e espera, enquanto vê pela porta de vidro a parede do lado de fora se movendo até finalmente ficar de frente para outra porta de vidro, dez guardas, cinco de um lado e cinco do outro num corredor que dá numa escada que sobe até onde consegue ver. Um de cada lado sai de sua posição, ambos passando cartões nos leitores para permitir a abertura de ambas as portas de vidro. O prisioneiro se levanta lentamente da cama, observando os guardas, vestidos de preto, usando máscaras negras semelhantes às de hockey. Ambos os guardas fazem um sinal para que ele comece a caminhar.
Assim que sai de seu quarto, todos os guardas apontam suas armas para ele. Ele anda pouco mais de um metro, as portas detrás dele se fecham e os dois guardas voltam as suas posições, todos mantendo a mira de suas armas para o prisioneiro.
– C–0031, prossiga. – O guarda ao seu lado disse. Ele olhou para o fim do corredor, onde um guarda passou outro cartão em outro leitor e uma metralhadora desceu do teto, um laser mirando no prisioneiro. Ele começa a caminhar calmamente enquanto com a mira dos guardas se move de acordo com que anda. Chega ao fim do corredor e sobe a escada, seus passos ecoando pelo ambiente, até chegar numa ampla área. O local é um enorme retângulo, onde, no meio, conectando a passagem em que o prisioneiro se encontra à outra no final do lugar, existe uma faixa branca, paralela a feixes de luz amarela que seguem por toda a borda da faixa branca. Além dela, o chão é negro. Assim que o prisioneiro pisa na faixa branca, mais metralhadoras sobem em cada um dos lados negros. O prisioneiro já sabe o procedimento, bastava seguir até a outra entrada sem sair da faixa, caso contrário, seria alvejado e assim fez, seguindo tranquilamente pela reta até chegar no final da faixa, onde havia uma abertura que dava para um elevador com 32 cadeiras e quatro soldados em pé. Sentados nas cadeiras, presos às cadeiras, haviam 30 prisioneiros. Ele cumprimenta os guardas e volta seu olhar para os prisioneiros, que imediatamente abaixaram as cabeças quando ele olhou para eles. Um dos guardas o segurou pelo braço e o levou até uma das duas últimas cadeiras vazias. Assim que se sentou, o guarda passou um cinto pelo seu tórax, braços e pernas, o deixando preso ali. Ele olhou para os prisioneiros, alguns relutando em olhar para ele.
– E então, como foi, mais uma noite de... – antes que ele terminasse a frase, um dos guardas sacou um cassetete e o atingiu no rosto com tanta força que sangue voou de sua boca.
– Olha o que você fez! Sujou a parede com seu sangue! – O guarda gritou, o atingindo com toda sua força mais três vezes, na barriga. – Agora... CALE A PORRA DE SUA BOCA, C ZERO, ZERO, TRÊS, UM! – Berrou o guarda, saliva voando de sua boca à cada palavra pronunciada. O prisioneiro olhou para ele, sua cabeça pendendo para os lados, se controlando para não desmaiar e mostrou um leve sorriso com a boca suja de sangue.
Após quase vinte minutos ali, chega mais um prisioneiro, que olha para C–0031 e para o cassetete com sangue nas mãos de um dos guardas. Após um longo suspiro, se senta, sendo preso à cadeira também. As portas do elevador se fecham e ele começa a subir durante alguns segundos, até que para e a porta se abre revelando um enorme espaço, o refeitório, cheio de mesas e cadeiras de ferro, vários outros prisioneiros caminhando calmamente, conversando ou apenas comendo. Um a um, os prisioneiros são soltos e liberados para irem ao refeitório tomar o café da manhã, que consistia basicamente em um pão com queijo e presunto, um prato pequeno de arroz e café, além dos pacotes de açúcar para quem quisesse adoçar o café. O único talher era uma colher de plástico. Assim que C–0031 saiu do elevador, uma voz ecoou no refeitório:
– Prisioneiro C–0031 dirija–se imediatamente para a sala de interrogatório e "M"... – a voz disse, antes que o mesmo guarda que bateu nele o atingisse pelas costas para encaminhá–lo até onde o queriam. O guarda parou e olhou para uma das câmeras que estava apontada para ele. – Apenas use força se o prisioneiro demonstrar desobediência ou violência. A propósito, creio que ele já saiba o caminho. – A voz parou. "M" abaixou o cassetete, voltando lentamente seu olhar para C–0031 que, mesmo o guarda usando máscara, sabia que seus olhos emanavam ódio. Piscou para o guarda e com as mãos na cabeça começou a caminhar em direção ao local onde foi solicitado.
...
Pouco mais de cinco minutos caminhando com dois guardas o seguindo, C–0031 se viu diante de uma porta de madeira, outros dois guardas a vigiando. Eles a abrem e todos entram. Dentro da sala, somando com os outros seis que já estavam ali dentro, o total era de dez guardas. A sala possuía alguns quadros caríssimos, um aroma agradável e pintura bastante rústica. No centro, uma mesa de metal, onde de um lado havia uma cadeira para C–0031 se sentar e na outra cadeira, um homem com quase cinquenta anos, cabelos grisalhos, pele clara, terno e gravata, o qual anotava algumas coisas num caderno. Ele olhou para o prisioneiro de cima a baixo.
– Senhor Brasker, por favor, sente–se. – o homem disse. C–0031, ou melhor, "Brasker", se sentou na cadeira e o ficou encarando. – Obrigado por ter vindo.
– É sempre um imenso prazer vir aqui, seus convites são... irrecusáveis. – Brasker disse, soando irônico.
– Bom ouvir isso. – Ele disse, pegando uma prancheta de uma gaveta que havia na mesa e uma caneta. – Qual seu nome completo?
– Brasker... Nicolas Brasker.
– Idade?
– Trinta e dois.
– Em algum relacionamento?
– Não.
– O senhor...
– Albert, mil perdões te interromper, mas... não precisa ler essas perguntas para obter essas respostas. São as mesmas perguntas que você me faz desde seis meses atrás, quando entrei e são seis meses dando exatamente a mesma resposta. Por que isso?
– De fato, entendo que é chato, mas... são os procedimentos. Eu não fiz as regras, eu apenas as sigo, entende?
– Realmente, me perdoe. Por favor, continue. – "Brasker" respondeu, Albert continuando seu questionário. Após alguns minutos fazendo inúmeras perguntas, ele finalmente acabou.
– Bom... agora vamos ao que interessa... quem financiou as armas na Bósnia, Rússia, Vietnã, Irã e Palestina? Onde está o resto de seu grupo terrorista? Pode me responder? – Perguntou, calmo. Brasker respirou fundo.
– Como eu já disse, não faço parte de um grupo terrorista e nem peguei armas financiadas na Bósn...
– Mas... – Albert o interrompeu, pegando outra prancheta cheia de papeis. – Aqui diz que você faz parte sim, relacionado aos terroristas que a pouco mais de dois anos atacaram várias cidades no mundo, destruíram prédios e aviões sem sequer se importar com a vida de quem tiraram. Pelo que consta aqui você é procurado em vários países pela morte direta de quarenta pessoas, quase trezentas de forma indireta, terrorismo, entre muitas outras coisas. Sabe o que é mais engraçado? Já faz um ano e meio que não se ouve notícias deles e há um ano atrás te capturaram na base deles. Um ano sem nada... para mim você é algo muito importante e por isso não atacaram até hoje, correto?
– Caraca... você é realmente um gênio... mas não. Está errado, eu não fiz essas coisas. – Albert o encarou durante alguns minutos e então bufou, jogando a prancheta em cima da mesa. – Posso ir ou...
– Infelizmente, não. Você não apenas me interrompeu várias vezes, como não responde ao óbvio. Sabe o que acontecerá agora, não é?
– É... sei sim. Posso ficar em pé e me preparar? Permita, apenas por cordialidade. – Brasker pediu.
– Tudo bem... homens, o rodeiem, quando ele disse que podem começar, façam o que devem fazer. – Albert diz, saindo da sala. Cerca de cinco guardas ficam ao seu redor, apenas o observando enquanto Brasker se alonga.
– Na contagem, galera... 3... 2... calma, calma... alias, 1, comecem! – Ele grita, rangendo os dentes e tencionando todos os músculos do corpo. No mesmo instante, todos começam a espanca–lo, atingindo em todas as partes do seu corpo. Brasker se segura para não gritar de dor e se mantem em pé por cerca de sete segundos, até que recebe um golpe no queixo e cai ajoelhado, os homens, impiedosos, o agredindo até sua visão ficar turva, o som não mais chegar aos seus ouvidos e, por fim, desmaiar.
...
Um pico de adrenalina percorre o corpo inteiro de Brasker no mesmo instante em que acorda, tentando se erguer e imediatamente voltando a posição inicial. Ele olha para seu próprio corpo. Estava deitado, totalmente amarrado numa maca, seu tórax e braços enfaixados, em sua bochecha alguns pontos e o gosto de sangue ainda em sua boca. Seus olhos analisam – talvez pela quinquagésima vez – o quarto, cheio de equipamentos médicos, dois guardas no fundo, ao lado da porta e Marcos, um homem baixo, 1,60m, cabelo grisalho, pele negra, usando óculos, que lava as mãos sujas de sangue. Ao terminar, ele vai até um banquinho ao lado da maca em que Brasker está e se senta, limpando as lentes dos óculos na roupa e os colocando de volta, olhando para seu paciente.
– O que houve dessa vez, meu filho? – Marcos perguntou, sua voz rouca. Brasker olhou para ele de cima a baixo, mostrando um leve sorriso.
– Sabe como é... minha relação com Albert é... complicada. – Responde, enquanto Marcos retira as amarradas de Brasker que ao ficar livre se senta tranquilamente na maca. No mesmo instante que se moveu, ambos os guardas caminharam em sua direção, mas Marcos fez um sinal para ficarem onde estavam.
– Já falei para Albert que isso não pode continuar. Não importa o que vocês fizeram, essa tortura é desumana e nós, diferente de... da maioria de vocês, não somo desumanos. Já foram mais de trinta que morreram aqui, não sei como você ainda está vivo depois de tudo que já passou. – Marcos fala, enquanto ajeita algumas das faixas no braço de Brasker, que começa a rir.
– Doutor... – ele fala, aproximando o rosto de Marcos até os narizes quase se tocarem, Marcos começando a soar frio, enquanto faz um sinal para os guardas virem com calma. – Se você fizesse a mínima ideia do que já passei... perceberia que, isso que sofro pelo menos duas vezes ao mês durante todo esse ano, não passa de uma massagem. – Ele se afastou, fazendo um sinal de agradecimento para Marcos. – Estou liberado para voltar ao refeitório? Estou morrendo de fome.
– Já passou do horário do jantar, você ficou desmaiado o dia inteiro, dormirá sem comer, C–0031! – Disse um dos guardas, sua voz imponente.
– Sim! – Marcos falou, olhando sério para o guarda. – Você está liberado para ir ao refeitório e comer alguma coisa, ordens médicas. Deem algo para ele comer, algo que preste, caso contrário ele não vai aguentar e acredito que os investidores queiram que ele fique preso, não que morra. Algum comentário, carcereiro? – Marcos se levantou, se aproximando do homem, tirando os óculos e o encarando, com raiva. Não era possível dizer se o soldado estava irritado ou intimidado. Ele mantinha a mesma postura e a máscara cobria seu rosto por completo.
– Muito bem. Prisioneiro, nos acompanhe. S, acorde alguns dos prisioneiros e os faça preparar alguma coisa... que preste, para o prisioneiro aqui. Para incentivá–los a fazer algo bom, diga que eles também comerão. – O guarda disse, olhando para Brasker, enquanto ele terminava de vestir as novas roupas, uma calça e camiseta de cor branca com um código de barras atrás.
...
Após uma ótima refeição, a melhor que ele e aqueles outros cinco prisioneiros já tiveram – que foi basicamente arroz, feijão, alguns vegetais, mas com um belo pedaço de carne assada – Brasker ainda pôde ficar mais uns dez minutos descansando e usou o banheiro coletivo, tomando um banho e sendo acompanhado até sua cela. Sua cela começou a se mover até a posição de sempre, a luz do quarto – a qual Brasker nunca entendeu de onde vinha, como se o quarto simplesmente criasse luz – o iluminando em sua solidão. Brasker começou bem baixo uma contagem regressiva de dez até zero, quando a luz apagou, sorrindo no final da contagem.
"Dia 366... finalmente".
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