CAPÍTULO 8-NEITAN E DARLEN
Lúcio não acreditou quando mais uma vez se deparou com Darlen Atalla no banco de trás do seu carro. Certamente ele tinha entrado quando o táxi havia ficado parado por alguns minutos no sinal de trânsito.
O taxista decidiu ser mais claro daquela vez:
_Você é surdo? Eu vou chamar a polícia pra você!
Darlen estava visivelmente aflito e não se intimidou com a ameaça do taxista:
_É uma emergência! Você precisa me ajudar, Lúcio! É um caso de vida ou morte, cara!
Lúcio não se deixou impressionar...Talvez fosse mais um golpe daquele homem que não o havia defendido diante da polícia.
_Não me diga...Então da primeira vez o seu irmão precisava chegar rápido ao aeroporto e agora você é que tem uma emergência...sei..._ ironizou o taxista.
Darlen apelou mais uma vez:
_Juro que estou falando a verdade, cara! Prometi ao meu irmão que buscaria o meu sobrinho na escola e simplesmente esqueci e só lembrei do garoto agora!
Lúcio mais uma vez não se convenceu da sinceridade do seu passageiro indesejado:
_E de todos os táxis que rodam por esta cidade, você novamente escolheu o meu? Respeite a minha inteligência, cara! Não vou cair nesta novamente! Dê o fora do meu carro agora!
Darlen não desistiu:
_Olha só...eu juro que foi apenas uma coincidência eu dar de cara justamente com você...Ou acha que eu fiquei horas aqui só esperando você aparecer?
_Por que eu não acredito em você, hein? Será que é porque você já aprontou comigo?
_Quantas vezes eu vou ter que dizer que a culpa não foi minha e sim do meu irmão? Juro que estou sendo sincero! Preciso pegar o meu sobrinho de sete anos na escola, Lúcio! É sério, cara! Ajuda aí!
_É a mentira da vez? Qual é a pegadinha agora? Vamos sequestrar uma criança, é isso?
_E se eu lhe disser que você nunca mais verá a minha cara se você me fizer este último favor? E se eu der a minha palavra ou se eu jurar pra você que falo a verdade?
Lúcio desconfiava que não adiantaria mesmo chamar a polícia para aquele homem e que não valia a pena deixá-lo dentro do seu táxi o restante do dia atrapalhando as suas corridas.
_Nem a última corrida você e o seu irmão pagaram, por que eu deveria confiar na sua palavra desta vez?
_ Ah, o problema então é o dinheiro?
_Sabia que tem gente que precisa trabalhar pra ganhar a vida? _ Lúcio apelou.
_É claro que vou pagar a corrida...Vou pagar esta e também a anterior, ok?
_O que seria uma novidade, visto que desconfio que levarei calote novamente...
_Acha o quê? Que o meu sobrinho também irá mentir dizendo que eu sou o tio dele só pra participar de uma pegadinha com você? Além do mais, você está indo para o centro da cidade mesmo...
Era verdade... Lúcio estava indo para o centro, melhor seria então levar aquele homem, assim pelo menos não perderia dinheiro, caso ele não pagasse.
_Só pelo prazer de nunca mais precisar olhar na sua cara e na cara do seu irmão, vou fazer isso...Mas é a última vez mesmo! Ou vou apelar, entendeu? _disse encarando o outro pelo retrovisor.
_Garanto que você não irá se arrepender. _disse Darlen piscando para o taxista.
_Disso eu já não tenho tanta certeza..._ o outro falou inseguro.
Darlen deu o endereço e quando pararam em frente a escola particular, Lúcio teve a esperança de que daquela vez aquele homem falava a verdade.
A funcionária que aguardava, junto aos alunos, a chegada dos pais, se chamava Cácia e naquele momento não estava muito atenta, pois tinha os olhos pregados na tela do celular.
Assim que viu o tio no banco de trás do táxi, Neitan, filho de Marcos Atalla, deu um salto e gritou entusiasmado:
_O meu tio Darlen veio me buscar!
A moça levou um susto e quase derrubou o celular no chão, temendo ser pega em flagrante por aquela distração. Certamente não seria a primeira vez que viriam adverti-la pelo uso indevido das redes sociais em horário de serviço.
Jovem demais e louca para se livrar daquela tarefa, a garota não iria criar problemas para liberar aquele garoto tão esperto e que obviamente não teria por que mentir sobre a identidade do taxista bonito que sorria para os dois.
Lúcio respondeu ao aceno da jovem que sorriu pra ele e abriu o portão para o garotinho sair.
Neitan saiu correndo em direção ao táxi.
_Tchau, Neitan!_gritou Cácia.
_Tchau! _o garoto respondeu sem olhar pra trás.
Lúcio abriu a porta do carro para o pequeno que saltou dentro do veículo sem se conter de alegria pela presença do tio:
_Tio Darlen, você veio me buscar na escola!
Darlen sorriu para o sobrinho:
_ Mas é claro que vim! Você é o meu sobrinho preferido! Cumprimente o meu amigo Lúcio, Neitan!
_ Boa tarde, Lúcio!
Lúcio encantou-se pelo garotinho imediatamente. Ele era pequeno, tinha um sorriso lindo, olhos vivos, bochechas rosadas e os cabelos escuros como os do pai.
_Boa tarde, Neitan! Prazer em conhecer você!
O pequeno já não escutava mais nada a não ser a voz do tio que também estava feliz em reencontrá-lo.
_Mas como você cresceu, garoto! Está cada dia mais bonito...acho que é porque é a cara do tio!
Neitan ficou visivelmente feliz por aqueles comentários.
_Eu como muito, tio, por isso estou forte e grande! Eu sabia que a mamãe e o papai estavam mentindo...eles me disseram que você tinha ido morar no céu...mas eu não sou bobo...já sei o que isso quer dizer...
Darlen riu:
_E o que isso quer dizer?
O pequeno revirou os olhos:
_Eles acham que eu sou criança, tio. Eu sei que quando os adultos dizem estas coisas significa que a pessoa morreu.
Lúcio não se conteve:
_Nossa! Que tipo de pessoas inventariam uma coisa dessas para uma criança?
Foi Neitan quem respondeu indignado ao se sentir enganado pelos pais:
_Meu pai que quer ser o homem mais rico do mundo e a minha mãe que é uma piriguete sicolenada...silinocada...sicolinada...
_Siliconada, você quer dizer! _ Darlen caiu na gargalhada.
_Isso aí, tio Darlen!
_Mas de onde você tirou isso, garoto? _ Lúcio se assustou.
_Minha avó, mãe do meu pai! Ela e a minha mãe brigaram uma vez e eu ouvi quando a minha avó chamou a minha mãe de piriguete...esta outra coisa aí...É aquilo que a minha mãe colocou nos seios para que eles ficassem parecendo dois melões..._Neitan caiu na gargalhada diante do próprio comentário.
_Este é o meu garoto! _ Darlen falou orgulhoso.
_Não fique repetindo coisas que os adultos falam quando estão brigando, Neitan, porque eles só falam coisas feias quando estão nervosos... _disse Lúcio se intrometendo na conversa mais uma vez.
_Deixe o garoto ser feliz, Lúcio! _ Darlen o repreendeu. _Você nunca foi criança?
Antes que o taxista pudesse responder, Neitan falou:
_Por que você não veio me ver novamente, tio Darlen? Eu estava morrendo de saudades e até chorei!
Darlen fez uma pequena pausa e olhou para o sobrinho com carinho:
_Eu tive alguns problemas, pequeno, mas o que importa é que agora estou aqui!
Lúcio ficou encantado vendo como tio e sobrinho se davam bem, brincando no banco de trás e parecendo duas crianças.
_E na escola? Tudo bem?
Neitan ficou triste naquele momento.
_O que foi? Algum coleguinha está implicando com você? _Darlen perguntou sério.
Neitan assentiu e denunciou:
_O Jonas Marinho bate em mim quase todos os dias, tio Darlen!
O tio ficou revoltado:
_E por que você não bate nele também?
_Porque ele é grandão, tio e eu tenho medo dele!
_Pois conte para o seu pai! Ele que vá na escola e resolva isso!
_Eu nunca mais vou contar nada da escola para o meu pai ou para a minha mãe, tio.
_Mas por quê?
_Porque quando o Michel Carlos me bateu, eu contei para a minha mãe, ela contou para o meu pai, meu pai falou para a escola mandar o Michel Carlos embora e agora todo mundo me chama de bebê chorão!
Lúcio sentiu pena do garoto que era pequeno e frágil. Ele mesmo se lembrava de várias vezes que tinha apanhado na escola e que precisou chamar a mãe ou os irmãos para defendê-lo. Com o tempo, aquele hábito precisou ser abandonado, visto que o aluno que não enfrentava sozinho os próprios problemas era rejeitado e humilhado pelos outros.
_Eu acho que o Jonas Marinho nunca vai deixar de me bater, tio..._ choramingou Neitan.
_Pois eu vou te ensinar umas coisinhas que vão deixar o Jonas Marinho se borrando de medo e eu lhe garanto que nunca mais ele vai mexer com você!
Lúcio escutou os conselhos que Darlen deu ao sobrinho e mais uma vez teve a certeza de que os pais do pequeno não aprovariam aquilo.
Neitan ficou excitado ao acreditar que com aquelas dicas, poderia ele mesmo solucionar os seus problemas.
_Viu, Lúcio? O meu tio é o melhor tio do mundo! Ele sabe de tudo!
_Agora todo mundo da escola vai saber que ninguém mexe com um Atalla e sai impune! _ disse Darlen diante do entusiasmo do sobrinho.
Neitan protestou quando o tio deu o endereço de Marcos para o taxista:
_Não quero ir pra casa do meu pai antes de tomarmos sorvete, tio! Você sempre me levou pra tomar sorvete... Sabia que depois que você foi embora, eu nunca mais tomei sorvete?
Darlen olhou para o sobrinho penalizado:
_Você está brincando...sério isso?
_Você sabe que eu não minto pra você, tio!
Lúcio ficou emocionado no banco da frente.
_Pois você está certo._Darlen decidiu. _ Lúcio, leve a gente pra tomar um sorvete.
_Oba! _ o garoto comemorou. _Sorvete é a minha sobremesa preferida, Lúcio!
Lúcio ficou olhando pelo retrovisor a conversa entre tio e sobrinho e até chegou a sentir simpatia por Darlen naquele momento.
_Deixo vocês dois lá ou espero? _o taxista quis saber.
_Claro que você espera! _ Darlen respondeu logo. _Acha que voltaremos pra casa de quê? De skate? Talvez de submarino, ou num balão?
Neitan riu do comentário do tio e confessou para Lúcio:
_O meu tio é o meu melhor amigo, Lúcio! Eu gosto dele mais do que gosto do meu pai! Meu pai é um trouxa que só pensa em dinheiro!
_O Neitan também é o meu melhor amigo, Lúcio! _ Darlen falou.
Lúcio começou a perceber o porquê o empresário não devia gostar do irmão...Estava claro que Darlen parecia ser uma má influência para Neitan. Ao longo do diálogo dos dois, o tio soltou alguns palavrões e permitiu que o garoto falasse mal dos professores, do pai, da mãe e de alguns amigos da escola.
Lúcio ficou emocionado quando ao saírem da sorveteria, o pequeno Neitan chegou no carro trazendo um sorvete pra ele.
_Pra você, Lúcio!
_Obrigado, Neitan! Você é muito gentil!
O garoto entrou no carro novamente e sentou-se no banco ainda lambendo os dedos melados.
_E o seu tio? _ o taxista olhou para fora do carro procurando Darlen. _ Ficou lá dentro?
Lúcio levou um susto quando percebeu que Darlen já estava no banco de trás.
_Nem te vi entrar! _ o taxista soltou surpreso.
Darlen sorriu maldoso:
_Acho que o Lúcio está precisando de óculos, Neitan...o que você acha?
_É porque ele só está olhando para o sorvete que eu trouxe pra ele, tio!
Ainda sem entender como aquele homem novamente havia entrado em seu táxi sem que ele percebesse, Lúcio ligou o carro e saiu do estacionamento da sorveteria.
Mais uma vez, Neitan reclamou:
_Eu queria ficar com você, tio...O meu pai é um chato!
_Eu prometo voltar logo, Neitan...
_Mas e se você demorar muito a voltar?
_Ei! Não confia mais no tio? Já disse...voltarei logo.
Vendo que o pequeno ainda estava triste por saber que iria se separar dele, Darlen falou animado:
_E aí? Aprendeu alguma música nova lá na escola?
Foi como se uma espécie de mágica acontecesse, pois Neitan logo se animou novamente:
_Aprendi sim, tio! Eu ouvi os meninos do sexto ano mexendo com Rosa, a aluna nova.
_Ela é bonita?
_Não! Tem os seios grandes como os da minha mãe, os dentes enormes e usa os cabelos tão longos que quando ela se senta eles arrastam no chão! Até parece a Rapunzel daquela história que você contou pra mim, tio!
Darlen caiu na risada e Neitan se animou a falar mais:
_Ouvi um menino dizendo que ela é gostosa...
Lúcio teve que se conter para não rir do sobrinho de Darlen que visivelmente não entendia aquele termo.
_Sério isso? Eles disseram que ela é gostosa? _Darlen riu.
_Sim...e depois começaram a cantar pra ela assim...Oh, Rosa, piranha, minha cobra quer comer sua aranha!
Darlen caiu na gargalhada e Lúcio ficou imaginando se Marcos, com aquela expressão mal humorada, não teria apelado com o irmão naquele momento. Estranho o empresário ter pedido a Darlen pra buscar Neitan na escola...isso Lúcio não entendeu.
Darlen não só apoiava as palavras do sobrinho, como começou a dançar repetindo o que ele dizia:
_Ô, Rosa, piranha, minha cobra quer comer a sua aranha!
Lúcio teve que admitir que era gostoso de ver a sintonia entre os dois que se esbaldavam no banco de trás.
A brincadeira só terminou quando se aproximaram do prédio mais luxuoso da cidade onde Marcos Atalla morava.
Neitan não disfarçou o descontentamento em se afastar do tio:
_Você não quer entrar, tio?
_Não, Neitan. Tenho um compromisso importante agora.
_Mais importante do que ficar comigo? _ chantageou o garotinho.
_Não existe nada mais importante do que ficar com o meu sobrinho preferido! _garantiu Darlen.
_Então fica mais um pouco, tio...por favor...
_Mas aí eu não poderei ir ao dentista e logo estarei com a boca completamente careca!
Neitan riu quando o tio envolveu os dentes com os lábios de uma forma que parecesse completamente banguela.
Até o taxista sentiu pena por ver que tio e sobrinho lamentavam por se afastarem naquele momento.
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