CAPÍTULO 28-A FUGA




Marcos Atalla se sentia um covarde por ter praticamente fugido da casa de dona Rosa!

Ele havia acordado de madrugada estranhando o lugar onde estava deitado.

Aquele colchão simples estava bem longe do colchão que ele tinha em sua casa, ou mesmo dos colchões nos hotéis onde  ele costumava se hospedar quando viajava.

O quarto era muito pequeno e a luz penetrava timidamente por uma fresta da cortina surrada.

Felizmente, ele não havia se levantando rápido o bastante para perder o equilíbrio e cair em cima do homem que estava dormindo num colchão ao lado de sua cama.

Não precisaria de muita luz...talvez nem precisasse de luz alguma para identificar que se tratava de Lúcio, o homem que estava mexendo tanto com a vida de Marcos...o homem que havia despertado no empresário  sentimentos nunca experimentados...o homem que jurava estar vendo e ouvindo  Darlen e que também havia praticamente hipnotizado Neitan para que ele também acreditasse estar vendo e ouvindo o tio falecido!

A lembrança do vídeo onde Lúcio o agarrava por trás  e aplicava a manobra de Hemlich voltou à mente do empresário mais uma vez, fazendo todo o seu corpo se arrepiar de tesão!

Lúcio realmente era um homem bonito...Por que Marcos relutava tanto em admitir que achava aquele  homem gostoso e que sentia desejo  por ele?

O taxista havia tirado a calça e dormia apenas com uma camiseta branca  e uma cueca também  branca, Marcos percebeu desconsertado. 

A pele morena contrastando com a roupa branca...os braços fortes que o haviam envolvido naquela noite  em que ele quase havia morrido ridiculamente engasgado com uma castanha...A cueca branca deixava generosamente  evidente o que escondia por baixo e aquilo fez com que Marcos mecanicamente tampasse a boca com as duas mãos, como se temesse ser flagrado ofegante ao pensar naquele corpo mais uma vez se comprimindo atrás do corpo dele!

O empresário sentiu-se como um adolescente percebendo em pânico os primeiros desejos da sua carne em relação à carne do outro ali tão perto!

Os cabelos negros e meio ondulados estavam bagunçados na testa...a boca bem feita...o rosto másculo...as sobrancelhas negras...a pele demonstrando uma saudável exposição ao sol que o empresário  não tinha, sempre preso dentro de um escritório. 

Marcos assustou-se consigo mesmo ao se perceber quase que inconscientemente  se inclinando  pra frente e aspirando profundamente, como se fosse possível sentir o cheiro daquela pele...daquele corpo...daquele homem que mexia tanto com ele.

Dormindo tranquilo daquele jeito, Lúcio parecia mais um anjo, Marcos sentiu-se ridículo ao pensar naquilo. Ali tão exposto...tão vulnerável ao homem que praticamente o havia considerado o seu pior inimigo! Claro que aquele pensamento já não tinha mais vez!

Júlio Atalla  estava errado, Marcos tinha certeza! Lúcio não era um marginal...não era um golpista...não estava querendo lucrar algo em cima do empresário rico e de  seu filho carente da presença do tio amado.

Ao lembrar-se do filho, foi como se algo ligasse um sinal de alerta na mente do empresário! Ele sabia que precisava se lembrar de algo importante da noite anterior e precisou fazer um certo esforço.

Neitan...Marcos quase verbalizou aquilo em voz alta. Neitan não era o seu filho e sim de Darlen, disso ele se lembrava muito bem. Do restante, ele não se lembrava de nada!

Tantas perguntas, nenhuma resposta...Como ele tinha vindo parar naquela casa? Por que Lúcio dormia ao seu lado? Onde estaria Emílio e por que ele o deixara dormir na casa do taxista, mesmo  sabendo que ele representava uma ameaça na vida do patrão? Por que ele se sentia tranquilo e não ameaçado pela presença de Lúcio ali tão perto?

Marcos  teve um impulso quase incontrolável de sacudir Lúcio e exigir que ele explicasse o que havia acontecido na noite anterior, mas, contraditoriamente, ele também tinha justamente o  receio de saber  o que havia acontecido com ele na noite anterior. Teria dito algo comprometedor? Teria feito algo que depusesse contra ele?

O empresário tentou organizar as ideias e uma delas se sobressaiu em tom de urgência! Ele precisava  mandar fazer um exame de DNA em Neitan! Ele precisava saber se Neiitan  era o seu filho! Essa parecia ser a prioridade máxima em sua vida agora!

Descobrir aquilo impactaria não só na forma como ele passaria a olhar para Neitan, como também confirmaria ou não que o irmão e a ex-esposa haviam tido um caso...haviam traído a sua confiança e deixado ele acreditar  que era o pai de Neitan!

Marcos se lembrava bem que o primeiro a insinuar aquilo tinha sido o seu pai, mas não entendia em que momento ele mesmo havia ficado tão intrigado com aquela acusação. Algo lhe dizia que tinha sido na noite anterior quando  algum indício importante veio endossar  as palavras do pai! Mas o que teria sido? Ele não se lembrava.

Meia dúzia de passos silenciosos e ele estava fora do quarto e numa sala, também pequena e humildemente decorada, onde não havia ninguém. Alguém roncava e sabendo agora que Lúcio não roncava, Marcos percebeu que havia pelo menos mais uma terceira pessoa naquela casa.

Ele sabia que era um delírio de sua parte, mas por um momento voltou a pensar que Lúcio o havia sequestrado e que aquele lugar supostamente poderia ser um cativeiro. Marcos logo descartou a infeliz ideia.

Ele não pode deixar de perceber que a cabeça não doía mais...que até sentia-se estranhamente revigorado como se tivesse dormido bem, por longas horas,  como há tempos não dormia! 

O relógio da parede marcava quatro e vinte e sete e ele acreditou que não tinha muito tempo, até darem pela falta dele.

Foi fácil localizar a porta da frente e nela estava a chave que ele girou com cuidado temendo acordar alguém.

Mais alguns passos e Marcos alcançou o portão da rua e assim que passou por ele,  quase gritou de susto quando Emílio praticamente saltou na sua frente!

_Ah, graças a Deus, o senhor está bem, senhor Atalla! _ o motorista falou aliviado sem se conter.

Junto com o choque inicial, houve um certo constrangimento por estar sendo flagrado fugindo de uma casa onde também estava o seu suposto inimigo. O que Emílio iria pensar daquilo? Talvez achasse que o patrão estava ficando louco!

_Emílio? _ o empresário ficou confuso. _O que está fazendo aqui?

Com o mesmo profissionalismo de sempre, Emílio respondeu:

_Eu estava esperando para ver se o senhor iria querer que eu o levasse de volta pra casa, senhor Atalla.

Marcos tinha várias perguntas a fazer para o motorista, mas a urgência agora era saírem dali logo.

O motorista parecia aliviado quando abriu a porta do carro  para o patrão que ainda olhou uma última vez para a casa de onde havia praticamente fugido. 

No caminho de volta observando as primeiras luzes do novo dia, Marcos continuava se sentindo um grande covarde por ter saído daquele jeito da casa desconhecida.

Sua mente não estava muito clara ainda...ele só lembrava que havia jantado com um cliente e que havia tido a péssima ideia de tomar um analgésico com um pouco de vinho...ou tinha sido um pouco de água, ele não se recordava direito... e nada mais vinha a sua memória depois disso.

Marcos não iria perguntar a Emílio o que havia acontecido, porque já era suficientemente constrangedor estar dormindo na casa de um desconhecido acompanhado pelo homem que só lhe causara aborrecimentos, na maior parte do tempo em que estiveram próximos.

O empresário sentiu incômodo por estar voltando pra casa ao lado do motorista que fielmente o havia esperado ali por horas! Será que ele ficaria ali até quando?

Marcos não trocou uma única palavra com o motorista e agradeceu mentalmente por Emílio fazer o mesmo.

Felizmente, ele sabia que Emílio era super discreto e não comentaria nada daquilo com outra pessoa, especialmente com Júlio Atalla, que certamente o internaria num hospício por aquela atitude tão absurdamente insana!

Marcos assustou-se quando entrou em casa e deparou-se com a mãe que parecia não conseguir dormir.

Cristina Atalla estava atenta  o suficiente para perceber algo estranho no filho:

_O que houve com você? Foi assaltado, meu filho?

Somente naquele momento, Marcos percebeu que na pressa em fugir, havia deixado inclusive os sapatos para trás.

_Que assaltado, mamãe? A senhora tem cada ideia... _ele tentou ganhar tempo para arranjar uma boa desculpa.

_Então por que está deste jeito todo amarrotado? Cadê os seus sapatos, Marcos?

_Que sapatos, mamãe? E eu lá estou preocupado com sapatos? Acho que os tirei quando entrei no carro e devo ter cochilado, sei lá...Devem estar lá no carro.

Mas Cristina Atalla parecia não estar convencida:

_Não me diga que você estava até agora com o tal cliente com quem você foi jantar!

Marcos percebeu que aquele era um gancho aceitável e o aproveitou.

_Acordos não se fecham num estalar de dedos, mamãe! Essas coisas levam longas horas! _Marcos falou impaciente tentando desencorajá-la a prosseguir sendo tão indiscreta. _ As negociações se arrastaram por mais tempo do que eu havia calculado e só agora finalizamos a conversa. E a senhora? Com dificuldades pra dormir?

_Como se você não soubesse que este luxo já não mais me pertence desde a morte do seu irmão. _ ela falou amargurada.

Marcos adiantou-se e deu um beijo na mãe, acreditando que por hora havia se saído bem.

_Boa noite, mamãe. Tente dormir um pouco. 

O empresário virou-se para se retirar, quando Cristina Atalla o paralisou com mais uma  pergunta:

_E aquele homem que diz conseguir se comunicar com o Darlen?

Marcos interrompeu a caminhada para o seu quarto com o susto ao ouvir aquilo. Permaneceu de costas para a mãe, temendo que ela o flagrasse desconsertado daquele jeito.

_Que conversa esquisita uma hora dessas, mamãe?

Ele fez menção de se retirar mais uma vez, decidindo acelerar o passo para fugir da mãe, mas ela foi mais esperta e perguntou: 

_Quando você vai me levar para falar com ele, meu filho?

O episódio daquela noite, que fora se somar a todo o resto, era mais um motivo forte o bastante para Marcos nunca deixar que a mãe se encontrasse com Lúcio!

_Mamãe, esqueça aquele bandido que ele não vale nada! _Marcos sentiu o remorso tomar conta dele por tentar manchar a reputação de Lúcio daquele jeito, mas sabia que tinha que ser firme com a mãe.

A voz dela soou como se tivesse sido enganada pelo filho:

_ Bandido ou não, eu exijo falar com ele! Então você não vai me levar pra falar com ele?

Marcos tentou ser duro, justamente para desencorajá-la de vez de levar aquele plano adiante:

_Não, não vou! E tenho certeza de que é por isso que a senhora, dona Cristina, não está conseguindo dormir!

_Não desvie o assunto... _ ela ainda tentou, sem sucesso. 

_Fica com esta ideia fixa de que alguém pode colocar a senhora em contado com o Darlen mais uma vez! Coloque na cabeça que Darlen morreu, mamãe e quem morre não volta mais, entendeu?

_Não precisa ser tão estúpido comigo!

_ Me desculpe, mas é a verdade. Agora eu vou me deitar porque daqui duas horas precisarei me levantar pra ir trabalhar. Não se esqueça de tomar um daqueles remédios que o Macedo indicou.  Talvez quando acordar possa pensar com mais clareza, ao invés de ficar dando ouvidos a um charlatão!

Marcos não teve coragem de olhar para o rosto da mãe, mesmo sentindo que não era justo ser tão grosseiro com ela, já que grande parcela da culpa por ela  estar envolvida naquilo era dele.

Não havia, porém, remorso forte o bastante para derrubar o receio de que Cristina Atalla viesse a se encontrar com Lúcio e por isso ele saiu deixando a pobre mãe  sozinha com a sua dor pela perda do filho caçula. 


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