CAPÍTULO 25-OS PAIS DE MARCOS
Doutor Bruno Macedo não aprovou a atitude do seu amigo que jogou dois comprimidos na boca e os engoliu com um pouco de água.
O médico sabia que Marcos estava tenso, pois seria a primeira vez que ele se encontraria com os pais pessoalmente, depois que eles haviam saído do país, fugindo do sofrimento pela morte de Darlen.
Apesar de ser muito bem pago pelos seus serviços, doutor Macedo não conseguia se manter impassível diante da visão de um homem que parecia estar a ponto de enfartar, apenas porque iria reencontrar os pais.
_ Controle-se aí, homem! Se tomar mais um desses, vai ficar apagado até amanhã, Marcos! _alertou o médico muito sério.
Marcos não se deixou intimidar pela ameaça:
_Não se preocupe, Macedo. Eu não tenho tanta sorte assim, pode ter certeza. Eu lhe garanto que ficarei bem acordado com ou sem estas drogas, só para escutar os sermões do meu pai e da minha mãe. Eu só quero que esta dor de cabeça fique pelo menos suportável!
Ele havia dito ao médico que estava com insônia e havia garantido que enquanto os pais estivessem no Brasil e aquele problema com a mãe de Valéria não estivesse resolvido, certamente ele não conseguiria dormir.
Na memória do empresário ficariam gravados para sempre os gritos de dor e as acusações de Neitan ao saber que a mãe havia morrido. O garoto gritou que preferia que o pai e não a mãe tivesse morrido, isso depois das acusações de que ele era o culpado pela morte de Valéria.
Marcos participou dos rituais fúnebres da ex-esposa ao lado do médico e não se atreveu a dar os pêsames à ex-sogra. Os pais dele haviam preferido ficar junto a Margarida, mãe de Valéria.
Neitan disse que não queria ver a mãe morta num caixão e, por isso, o garoto ficou em casa.
Margarida não dirigiu um único olhar para o ex-genro. Num choro silencioso e contido, ela permaneceu ao lado do caixão da filha o tempo todo e Marcos sabia que diante de qualquer passo em falso que ele desse, a ex-sogra faria um escândalo!
Finalizadas as cerimônias, Margarida saiu pelo portão principal do cemitério amparada por familiares e amigos, enquanto Marcos e os pais saíram discretamente por um portão lateral.
Fizeram o trajeto todo em silêncio e Júlio Atalla, pai de Marcos, não precisou trocar uma única palavra com o filho que já conhecia o hábito dos pais, quando o assunto era sério: dirigiram-se os três silenciosamente para a biblioteca e fecharam a porta atrás de si.
Marcos sabia que o pai estaria nervoso depois de tudo o que havia acontecido após a morte de Valéria, mas mesmo assim assustou-se quando ele pegou um objeto de decoração e arremessou na parede mais próxima, assustando esposa e filho.
Júlio Atalla foi direto ao assunto, andando de um lado a outro da sala feito um animal enjaulado:
_Onde você estava com a cabeça, seu inconsequente, quando permitiu que aquela mulher juntasse todas aquelas provas para agora vir fazer ameaças contra nós, Marcos?
Marcos queria poder dizer que as ameaças eram contra ele, pois ele era o ex-marido de Valéria, Neitan era o seu filho, mas ele sabia que tudo que viesse a envolver o seu nome envolveria também o sobrenome Atalla e afetaria os negócios negativamente!
Cristina Atalla parecia uma estátua de pedra sentada rígida no sofá, roupas pretas, pele muito branca, maquiagem discreta e o filho notou o quanto ela havia emagrecido desde a última vez em que haviam se encontrado.
Júlio não esperou o filho responder e colocou um trecho da conversa entre Neitan e a mãe, onde a criança chorava assustada acusando o pai de cárcere privado, tortura psicológica, ameaças...Em outro trecho, Neitan citava os episódios em que havia se encontrado com o falecido tio, conversado com ele e a adoração e encantamento do garoto eram comoventes.
_Quer dizer agora que o meu neto anda alterado por aí, dizendo que tem visto o tio, tem conversado com o tio e você foi deixando a coisa rolar sem controle... e diante da evidente perturbação do seu filho, você não fez nada para ajudar o garoto! _Júlio berrava fora de si. _Como se isso não bastasse, você não apenas não denunciou o monstro que vem fazendo isso com o seu filho, como também permitiu que ele e o Neitan se encontrassem mais de uma vez!
Marcos ficou em silêncio escutando as acusações do pai sabendo que tudo o que ele falava era verdade! Contra fatos não existem argumentos, ele sabia.
Havia um tempo em que pai e filho dirigiam a Cosméticos Atalla lado a lado, eram amigos, se respeitavam e se davam bem...A mãe era jovem, bonita, sorridente, cheia de vida...Absurdo como a morte de Darlen havia acabado com tudo aquilo! Era como se a família agora fosse formada por três pessoas que não mais se reconheciam!
Marcos não reconhecia mais a figura dos pais que haviam envelhecido a olhos vistos, como se o filho caçula tivesse morrido e levado junto com ele os melhores anos das vidas dos dois!
Darlen era a alegria daquela casa, daquela família, sempre cheio de vida, sempre brincando com a mãe, retrucando as ordens do pai, fazendo da vida de Neitan uma aventura a cada reencontro!
Marcos se sentia culpado por ter colocado um fim naquilo tudo quando havia dado aquele carro de presente de aniversário ao irmão. Ele nunca se perdoaria por haver colocado nas mãos de Darlen uma arma mais potente do que a moto que ele pilotava feito um louco!
Júlio e Cristina Atalla haviam abandonado o pais, por causa da morte de Darlen...Neitan havia se tornado uma criança triste, por causa da morte de Darlen...a vida do empresário havia perdido a cor, por causa da morte de Darlen e foi aí que mais uma vez, Marcos foi surpreendido pelo questionamento de que talvez todos estivessem melhor se ele, ao invés de Darlen, estivesse morto!
_Não fique olhando pra minha cara sem falar nada! _ gritou Júlio batendo na mesa assustando o filho.
Arrancado bruscamente de seus pensamentos recorrentes, Marcos abriu a boca, olhou para o pai e não conseguiu falar nada...não porque ele havia perdido o fio da meada, mas porque realmente não havia o que falar.
O pai estava certo...ele havia sido imprudente, ele havia julgado mal a força que aquelas ligações de Neitan teriam nas mãos de Valéria e de Margarida... Por que ele não estava atento àquilo?
Arrasada com a morte da filha, agora Margarida tinha uma arma apontada para a cabeça do ex-genro! Uma arma que ele mesmo havia colocado nas mãos dela!
_E agora temos este contrato milionário aí com os franceses interessados na nossa nova linha de cosméticos infantis. Acha mesmo que eles vão fechar negócio com a Cosméticos Atalla, se o seu nome estiver no centro de um escândalo envolvendo o seu próprio filho, seu imbecil? _ berrou Júlio Atalla.
_Eu já entrei em contato com os nossos advogados... _ Marcos finalmente gaguejou, se sentindo sufocado pelo pai.
Júlio Atalla bateu forte no próprio peito, como se quisesse abri-lo e não deixou o filho terminar de falar:
_Eu...eu acionei os melhores advogados do mundo para que possam dar um jeito de limpar a sujeira que você fez sem respingar no nome da empresa! Eu não vou permitir que você jogue na lama o nome da empresa que eu construí! A Cosméticos Atalla tem que ser protegida a qualquer custo!
Marcos queria dizer algo...mas sabia que não tinha o direito de exigir um pouco mais de respeito pela sua pessoa e menos pelos negócios. Sabia que posar de vítima na frente do pai naquele momento seria inútil!
_Vou negociar com Margarida. Sei que ela quer dinheiro, nada mais. _ disse Marcos como se aquilo já não estivesse óbvio o bastante para o pai.
_Você vai ficar quieto! Você não vai fazer nada! Nada! Eu quero você bem longe daquela mulher, entendeu bem? Bem longe! _ gritou o pai fora de si.
O pai estava certo, Marcos sabia, qualquer coisa que ele dissesse a ex-sogra agora seria usado contra ele num processo.
_Deixe que os nossos advogados entrem em contato com os advogados dela e resolvam tudo. É assim que se faz...é pra isso que nós pagamos os advogados, para que eles se exponham por nós, negociem por nós...Isso é conhecimento básico de qualquer pessoa com dois neurônios na cabeça! _berrou Júlio.
Marcos mais uma vez teve que admitir que o pai estava certo...aliás, ele estava certo em tudo!
Valéria não era apenas a filha amada de Margarida, mas também era o seguro de vida dela. Era óbvio que agora a avó de Neitan iria querer ficar com o neto para garantir o próprio futuro!
_Pelo que percebi, a sua relação com o seu filho piorou mais ainda por causa deste tal homem que meteu estas coisas na cabeça dele, não foi?_ questionou Cristina falando pela primeira vez.
Marcos não teve a chance de dizer nada!
_Não duvido que possa ter dedo de sua ex-esposa e de sua ex-sogra nisso aí também..._ acusou Júlio. _ Foi tudo armado...Viajaram as duas, deixaram o Neitan com você sabendo que iria dar merda! Arranjaram este marginal aí...repassaram pra ele meia dúzia de informações sobre a nossa família e ele deu conta do resto!
Marcos não conseguia ainda chamar Lúcio de marginal...muito menos conseguia fazer aquela ligação entre o taxista, Valéria e a mãe.
_Eu acredito que ele não tem envolvimento algum com Valéria e a mãe, pai. _Marcos arriscou.
_Você acredita...você acredita... _ Júlio falou com desdém. _E eu lá estou interessado no que você acredita, seu imbecil? Você até pode ter talento para dirigir uma empresa, mas de resto é um zero à esquerda! Não sabe controlar a boca nem do seu próprio filho de sete anos! Por causa disso, podemos nos ver envolvidos em sérios problemas!
Marcos poderia ter exaltado os lucros que havia trazido pra empresa depois que o pai havia deixado os negócios nas mãos dele, poderia ter exigido respeito, já que nunca havia dado um passo errado nos negócios, mas sabia muito bem que Júlio Atalla nunca o perdoaria por um erro básico como aquele.
_Tivesse eu mais saúde e assumiria a presidência da empresa novamente, antes que você coloque tudo a perder! _o pai de Marcos ameaçou chocando o filho.
Marcos não tinha dúvidas de que ele seria capaz de fazer exatamente aquilo! Sabia que depois de proferida aquela ameaça, os riscos dela se tornar realidade já começavam a existir a partir daquele momento!
Júlio ainda acusou e ofendeu o filho por mais alguns minutos, antes de sair da sala bufando deixando para trás também a esposa que permanecia imóvel e em silêncio.
_Ele não vai me perdoar nunca! _soltou Marcos, como se estivesse falando consigo mesmo.
Ele sabia que aquela afirmação poderia se referir à questão do momento, mas também a sua culpa pela morte de Darlen.
_O seu pai nunca mais foi o mesmo depois da morte do seu irmão. _disse a mãe com o olhar perdido no vazio. _ Perder um filho é perder um pedaço de nós mesmos!
"Nada mais foi o mesmo depois da morte do meu irmão", Marcos conseguiu se conter e não verbalizar aquilo, evitando atrair sobre si também a ira da mãe, apesar de avaliar que ela estava tão frágil que ao menor movimento brusco poderia se espatifar em mil pedaços.
_Eu não queria dar este desgosto pra vocês dois, mamãe.
Mais uma vez, o empresário percebeu que a sua frase se referia a um segundo momento de suas vidas.
_Muitas coisas acontecem, mesmo sem a gente querer, Marcos. _a mãe falou enigmática.
Ele queria que aquela frase tivesse o poder de aliviar um pouco a sua consciência...mas não deu.
_Você pretende abrir mão do seu filho para a mãe de sua esposa?
O questionamento pegou o empresário de surpresa e, por um momento, ele sentiu que não saberia responder àquela pergunta.
Ele não saberia dizer se queria Neitan ao seu lado pelos motivos corretos...mas falou firme:
_Eu quero o meu filho ao meu lado, mamãe!
Ele não conseguiu avaliar o impacto que aquela resposta causou na mãe, pois o rosto envelhecido e sugado pelo sofrimento não esboçou reação nenhuma.
A frase seguinte pronunciada por Cristina Atalla deixou Marcos completamente chocado:
_Amanhã, eu quero que você me leve até este taxista que afirma ter visto e falado com o Darlen. Eu preciso conversar com ele.
Após Cristina Atalla sair em silêncio, doutor Bruno Macedo entrou e surpreendeu o amigo segurando a cabeça com ambas as mãos.
_É, meu amigo...Você está prestes a ver a minha cabeça explodir! _ confessou Marcos sentindo a mão amiga em seu ombro direito.
O profissional admitiu para si mesmo que não queria estar na pele do empresário.
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