CAPÍTULO 24-LÚCIO FICA DIVIDIDO
Dona Maria Inês fez do anúncio de que iria ser avó um dia de festa naquela casa!
Ela misturou choro com gargalhadas, abraçava os filhos, o marido, chegava na janela e anunciava ao mundo que seria avó! Ligou para parentes distantes, amigas e todo o pessoal da escola onde trabalhava. Chegaram a temer que ela passasse mal de tanta emoção!
Lúcio se esforçou para se mostrar também animado com a notícia, apesar de ter a cabeça em outro lugar. Ele não queria estragar aquele momento da mãe com os seus problemas, por isso se deixou arrastar para o meio das comemorações e até se candidatou a ser padrinho do sobrinho que estava a caminho.
_A gente vai fazer um almoço de comemoração! Eu vou pedir as panelas grandes lá da escola, vamos comprar mais pratos, vou fazer o meu frango com quiabo que todo mundo adora...e quem quiser levar marmita pra comer em casa, também vai poder! _ dona Maria Inês gritava jogando os braços para o alto.
Lúcio tentava se deixar contagiar pela alegria da mãe, mas estava dividido quanto a realmente se livrar de Darlen e de todo o resto que tinha vindo junto com ele.
Não tivesse aparecido Darlen no táxi de Lúcio e ele não teria se aproximado tanto de Marcos Atalla...não tivesse Darlen persistido em continuar suas visitas ao taxista e ele não teria conhecido Neitan e agora não estaria se sentindo um monstro por deixar o garoto enfrentar a sua mediunidade sozinho...
A mãe notou que o caçula estava distante e deu um jeito de chegar perto dele sem que o marido e os outros dois filhos percebessem:
_Filho...você nem tocou no jantar e agora está aí com estas rugas de preocupação na testa. O que aconteceu? Aquela alma penada apareceu novamente, ou o irmão dele fez mais alguma ameaça?
Lúcio revelou para a mãe que queria informar a Darlen o mais rápido possível que não iria mais ajudá-lo. Que ele procurasse outro médium para colocar os planos dele em ação, fossem quais fossem as intenções do caçula dos Atalla.
A mãe não ficou feliz com aquela notícia, para estranheza do filho.
_Parece que a senhora discorda da minha decisão. Achei que me apoiaria, mamãe.
_A Neilane, lá da escola, é espírita. Sabendo disso, eu me aproximei dela hoje, inventei que o namorado da minha prima que mora lá no sul começou a ver os mortos e aí contei o que você tem passado com este tal de Darlen.
_E o que ela disse?
_Ela gosta muito de mim, confia em mim e assumiu que é médium, que frequenta o centro e que incorpora alguns espíritos, que ela chama de entidades de luz. Confessou que no início, até tentou se livrar do dom, por medo mesmo... mas que com o tempo, viu que era impossível. Não conseguia dormir...adoeceu...achou que iria ficar louca, se não se desenvolvesse e aceitasse o que Deus havia enviado pra ela.
Lúcio sentiu o corpo todo arrepiar-se. Em sua mente só vinham cenas que já vira nos filmes do Exorcista, Constantine...nada de muito positivo.
_Eu falei com ela que o namorado da minha prima não incorpora, ele apenas vê uma pessoa que já morreu, conversa com ela e que está tendo problemas por causa disso.
_E aí, o que ela disse?
_Disse que é pra mandar o namorado da minha prima procurar um centro espírita sério para que ele possa estudar a doutrina espírita a fim de obter esclarecimentos acerca do seu dom.
_Mas e se eu realmente não quiser este dom? Ela falou alguma coisa sobre isso, mãe? _Lúcio perguntou ansioso. _Talvez o dela, que recebe espíritos, seja diferente...mais complicado, mas eu nunca incorporei o Darlen e em nome de Deus nunca irá acontecer isso comigo! Ela não falou se tem alguma forma de eu parar de ver e ouvir o Darlen, mãe?
Dona Maria Inês olhou penalizada para o filho caçula:
_Ela disse que desaconselha qualquer um a virar as costas para a missão espiritual que Deus nos dá! Se este infeliz procurou você, ela disse, é porque ele precisa muito de sua ajuda, filho. O certo seria auxiliar este desencarnado, mesmo que para isso precise buscar a ajuda de outros médiuns.
Leandro chamou a mãe e dona Maria Inês precisou se afastar.
Lúcio ficou pensativo, imaginando o que poderia acontecer com ele, caso se recusasse definitivamente a ajudar Darlen Atalla. Será que ele tomaria conta do seu corpo físico para dar continuidade aos seus projetos no mundo dos vivos? Novamente ele sentiu o corpo todo arrepiar-se!
A noite do taxista foi tumultuada por pensamentos que o dividiam entre ser firme com Darlen e se resignar ao que ele queria que Lúcio fizesse.
Ele tentou analisar se a sua relutância em dar as costas ao falecido Atalla não tinha a ver com o fato de que se fizesse isso, talvez nunca mais tivesse uma chance melhor de se aproximar de Marcos.
Lúcio via o empresário como um homem atraente...charmoso...ousou a admitir que o achava gostoso e que devia ser bom demais dominar aquela fera numa cama e mostrar pra ele quem mandava numa possível relação.
Quando, no dia seguinte, Darlen apareceu no carro assim que Lúcio deixou o primeiro passageiro no endereço que ele desejava, a primeira frase do desencarnado já deixou o taxista sem chão!
_Não tem jeito, Lúcio...é você mesmo quem vai ter que me ajudar, cara, porque o meu irmão é um excelente empresário, mas é mais imaturo do que o Neitan em outras questões e tem zero de inteligência emocional!
Lúcio relutou em perguntar sobre o que afinal Darlen estava falando e tentou usar o bom senso: precisava focar mais em sua família...em sua carreira...em seus projetos futuros e começar a frequentar um centro espírita apenas para saber lidar com os dramas de Darlen lhe tomaria tempo demais. No mínimo, teria que conseguir meter em sua agenda, duas horas a menos de trabalho três vezes por semana para frequentar as reuniões no centro que dona Rosa frequentava.
_Olha, Darlen...de boa, cara...eu gostaria muito de te ajudar, mas não vai dar...eu estou atolado de problemas e de compromissos até a tampa e além do mais decidi fazer exatamente o que o seu irmão exigiu: vou sair da vida do Neitan e deixar o seu sobrinho em paz.
Darlen não respondeu, pois estava com o olhar fixo mais a frente do táxi de Lúcio e falou com urgência:
_Entre na primeira à direita, Lúcio!
O filho de dona Maria Inês não tinha a intenção de ir por ali e retrucou:
_Ah, não, meu filho...não me venha com outro salvamento que eu quero justamente abdicar da minha capa e da minha espada...
_A menos que você queira ser assaltado, é melhor fazer o que eu disse, Lúcio! _Darlen falou autoritário. _Entre logo na próxima rua, porra!
Lúcio não saberia dizer se teve alguma participação de Darlen na manobra perigosa que ele fez ao obedecer o seu passageiro, só percebeu que o motorista do carro que vinha logo atrás, que era também um táxi, buzinou pra ele e soltou um palavrão.
O filho de dona Maria Inês parou percebendo que não dava para dirigir com Darlen o atormentando daquele jeito.
_Eu poderia ter provocado um acidente ali, não percebeu?_ desabafou irritado.
_Eu salvei o seu pescoço...deveria me agradecer...
Lúcio não acreditou no que o outro dizia e continuou revoltado:
_Sei que você quer me colocar um cabresto pra eu ficar a sua disposição o tempo todo, não é? Já ouviu falar em livre arbítrio? Pois eu tenho o meu livre arbítrio e sou eu quem vou decidir se devo ou não te ajudar!
Darlen ficou calado deixando o filho de dona Maria Inês falar o quanto quisesse, até que mandou que Lúcio ligasse o rádio do carro.
_Vai querer ouvir música? _Lúcio ironizou. _Não prefere arrastar algumas correntes em alguma casa abandonada por aí?
_E eu achando que seria fácil te ajudar a conquistar o meu irmão. Você sabe ser bem chato quando quer. Agora liga logo a porra deste rádio e comece a me agradecer!
Lúcio estranhou que Darlen, geralmente mais amistoso com ele, parecia meio nervoso naquele dia.
Resolveu obedecer, afinal era só ligar o rádio e foi com surpresa que assim que ligou, entrou uma notícia ao vivo informando que no lugar por onde ele iria passar minutos atrás, ladrões haviam anunciado um assalto a um taxista e como o motorista resistiu, tinha sido baleado e morto!
_Meu Deus! Era pra ser eu! _ Lúcio falou sentindo o coração quase sair pela boca.
O filho de dona Maria Inês olhou para Darlen:
_Você acabou de salvar a minha vida, Darlen!
_Juro que queria poder dizer que agora você também salvaria a minha vida e ficaríamos quites, mas sabe que isso não será mais possível, então vou apelar novamente para o seu agradecido coração e pedir que me ajude com o meu irmão e o meu sobrinho.
Lúcio ainda estava em choque ao escutar pelo rádio o nome da vítima e perceber que o taxista assassinado era um conhecido seu...pai de família...gente boa que merecia ter um fim mais digno do que morrer de maneira tão estúpida nas mãos de um ladrão.
Darlen percebeu que só teria a atenção do outro se usasse um tratamento de choque e foi isso o que ele fez:
_A mãe do Neitan morreu.
Lúcio piscou diversas vezes e levou um tempo para coordenar as ideias.
_A mãe do Neitan! Coitado do Neitan, meu Deus!
_Meu sobrinho e o meu irmão precisam da sua ajuda, Lúcio.
_Mais uma vez, eu devo te lembrar que o seu irmão não quer me ver nem pintado de ouro.
Darlen deu um sorrisinho maldoso:
_Concordo que no momento ele não te receberia muito bem, mas em breve, ele virá correndo atrás de você pra te pedir ajuda. Melhor estar preparado!
_O Marcos vir atrás de mim pra me pedir ajuda...Você só pode estar brincando comigo, Darlen...
_Enquanto isso, siga os conselhos da amiga da sua mãe e vá procurar orientação naquele centro onde vieram te entregar a minha mensagem. Nos veremos em breve, Lúcio. _Darlen falou muito sério. _Temos muito trabalho pela frente.
_Meu Deus, como você é insistente, cara! Eu já disse que...
O espírito do irmão de Marcos Atalla já havia desaparecido, enquanto Lúcio começava a ouvir o som de sirenes se aproximando cada vez mais do local onde a tragédia havia ocorrido com o colega taxista.
Lúcio ficou por um longo tempo ali parado, olhando para o vazio, tentando organizar as ideias, mas sabia que quanto mais pensasse nas palavras de Darlen, mais perdido ficaria!
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