CAPÍTULO 21-CONVERSA FRANCA




No início, Lúcio até tentou  se enganar afirmando para si mesmo  que não tinha procurado Marcos para pedir desculpas  porque estava atendendo  ao apelo da mãe.

No fundo, porém, ele sabia que temia que Marcos cumprisse a sua ameaça de mandar prendê-lo! 

O taxista podia imaginar o quanto o empresário o odiava por tudo o que ele havia dito e não tinha como exigir respeito por ter salvado a sua vida, pois, no mínimo, aquilo poderia soar como uma chantagem emocional barata. 

Primeiro Lúcio desejou que Darlen nunca mais aparecesse...depois ficou dividido se queria ou não que ele aparecesse. Ao final  do terceiro dia, porém, o taxista  já o esperava com ansiedade:

_Apareça logo, seu filho da mãe! Eu preciso de respostas, Darlen! Onde você está?

O taxista estava com os nervos à flor da pele, afinal, seria a primeira vez que os dois se encontrariam, agora que Lúcio já sabia que o irmão de Marcos Atalla  estava morto.

Suposições vinham a todo momento...será que Darlen havia partido para algum lugar  que o impedia de voltar a Terra? Será que ele havia desistido de sabe-se lá o quê no mundo dos vivos? Será que ele só queria mesmo dar um último passeio pela Terra, ver Neitan e ajudar Lúcio a salvar a vida de Marcos?

_Combinei com a Rosa que nós dois iremos ao centro espírita que ela frequenta esta noite._ dona Maria Inês havia decretado logo de manhã.

Eles não haviam falado nada com os irmãos, nem mesmo com o pai de Lúcio, pelo menos até poderem entender melhor o que estava acontecendo. 

Lúcio sentiu um arrepio pelo corpo ao ouvir aquilo e achou irônico...Estava ansioso para se reencontrar com Darlen, mas saber que iria a um centro espírita o deixava nervoso?

_Eu não sei se quero ir, mãe...Além do mais, tem dias que o Darlen não dá as caras. Talvez tenha ido embora de vez. _ argumentou Lúcio.

A mãe não cedeu:

_Primeiro isso não está em discussão...você vai comigo e pronto! Segundo será bom você já estar preparado quando aquele encosto do Darlen aparecer novamente...e terceiro...

Dona Maria Inês fez uma pausa e encarou o filho muito séria.

Lúcio ficou em silêncio olhando curioso  para a mãe, imaginando o que ela iria  dizer que a havia deixado de repente em dúvida, pois dona Maria Inês não era mulher de ficar sem palavras.

_E terceiro? _Lúcio perguntou ansioso. 

Apesar de saber que os dois estavam em casa sozinhos e que o marido e os filhos já haviam saído, ela vasculhou a casa toda e verificou se não havia ninguém do lado de fora escutando a conversa dos dois.

Lúcio ficou inquieto querendo saber que segredo era maior do que ele ser médium.

_Fala logo, mãe! 

_E terceiro eu quero que eles façam aquilo lá que eles chamam de dar um passe pra você tomar juízo e não ficar inventando história pra ir atrás daquele homem que só quer te fazer mal!

Lúcio teve a impressão de que não era aquilo que a mãe queria falar, na verdade. Mesmo assim, comentou:

_Eu só disse que gostaria...escute bem...eu gostaria de ir atrás do Marcos para esclarecer que tudo foi um mal entendido e que eu não sabia realmente que o irmão dele havia morrido! Já até desisti dessa ideia, mãe, não se preocupe!

A mãe ficou indignada:

_Não faça pouco de minha inteligência, menino! Você está louco pra ir atrás daquele maldito sim que eu sei!

Lúcio sabia que quando ela chamava um dos filhos de menino, realmente dona Maria Inês estava irritada!

_Mas eu estou falando a verdade! Só iria lá me explicar e depois nunca mais procuraria aquele homem, mãe! Mas achei melhor deixar isso pra lá...que ele pense o que quiser de mim que eu não estou nem aí! 

A mãe ainda tentou:

_E também deixaria de procurar o filho dele? Deixaria o garoto à própria sorte, mesmo sabendo que ele também tem visto o tio morto?

_Se o pai dele me proibisse, sim...eu teria que me conformar em não procurar o Neitan novamente sim...

_Lúcio... _dona Maria Inês falou em tom de ameaça. _Eu sou a sua mãe e exijo que fale a verdade comigo!

_Mas eu estou falando, mãe! 

Ela perdeu a paciência e apelou:

_Não me trate como uma idiota  que eu te carreguei na barriga por nove meses e conheço cada pinta que você tem no corpo...me lembro da história de cada uma de suas cicatrizes...

Ele sabia que agora ela iria repetir o mesmo sermão  de sempre como se exigisse do filho fidelidade eterna por ser quem era. 

Dona Maria Inês alterou a voz mais ainda:

_Agora abra o verbo de uma vez, porque eu tenho horário pra chegar na escola e você sabe disso!

Lúcio ficou nervoso:

_Mas eu também tenho horário pra começar a trabalhar e não sei  o que a senhora quer que eu fale, mãe!

_A verdade já seria um bom começo!

_Mas eu estou falando a verdade! 

_Maria Inês! O Eugênio vai me levar de carro, você vai querer carona? _ uma colega de trabalho gritou no portão da casa.

Por um momento, a mãe pareceu em dúvida sobre o que deveria responder.

_Vou querer sim...já vou! _ a mãe de Lúcio respondeu encarando o filho ainda irritada. _Esta conversa ainda não acabou!

Lúcio sentiu o silêncio da casa vazia quase ensurdecê-lo, quando a mãe fechou a porta atrás de si!

Era como se as palavras da mãe ainda ecoassem em cada canto e o oprimissem...O que afinal de contas ela queria que ele dissesse?

Também naquele dia, Darlen não apareceu no táxi de Lúcio e ele rodou o dia todo relembrando a conversa que havia tido com a mãe pela manhã. 

"Nem ouse faltar ao nosso compromisso de hoje à noite. Chegue às dezoito horas." , foi a mensagem que a mãe enviou  pra ele à tarde. 

Mais uma vez, já tendo percebido os rumores de que os dois irmãos iriam sair de casa em breve para morarem com as namoradas, Lúcio sentiu-se numa posição desconfortável, só não entendeu exatamente por quê. Era como se algo lhe dissesse que também era hora dele sair da casa da mãe  e seguir sua vida.

O pai de Lúcio  estava sentado num banco que ficava no passeio em frente à casa e alertou o filho, antes que ele entrasse:

_Sua mãe está uma onça hoje! Disse que não conseguiu trabalhar direito e que até chamaram a atenção dela lá na escola! Disse que vai visitar uma colega doente e que você vai acompanhá-la. Até me ofereci pra ir no seu lugar, mas ela disse que já tinha combinado com você. 

Dona Maria Inês estava no quarto se arrumando e assim que ouviu a porta da casa se abrindo, gritou:

_Lúcio, é você?

_Sim, mãe.

_Tome banho e se arrume logo que eu não quero chegar atrasada!

Lúcio ainda estava apreensivo, pois  temia que no centro espírita  dissessem algo em público que ele ainda gostaria de guardar segredo. 

Dona Maria Inês estava visivelmente nervosa quando entraram no carro do filho e Lúcio não ficou surpreso quando a mãe ordenou que ele parasse um quarteirão antes do local onde deveriam ir. Também pra ela seria a primeira vez num lugar como aquele. 

_Eu quero conversar com você, antes de entrarmos lá.

Lúcio percebeu  que a mãe ainda estava inquieta com algo que ele não havia revelado e  viu que não tinha pra onde fugir. Perguntou resignado:

_Ok... O que a senhora quer conversar comigo, mãe?

_Por que você  nunca me disse que gostava de homens, Lúcio? _ela falou sem rodeios.

Mesmo algo dentro dele já sinalizando para o que ela iria perguntar, o susto ao ouvir aquela pergunta tão direta quase o fez desmaiar!

Lúcio abriu a boca, mas ficou sem voz!

_E não tente me enganar novamente, porque eu já sei de tudo!

O filho de dona Maria Inês olhou para a mãe ainda sem saber o que dizer!

_Você deve se achar muito esperto por imaginar que conseguiria esconder isso da sua própria  mãe por muito tempo! _ela bateu forte no próprio peito, erguendo a cabeça orgulhosa do que iria dizer. _Eu te pari! Eu te criei! Eu te fiz homem! Eu te conheço muito bem porque sou a sua mãe e você é o meu filho! Eu tinha o direito de saber que um dos meus três filhos gosta de homens, Lúcio!

_Mas de onde a senhora tirou isso, mãe? _ Lúcio tentou ganhar tempo.

_A gente está indo pra um lugar onde eu nunca entrei e onde eu nem sei o que vai acontecer! Acha justo a cidade inteira sair por aí amanhã falando que o meu filho é gay...que o meu filho é veado  sem que você tenha confessado isso pra mim primeiro?

Ele sabia que ela não pronunciava aquele termo de forma homofóbica ou mesmo preconceituosa...Dona Maria Inês queria era mostrar ao filho como as pessoas certamente iriam se referir a ele, assim que aquilo se tornasse público!

Somente naquele momento Lúcio percebeu o que o estava atormentando tanto...Não era o fato dele correr o risco de encontrar-se com outras pessoas que já tinham morrido, mas sim o fato dele encontrar-se com alguém...vivo ou morto...que descobrisse o segredo que ele mesmo não ousava admitir em voz alta!

Como se lesse a mente do filho e tivesse plena consciência de  que havia arrancado à força  o que ele trazia guardado a sete chaves dentro do coração, dona Maria Inês falou com a voz mansa, não mais num tom agressivo ou acusador...mas com a voz maternal cheia de doçura:

_ Coração de mãe não se engana, meu filho... nós temos é um sexto sentido, isso sim! Eu sei que você está apaixonado por aquele homem...aquele tal Marcos Atalla!

Lúcio sentiu como se algo simplesmente se libertasse dentro de sua alma! Era como se ele precisasse escutar aquilo de outra pessoa para que a verdade viesse finalmente à tona sem deixar mais dúvidas!

Ele era homossexual...ele sentia atração por  homens...ele estava apaixonado por Marcos Atalla!

O filho de dona Maria Inês desabou num choro aflito e agoniado enchendo o carro de soluços sofridos  que fez a mãe abraçá-lo como se quisesse protegê-lo do mundo!

_Calma, meu filho! Você não está sozinho! Eu sou a sua mãe e nunca vou abandonar você! 

Lúcio deixou que a mãe presenciasse toda a sua dor há tanto tempo presa no fundo de sua alma...uma mistura de medo...de desamparo...de angústia...de vergonha...não por desejar homens, mas por desejar aquele homem em especial! 

Dona Maria Inês sentiu um certo alívio por perceber que o filho não havia pedido perdão por ser do jeito que era! Se ele próprio se aceitava, já era um longo caminho percorrido, disso ela sabia!

_Eu sei como é,  meu filho...O coração da gente tem vontade própria, é rebelde e às vezes nos joga em armadilhas que nunca imaginávamos que iríamos cair!

Mãe e filho ficaram conversando dentro do carro por um longo tempo...viram as pessoas passarem ao lado do carro...entrarem no centro espírita...viram depois de algum tempo  elas saindo...indo embora...Eles haviam faltado ao compromisso daquela noite e não se arrependiam por isso. 

_Obrigado por tudo, mamãe. _ Lúcio beijou a mão da mãe com respeito. _Te amo muito, viu?

_Eu também te amo, meu filho! _ ela falou sorrindo beijando com carinho a testa do filho. 

Mãe e filho viram, na rua escura e quase vazia,  quando um senhorzinho veio andando, viu o carro de Lúcio e dirigiu-se a ele com um sorriso bondoso no rosto.

Lúcio  baixou o vidro do carro, quando ele se aproximou, acreditando que o idoso iria pedir uma carona.

_ Boa noite! 

_Boa noite! _ mãe e filho disseram. 

_Você é o Lúcio, não é? _ o idoso perguntou.

Mesmo surpreso com a pergunta, o taxista confirmou.

_Percebemos  que você não pode ir à reunião de hoje e vim aqui  pra te entregar isso. Foi psicografado por um de nossos médiuns.

Lúcio pegou o bilhete surpreso, agradeceu, mas não o abriu de imediato. 

O homem despediu-se e dona Maria Inês se sentiu na obrigação de oferecer:

_O senhor quer uma carona até em casa?

O homem sorriu e apontou para o portão que ficava justamente em frente ao local onde Lúcio havia parado o carro:

_Não. Eu moro aqui. 

Lúcio e a mãe estavam nervosos quando abriram a folha de ofício, sem saberem exatamente o que esperavam encontrar ali. 

A mensagem era curta e simples, mas carregada de significado para as duas pessoas que a liam:

"Agora que a sua mãe já sabe de tudo, podemos conversar amanhã. Darlen "

O taxista ficou paralisado olhando para aquela mensagem, enquanto dona Maria Inês colocava a mão sobre o ombro dele, deixando bem claro que Lúcio  não estava sozinho.



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