CAPÍTULO 19-O MÉDIUM




Lúcio não saberia explicar o que estava sentindo naquele momento...só tinha a  certeza de que  Marcos Atalla deveria achar que ele  era um monstro!

Melhor seria que o empresário o rotulasse de louco...de esquizofrênico...mas não, certamente ele achava que o taxista era um golpista cruel usando o nome de Darlen para confundir não só a cabeça dele, como também a cabeça do filho dele!

Lúcio repassou todos os episódios em que ele havia batido de frente com Marcos, insistindo que o irmão dele estava vivo...brigando com ele por não deixar que Neitan convivesse com o tio...

_Meu Deus! Que loucura tudo isso!

_Respire fundo, meu filho...acalme-se... _dona Maria Inês tocou a nuca do filho. 

A massagem da mãe não resolveria o problema, mas era bom saber que ela  estava ali.

_Como a senhora ficou sabendo?

_Dona Rosa me procurou lá na igreja. Disse que viu você conversando com o espírito de um homem que estava no banco de trás do seu táxi. Minha amiga não brincaria com uma coisa dessas, você sabe. Não foi preciso pesquisar muito, pra confirmar o que ela havia dito. A morte de Darlen foi anunciada nas redes sociais, além, é claro, da notícia do acidente que o vitimou. _a mãe falou muito séria.

Lúcio sabia que se não fosse por dona Rosa e se ele se deparasse com aquela informação, ainda assim diria que Marcos mentia e havia forjado o atestado de óbito do próprio irmão.

_Mas o Neitan, filho do Marcos, também viu o tio e conversou com ele...Como pode ser isso, meu Deus? _ ele ainda estava atordoado. 

_Como também você, quando criança, viu o seu avó depois que ele faleceu e conversou com ele. _ disse dona Maria Inês.

Lúcio olhou para a mãe sem entender o que ela dizia.

_Papai adorava você, Lúcio. Você era o neto preferido dele. Era ele chegar aqui em casa e logo  te pegava nos ombros pra brincar de cavalinho com você! Vocês pareciam duas crianças.

Lúcio franziu a testa:

_Agora que a senhora falou, tenho uma vaga lembrança disso...mas confesso que por algum motivo, tudo parece não ter passado de um sonho que tive com o vovô.

_ Culpa nossa, meu filho. Repetimos tanto pra você que você tinha apenas  sonhado com o seu avô, que certamente foi isso que ficou gravado na sua cabeça. Pois agora  tente se lembrar também que depois de um  tempo, você ainda criança, não entendendo direito que o seu avô nunca mais iria voltar, vinha me dizer que tinha conversado com ele e que parecia muito real aquilo.

Lúcio forçou a memória, mas havia uma espécie de bloqueio ali. 

_Você tinha apenas  cinco anos e vinha alegre nos  dizer que o seu avô havia aparecido no seu quarto, havia conversado com você...cantado a sua música de ninar preferida  pra você dormir...

Dona Maria Inês sorriu saudosa:

_Seus irmãos morriam de medo de gente morta! Vinham me contar que você estava perdendo o juízo, vendo coisas, falando sozinho no meio da noite...Aí a sua avó exigiu que nós déssemos um corretivo em você por ficar inventando coisas...que aquilo não estava certo...que era falta de respeito...que você não podia brincar assim com a memória do seu avô...

_Por que não me lembro dessas coisas, mamãe?

_Porque aí nós fomos te fazendo negar o seu dom...sua avó brigava com você e fazia você repetir que aquilo era mentira...exigia que você parasse de falar que via o seu avô...eu e o seu pai seguíamos o exemplo da sua avó e a pressão foi tanta que você foi se obrigando a esquecer tudo aquilo. 

Lúcio lembrou-se de Neitan e das atitudes do pai dele, bem parecidas com a de sua família. Também Marcos Atalla nunca admitiria que o  filho revelasse pra alguém que  enxergava o tio que já havia morrido. 

_Seu pai afirmava que o melhor mesmo era forçarmos você a esquecer daquilo, pois poderia dar problemas na escola, diante dos amigos...todo mundo iria te rotular de louco! E os seus irmãos iriam se afastar de você!

O taxista sabia  que a família só queria o que achava que seria melhor pra ele.

_Tudo o que nos aconselhavam a fazer, a gente fazia. Mamãe chegava aqui com novena, levava você em benzedeira, mandava que eu colocasse água benta na água do seu banho, no seu suco, até lavar as suas roupas com água benta, eu cheguei a lavar! Talvez o seu avô percebesse que ele não era mais bem-vindo aqui, porque depois de tanto empenho de nossa parte,  nunca mais você falou que havia conversado com ele. 

Lúcio lembrou-se de um outro episódio semelhante que apenas agora estava sendo reativado em sua memória diante daquela conversa com a mãe:

_Vi Ana Júlia, irmã de dona Olímpia, uma vez. Ela me olhava fixamente num ponto de ônibus e depois fiquei sabendo que ela havia tido um infarto fulminante dias antes. Propositalmente ignorei aquela visão. Acho que eu queria fugir  do que acontecia comigo.

_Não te culpo por isso, afinal a sua família sempre deixou claro que não é bem visto aquele que vê os mortos. 

_Eu não contei pra ninguém que a tinha visto ali no ponto de ônibus..._ Lúcio falou pensativo.

Lúcio ainda estava em choque, mas não conseguiu deixar de se preocupar com Neitan:

_Mas o Neitan então é igual a mim?

_Sim... vocês dois são médiuns, filho...como também é médium a dona Rosa, segundo ela me disse.

Lúcio percebeu que a mãe tinha procurado se informar com a amiga.

_Meu Deus...é tão estranho isso, mãe...É tão confuso ter ficado sabendo disso agora e não duvidar porque algo já me dizia que Darlen já não estava mais entre nós! Eu aprendi a ignorar na época em que via o meu avô...depois quando vi a irmã de dona Rosa...e vai saber mais se eu vi alguém que já não estava mais entre nós e não percebi. 

_Não assistimos a missa, eu e a dona Rosa. Assim que ela me disse que precisava falar comigo urgente, eu já a chamei lá pra sacristia e enquanto o padre rezava a missa, a gente conversava sobre você e o Darlen. Dona Rosa é muito correta, muito humana e muito entendida do assunto, filho. Ela disse que todos nós somos médiuns, na verdade, mas alguns se desenvolvem e outros não...ou  simplesmente ignoram o seu dom. A gente teve uma educação que nos levava a pensar que deveríamos ter medo dos mortos...

Dona Maria Inês sorriu amargurada:

_Engraçado que eu às vezes me questionava sobre o por que disso, sabe? Nós amávamos o seu avô...ele era uma pessoa muito boa e, de repente, ele morreu e algum tempo depois já o considerávamos como alguém  que nos daria medo. Pobre papai...talvez ele até quisesse dizer alguma coisa pra nós...pra mim...pra mamãe, mas a gente não deu esta oportunidade. Se ele falou alguma coisa relevante com você, simplesmente não levamos em consideração.

_Mas por que eu e não o Lauro, ou o Leandro, ou mesmo a senhora e o papai não veem pessoas que já morreram, mãe? Eu nem sou espírita! Assim como vocês, nunca frequentei um centro espírita e muito menos tive interesse neste assunto. Confesso que chegava a duvidar que existia vida após a morte. Sei lá...acho que acreditava que todos estavam adormecidos esperando o juízo final...como os padres costumavam ensinar nas aulas de catecismo. Dá pra ver que o Darlen não está dormindo...pelo contrário...ele está bem acordado e cheio de energia pra me atormentar! Ele é um fantasma bem inconveniente...

A mãe interrompeu o filho:

_Pessoas desencarnadas, filho, é assim que se fala. Segundo dona Rosa, se você já nasceu com o dom, provavelmente você já é um espírito mais evoluído que trouxe isso de outra vida...outra encarnação...Segundo ela, isso não é uma maldição e sim um dom, Lúcio. 

Ele não tinha ainda uma opinião formada sobre aquilo,  mas duvidava que algum dia pudesse chamar aquilo de dom. 

Lúcio ainda não acreditava que estava falando com a mãe sobre aquele assunto. Ele acreditava em Deus, tentava fazer as coisas certas, de acordo com o que lhe fora ensinado, mas não saberia dizer a última vez em que havia ido numa igreja! Talvez tivesse ido acompanhar os pais na missa de sétimo dia da avó, ou mesmo tinha sido  quando o irmão o havia chamado para ser seu padrinho de casamento. 

Dona Maria Inês continuou instruindo o filho, repetindo tudo o que dona Rosa havia dito, inclusive que seria bom que ele começasse a frequentar o centro onde a amiga da mãe trabalhava para estudar a doutrina espírita  e saber melhor sobre o seu dom. 

_Ela disse que será bom para que você possa conviver melhor com isso...Talvez até te ajude a entender melhor o porquê o Darlen veio atrás de você e não atrás do irmão dele, ou apenas do sobrinho, sei lá. 

Lúcio também estava intrigado...Por que Darlen tinha escolhido ele e não outro taxista? Ou mesmo não tinha ido direito no sobrinho, como tinha o feito o seu avô quando ele ainda era uma criança? Ou talvez Marcos, o que seria até interessante, imaginar como o empresário iria lidar com uma questão como aquela.

Pensar em Marcos acendeu um Lúcio uma questão que ele estava tentando não pensar.

_Mãe, então o Marcos estava falando a verdade o tempo todo e eu insistindo com ele...e ele achando que eu queria sequestrá-lo...ou mesmo sequestrar o filho dele...pensando que eu queria dar algum golpe!

_Aquele homem é insuportável de qualquer jeito, porque achar que o meu filho é marginal o torna uma pessoa que eu quero manter bem longe de mim!

Lúcio saiu em defesa de Marcos Atalla:

_Mas a gente tem que se colocar no lugar dele também, mamãe...Ele se depara de repente com um completo desconhecido que joga na cara dele informações sigilosas e  do conhecimento apenas dele e do irmão dele. Pra piorar, Neitan viu o Darlen dentro do meu táxi! Sabe-se lá o que o pai de Neitan  pensou a meu respeito! No mínimo deve ter achado que eu fiz a cabeça do menino...ou que eu até o hipnotizei! Acho inclusive que o Neitan só vê o tio na minha companhia, daí a gente imaginar que Darlen está mais ligado a mim do que ao sobrinho ou ao irmão. 

_Pobre criança...com certeza daqui a pouco o pai vai querer que ela faça terapia, vai exigir que alguém convença o filho dele a também negar o seu dom de ver os desencarnados  e falar com eles!

Lúcio agora sabia que seria assim mesmo que Marcos agiria...da mesma forma que a  sua família havia agido com ele...negando!

_Fico aqui pensando, Lúcio...o tal Darlen poderia simplesmente querer que você salvasse a vida do irmão dele, naquele dia em que ele engasgou...Terá sido isso, meu filho?

_Mas aí ele não precisaria envolver o Neitan nisso...Ele o levou pra tomar sorvete e aí deu uma desculpa lá para o garoto não desconfiar de nada. Além do mais, ele veio me agradecer por salvar a vida do irmão dele. Será que agora que eu sei que ele está morto, o Darlen vai me deixar em paz, ou voltará a aparecer pra mim?

Dona Maria Inês deu de ombros:

_Talvez ele queira que você convença o irmão de que o filho fala a  verdade e que não adianta negar isso.

Lúcio sentiu uma ternura enorme em relação a Neitan...O pai dele seria mais autoritário e agiria com muito mais rigor para impedir que o filho continuasse afirmando que via e falava com o tio falecido. 

_Eu vou procurar o Marcos...vou conversar com ele...vou esclarecer tudo e tentar ajudar o Neitan! _Lúcio falou decidido.

Dona Maria Inês entrou em pânico:

_Nem pensar! Ficou louco, filho? Aquele homem  já não ameaçou te prender, caso você se aproxime dele ou do filho dele novamente?

_Mas agora será  diferente, mamãe...agora eu sei que ele estava falando a verdade e não haverá mais discussões sobre  isso. 

A mãe revirou os olhos:

_E você pensa em chegar pra ele e dizer que agora sabe que o irmão dele está morto, mas que você o vê dentro do seu táxi, é isso?

Lúcio percebeu que a ideia não era tão boa quanto pensava. No máximo, Marcos mudaria a acusação que fazia contra ele...diria que ele estava usando outra estratégia pra aplicar o tal golpe ou mesmo que ele era completamente louco. 

_Aquele homem já assumiu que quer a sua cabeça, meu filho! Você não pode dar a ele mais motivos para acusar você!

Lúcio sabia que a mãe estava certa, porém, ele não queria que as coisas terminassem assim!

Descobrir que Marcos falava a verdade em relação ao irmão não tinha, por exemplo, mudado o que o taxista sentia em relação ao empresário! Ele ainda desejava Marcos Atalla e ainda queria vê-lo mais do que nunca! Doía imaginar que poderiam nunca mais se ver pessoalmente e especialmente doía ter a certeza de que o dono da Cosméticos Atalla seguiria a sua vida pensando que ele havia tentado lhe aplicar um golpe, inclusive usando o filho dele.

_Fique bem longe daquele homem, filho... _ a mãe implorou. _Ele é mau, isso a gente já percebeu! Ele vai te mandar pra cadeia, Lúcio!

O som dos irmãos de Lúcio chegando  precipitou o fim daquela conversa, porque era óbvio que mãe e filho ainda não queriam tornar público o que haviam descoberto. 

_Você não vai procurar aquele homem, entendeu bem, Lúcio? Não vai! _ dona Maria Inês falou autoritária antes de deixar o quarto do filho.

Lúcio sabia que não poderia prometer aquilo pra mãe...nem pra si mesmo. Passou a noite em claro pensando no homem que era dono do seu coração...pensando no drama de Neitan...pensando no por que Darlen o havia procurado e imaginando se ele novamente iria aparecer.


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