CAPÍTULO 1-MARCOS ATALLA




O empresário Marcos Wagner  Atalla saiu rapidamente  de sua sala, após encerrar uma reunião desgastante que havia lhe provocado uma dor de cabeça insuportável naquela noite tão quente. 

Logo atrás dele, vinha a sua secretária  Ivete  que insistia em falar atropelando as palavras, numa  urgência  irritante, seguindo de perto os passos do patrão  em direção ao elevador.

_Senhor Atalla, preciso que o senhor assine alguns documentos...preciso que confirme um compromisso de sua agenda...

Ele já deveria estar acostumado... ela sempre temia  que se o chefe  se ausentasse da empresa por alguns dias para fazer uma viagem ao exterior, talvez a Cosméticos Atalla simplesmente  fosse parar!

Ivete tinha sido muito bem recomendada, trazia um currículo impressionante, mas ele não suportava, especialmente naquele dia em que estava tão esgotado, mais  aquele ataque de pânico daquela mulher!

Marcos  continuou a caminhar em silêncio e  desejando estar longe  dali... de preferência  confortavelmente sentado  em paz na primeira classe do avião que iria pegar.

Aquela combinação no final  de um dia quente usando  terno e gravata só aumentava  o seu estresse. Será que o ar-condicionado estava estragado? Ele sabia que não, porque mais ninguém parecia incomodado com o intenso calor que ele sentia.

Talvez estivesse doente, pois às vezes começava a sentir um calor insuportável mesmo durante o inverno. Era uma sensação repentina que lhe provocava  intenso mal-estar, inclusive lhe causando certa dificuldade de concentração  e mal humor... Isso quando não lhe provocava arrepios como se ele estivesse febril.

Isso é excesso de trabalho, o seu médico já havia dito várias vezes, assim como a sua mãe que talvez achasse que a  empresa caminharia  sozinha, caso ele se permitisse dar um  tempo para si mesmo a fim de descansar um pouco. 

Ele sabia que na luta para se manter no topo, não podia perder o foco...precisava estar sempre atento e preparado para o próximo desafio que aparecesse...a concorrência não dava trégua, ele também não! O mundo dos negócios era uma roleta russa e ele pretendia sobreviver àquele jogo!

_Confirmou a minha consulta com o doutor Macedo, Ivete? _ ele perguntou interrompendo a secretária de repente, mesmo já sabendo a resposta.

Ela era eficiente o bastante  para realizar uma tarefa tão simples, ele sabia muito bem...talvez tivesse perguntado apenas para interromper a fala dela, favorecendo até ela mesma, que certamente precisava tomar um fôlego. 

A garota pareceu ficar meio perdida de repente e demorou um pouco para responder, provavelmente duvidando que o patrão a questionava sobre aquilo:

_Ah, sim...sim senhor! A sua consulta com o doutor Macedo já foi confirmada!

Ele continuou a andar direto para o elevador e ela só parou de falar quando viu finalmente que o chefe iria deixá-la falando sozinha.

_Boa viagem, senhor! _ ela gritou aflita  antes que as portas se fechassem.

O que aconteceria se ele fizesse o elevador parar entre os andares a fim de se isolar de todo o restante do mundo? Talvez não levassem mais do que cinco minutos para resgatá-lo, o que tornaria a sua atitude quase infantil e completamente sem propósito, pois ele sabia que apenas cinco minutos não lhe bastariam.  

Doutor Bruno Macedo, um médico renomado no mundo inteiro, o receberia no dia seguinte.

_Estou indo morar em Nova York, Marcos, mas sei que pra você não será problema continuar comigo. _ o médico havia dito confiante na fidelidade do outro. _Afinal, duvido que alguém o conheça melhor do que eu.

O médico realmente tinha por que se gabar...Acompanhava o empresário desde que ele ainda era apenas um garoto e o pai de Marcos entregara os dois filhos aos seus cuidados. 

Realmente não era problema viajar para fora do país a fim de fazer um check-up a cada três meses, mas naquele dia em especial, ele se sentia extremamente cansado e aborrecido a ponto de quase desmarcar o compromisso.

Não adiantava pedir para adiar a consulta, pois a sua agenda não permitia outra data. Ele havia  organizado  tudo com muita antecedência para poder estar disponível para viajar exatamente naquele dia.

A Cosméticos Atalla já tinha garantido  o seu nome no topo do mercado, mas uma outra empresa parecia querer tomar o seu lugar, o que demandava ficar atento e ter cautela ao fechar negócios...ao agendar compromissos...ele não se permitiria mudar o roteiro...não mesmo. 

Para Marcos, não existia o segundo lugar...não enquanto ele estivesse a frente dos negócios da família...não enquanto ele estivesse dando o sangue para que tudo continuasse exatamente como estava...exatamente como o pai, Júlio Atalla,  mantivera até o dia em que havia resolvido deixar os negócios nas mãos do filho mais velho. 

Júlio havia decidido se aposentar quando um acidente de carro havia levado o filho caçula, Darlen Atalla. Desiludido, ele e a esposa Cristina decidiram sair do país como se estando longe do Brasil  pudessem fugir da dor da perda. 

Marcos não tinha dúvidas de que se pudesse ter escolhido, o pai preferia que tivesse sido o filho mais velho e não o caçula  a morrer naquele dia!

_Você está enganado, Marcos! _um amigo havia tentado dissuadi-lo daquela ideia. _Os seus pais amavam o Darlen sim, mas também te amam da mesma forma!

_Tem certeza? _ ele havia questionado. _ Estivesse eu no lugar do meu irmão e os meus pais não teriam saído do país. 

_Estivesse o Darlen agora no seu lugar e a empresa da sua família já teria ido à falência, isso sim!

Marcos  fechou os olhos com força...só queria esquecer tudo aquilo por um dia apenas...só não queria ter tantas lacunas que nunca seriam preenchidas...tantos "E SE?" lhe atormentando a cabeça o tempo todo...Tantas perguntas sem respostas...aquilo era um verdadeiro inferno!

O elevador também estava quente e o empresário ficou aliviado quando sentiu uma lufada de vento quando as portas finalmente  se abriram.

_Boa noite, senhor Atalla. _disse o motorista respeitosamente abrindo a porta do carro para que ele entrasse.

_Boa noite. Chegaremos ao aeroporto  no horário, Emílio?

_Certamente, senhor.

Marcos  precisava de tudo sempre perfeito...sempre tinha necessidade de ter tudo sob controle e esse era um dos problemas que mais preocupavam o seu médico.

_Chegar num compromisso cinco minutos atrasado não é o fim do mundo, meu amigo. _alertava o médico.

_Nunca lhe disseram que tempo é dinheiro, doutor? _ ele havia retrucado. 

 _ Dinheiro não é tudo na vida...

Marcos sabia, mas precisava dele para manter os pais, o filho e pagar a pensão da ex-esposa...sem falar nas centenas de funcionários que trabalhavam pra ele.

_Um dia desses, a sua pressão vai subir tanto que aí você não vai chegar a lugar  nenhum!

_Reze para que isso não aconteça, Bruno, ou terei que demiti-lo. _ ele havia falado diante do comentário do médico. 

_Não organizo a sua agenda... _ o médico havia se defendido.  

_Mas é o responsável pelo homem que precisa segui-la à risca, doutor.

_Tenho certeza de que um pouco mais de flexibilidade não lhe faria mal.

Talvez a perda do irmão tivesse jogado diretamente na cara do empresário que nem que ele se esforçasse ao máximo seria capaz de controlar tudo na vida! Mas isso nunca o impedia de tentar!

Marcos pegou dois comprimidos e meteu na boca, com um pouco de água, desejando que eles pudessem desacelerar um pouco os seus neurônios a fim de  aliviar as cobranças de sua mente que não lhe dava um minuto de alívio. 

_Por favor, aumente o ar-condicionado, Emílio, que eu estou cozinhando aqui atrás! _ ele falou afrouxando um pouco a gravata e abrindo um pouco a camisa.

O motorista não quis discutir, pois já estava no máximo!

_Perfeitamente, senhor. _disse fingindo que aumentava a potência do aparelho e rezando para que o patrão fosse guiado pelo psicológico de achar que estava ficando mais fresco dentro do carro.

Marcos tombou a cabeça para trás, fechou os olhos esperando que os comprimidos fizessem efeito e a dor de cabeça melhorasse um pouco...mas como se fosse um castigo, as memórias vieram atormentá-lo mais uma vez. 

Darlen amava viajar...amava Nova York...amava a vida! Injusto demais ter tido uma morte tão estúpida! Uma vida ceifada de forma tão violenta por um descuido qualquer! Não dava pra se conformar com aquilo!

Marcos  sabia que era por aquele motivo  que se matava no serviço...assumia mais compromissos do que um ser humano normal seria capaz de cumprir...precisava dar ocupação extra  para todos os seus neurônios, a fim de não dar espaço para lembranças...memórias amargas...remorsos...dor...sentimento de culpa!

De repente, o carro deu sinais de que estava com defeito e o empresário imediatamente abriu os olhos e ficou em alerta. 

_O que houve? Por que paramos? 

O motorista entrou em pânico, pois sabia o quanto o patrão devia ter mudado a sua agenda para comparecer àquela consulta com o seu médico fora do país. 

_Algum problema com o carro, Emílio? _Marcos perguntou diante do silêncio do empregado.

_Parece que sim, senhor. _ disse o homem já agoniado.

_A revisão do carro está em dia? 

_Certamente, senhor! _ o outro respondeu rapidamente. _Deve ser coisa boba...dou uma olhada e resolvo o problema rapidinho...não precisa se preocupar, senhor. Chegaremos no horário ao aeroporto.

O pobre homem desceu do carro implorando a Deus para que não fosse nada sério, que ele mesmo pudesse se virar sozinho,  mas aquele não parecia ser o seu dia de sorte. 

Emílio não precisou de muito tempo para identificar onde era o problema. O defeito não poderia ser consertado ali no meio da rua, isso ele tinha certeza. 

Emílio respirou fundo, antes de voltar para dar a má notícia para o patrão.

_Lamento, senhor, mas não dá pra consertar aqui...

_Isso é problema seu! Dê um jeito! _ Marcos foi ríspido. _Preciso chegar ao aeroporto no horário! Não vou perder o voo por incompetência sua, Emílio!

_É claro, senhor..._ o homem já estava ligando providenciando para  que alguém viesse pegar o patrão. 

Marcos ficou nervoso com o contratempo...queria não ter adiantado todo o serviço a fim de realizar aquela viagem...queria não ter mais  aquele adicional de tempo ocioso que lhe custaria a tortura de acessar mais memórias dolorosas e desagradáveis...

_Resolvi o problema, senhor! _o motorista avisou visivelmente aliviado. 

_Quanto tempo terei que esperar? _ o patrão não pareceu satisfeito. 

_Quinze...no máximo vinte minutos, senhor...

_Vinte minutos? Não vou esperar vinte minutos parado aqui! _ Marcos explodiu.

_Dará tranquilamente para chegar ao aeroporto no horário, senhor, não se preocupe! 

Ridículo aquele conselho do seu motorista, ele sabia...como não se preocupar se já tinha percebido que o trânsito estava lento demais para garantir que ele conseguiria chegar no horário?

Cancelar a viagem não estava em seus planos...definitivamente não. 

Foi naquele momento que um táxi parou ao lado do carro de Marcos colocando o motorista em alerta, temendo pela segurança do patrão, já que estavam tão expostos ali no meio da noite.

Emílio encarou o taxista com cara de poucos amigos...Era um rapaz moreno, forte e que se vestia informalmente com uma camiseta de malha vermelha com o que parecia ser o emblema da empresa onde trabalhava. 

O rapaz falou com um sorriso amistoso no rosto bonito:

_Boa noite! Precisam de ajuda?

Emílio o encarou ameaçador, tentando passar a mensagem de que ele não era bem-vindo ali:

_Não, obrigado. Já chamei outro carro...

Marcos não saberia dizer o que deu em sua cabeça, quando ele ignorou a resposta do motorista,  abriu a porta do carro  e saltou.

_Preciso que me leve até o aeroporto! Rápido!

_O senhor é quem manda, chefe! _ o taxista respondeu tranquilamente. 

_Senhor, não creio que seja uma boa ideia..._ Emílio gritou  inseguro avaliando o homem que fez um gesto com a cabeça se despedindo dele. 

Mas Marcos já havia se instalado no carro do outro  e o motorista teve que agir rapidamente para colocar a bagagem do patrão no outro veículo. 

_Tenha uma boa viagem, senhor!

Emílio sentiu-se impotente quando viu o táxi afastar-se levando  o seu patrão.


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