Capítulo I
Arion
— Me tire daqui! — gritou o homem.
Estava preso novamente em um quarto, dessa vez sem janelas para escapar. Sentia-se impotente por não poder ajudar Sharaene. A lembrança da decepção em seu olhar quando descobriu sua verdadeira identidade o atormentava, mas não podia contar antes, não podia revelar seu passado. Precisava ser Arion para fazer a diferença, ser o herdeiro de Potissimum e da China, mas naquele momento, nem seu nome mudava algo.
Não tinha notícias de Zafrain nem de Winton. Sem sua mãe, seu poder diminuía a cada dia, os soldados eram trocados com frequência e suas fontes de ajuda diminuíam.
Sentado com as costas na porta, pensava em seus planos após escapar. Sabia que não seria morto, Adolf tinha muitos aliados e poder, mas sua mãe controlava toda a Ásia. Um passo em falso e uma guerra começaria, na verdade, ansiava por isso. Estava vivo apenas porque nem Adolf podia mudar a monarquia hereditária, matá-lo seria declarar guerra à China.
A mansão presidencial era gigantesca, com vários quartos, prisões subterrâneas e laboratórios, mas nunca imaginou que Adolf estaria usando cobaias humanas para suas tecnologias. Não gostava de imaginar onde Sharaene estaria, sabia que não estaria em um quarto como o dele.
— Jantar. — disse um homem, passando um prato de sopa por baixo da porta.
Arion o reconheceu pela voz, era um de seus homens, o primeiro a aparecer em dias.
Rapidamente, jogou a sopa em uma pia no canto do quarto e pegou o bilhete colado no fundo do prato.
"Algo grande está acontecendo. Fuja o mais rápido possível para longe daqui. Um diplomata de sua mãe chegará amanhã, e te soltarão para que não descubram."
Arion socou a parede após amassar o papel. Sabia que havia algo errado, Adolf não o prenderia por tanto tempo sem motivo.
Sharaene
Mentiras. Traições. Omissões. Mentiras e mais mentiras. Aquelas palavras, aquelas simples palavras, martelavam em sua mente, misturando-se a outras e a inúmeras dúvidas. Há dias, remoía tudo aquilo, tentando entender, tentando perdoar, mas sem sucesso.
Qual mentira fora a pior? Tentava pesá-las, mas era impossível decidir. Todos a decepcionaram. Ou talvez ela esperasse demais deles. No fundo, a maior parte da dor vinha das mentiras de Arion — ou melhor, Lírion — e de Rodolpho. Quase ria ao lembrar, ainda incrédula com o quão surreal tudo parecia.
Seu olhar percorreu a extensão da pequena cela. As paredes, outrora brancas, estavam descascadas e encardidas pela ação do tempo. A grade velha e enferrujada lhe dava visão somente de outra cela. Ironicamente, não havia janela para ver o nascer do sol.
Enquanto tentava afastar as memórias de um pesadelo recente, as lembranças do que a levara até ali voltaram a atormentá-la.
Arion, ou Lírion — já nem sabia quem ele era —, a olhava com tristeza. Tão diferente daquele olhar confiante e indiferente de antes. O Arion corajoso não existia mais. Ela não conseguia admirá-lo, ele era um estranho, alguém que ela nunca conhecera de verdade. E isso doía.
— Perdão. — foi tudo o que ele disse. Uma palavra vazia, sem efeito algum.
Sharaene nem se surpreendeu quando Rodolpho, de repente, socou o guarda. Estava entorpecida, movida por um impulso automático.
O homem de cabelos brancos acertou uma joelhada no estômago do soldado e correu até Sharaene. Ela ouviu o som de uma arma sendo destravada. Era o outro homem de Adolf, mas ele não ousaria matar Rodolpho ali, não naquele momento.
Quando os braços de Rodolpho a envolveram, Sharaene não reagiu. Ele sentiu um alívio imenso. Ela estava viva, podia senti-la perto de si, e isso lhe dava forças.
— Queria tanto que você não tivesse passado por isso. Fui fraco, não pude fazer nada, me perdoe. Vou te tirar daqui, prometo. — sussurrou ele, com a voz embargada. — Senti tanto a sua falta.
Ele a apertou com força, mas ela continuava imóvel, sem retribuir o abraço.
— Não se esqueça que eu a amo. — sussurrou ele. — Sua mãe está bem. Deixei um homem de confiança cuidando dela.
Sharaene ouviu tudo, mas as palavras não saíam. Na verdade, nem teve tempo de dizer algo, o soldado a separou de Rodolpho com brutalidade.
— Não pense que não farei nada por causa do seu pai. Não posso te machucar diretamente, mas posso ferir quem você ama. — disse Adolf, com frieza.
— Seu desgraçado! O que você... — Rodolpho não conseguiu terminar. O soldado o golpeou no pescoço, desmaiando-o.
— Levem-nos e prendam-na. Cansei deles por enquanto.
Depois disso, Sharaene só se lembrava de acordar na cela.
Havia mais duas pessoas em sua cela, mas pareciam sem vida. Seus olhares vazios sempre fitavam o chão, não respondiam a perguntas nem esboçavam reações. A única coisa que uma delas fazia era marcar com uma pedra cada dia que passava na parede. Sharaene fez questão de contar cada traço. Elas estavam ali há sete meses, a vida e a esperança já as haviam abandonado.
Raiva a consumia a cada segundo. Ódio de Adolf, de todos que mentiram para ela. Ainda não acreditava que Arion era Lírion, se sentia uma idiota por confiar em alguém tão facilmente após matar seu noivo, mas aquilo superava qualquer coisa que pudesse imaginar. Sentia raiva de Rodolpho por ter mentido, quando a pediu em casamento, acreditou que ele era sincero e confiável, mas agora duvidava de tudo. A mágoa pelos dois era enorme.
Pensava em sua mãe a cada instante, desejava com todas as forças que ela estivesse bem, não podia perdê-la. Se arrependia amargamente de ter entrado na competição, o preço que estava pagando estava sendo alto demais.
— AB87. — um soldado anunciou ao abrir a cela. Automaticamente, uma das mulheres se levantou e o seguiu.
— Espero que seu cérebro não frite hoje. — ele zombou, empurrando-a.
Sharaene sentiu um calafrio, imaginava que elas passavam por experimentos terríveis.
Aproximou-se da mulher que permaneceu na cela, mais jovem e magra que a outra, aparentava ter trinta anos. Seus olhos eram fundos e sua magreza extrema, como se sua pele fosse rasgar.
— O que fazem com vocês? — Sharaene repetia a mesma pergunta todos os dias.
Ela não se moveu, continuava encolhida no canto, vestia uma camisola suja e com buracos, era possível ver marcas roxas por todo seu corpo.
— Me fale, por favor. — implorou Sharaene. A deixava cada vez mais nervosa vê-la assim sem saber o que acontecia, e a impotência de não poder ajudar era pior.
Ela se encolheu ainda mais, como se quisesse desaparecer.
— Você tem família? Filhos? Alguém lá fora?
Pela primeira vez, a mulher a olhou, seu olhar era confuso, como se tentasse se lembrar de algo. Um minuto depois, voltou à expressão vazia, sem parecer vê-la.
— Você não se lembra? Esqueceu quem é? — perguntou Sharaene, exaltada. Aquela situação a apavorava.
Sharaene andava de um lado para o outro na cela, aflita, temia acabar como aquelas mulheres. Sabia que havia outros, na cela em frente, dois homens e uma mulher, encolhidos como elas, porém um dos homens às vezes andava em círculos.
Sharaene foi até a grade, tentando ver se não havia guardas. Como sempre, tudo silencioso. Temia gritar e atrair atenção, então, com uma pedrinha que achou no chão, mirou no homem que andava.
Errou na primeira, acertou seu braço na segunda, mas ele não reagiu. Na terceira, atingiu sua cabeça, fazendo-o olhar. Seus olhos eram azuis, quase cinza, nunca vira olhos assim em Inferius.
Ele se levantou e foi até as grades, surpreendendo-a com sua lucidez. Seus cabelos loiros iam até os ombros, sua pele era tão branca que parecia estar doente.
— Ei, o que aconteceu com vocês? — perguntou em voz baixa.
Ele a encarou com um olhar frio e penetrante, mas diferente dos outros, não era vazio, havia algo inexplicável.
— O que você acha? — perguntou com voz cortante
.
— Experimentos, mas por que eles não reagem e nem falam? — insistiu, nervosa com o olhar do homem.
— Você é burra ou so quer que alguém confirme o que já sabe?— ele perguntou friamente.— Enfrentamos a morte, a loucura, lugares que você jamais imaginaria, morremos todos os dias de formas horrendas.
Sharaene não se surpreendeu, já esperava por isso, o que aumentava seu ódio.
— Como você ainda está bem? — perguntou sem pensar.
Ele riu, uma risada melancólica.
— Vivi coisas piores fora faqui, vai demorar para fritarem meu cérebro. — respondeu, voltando a ficar sério. — Lembre-se: se te levarem, finja-se de louca, às vezes é melhor ser descartada do que viver neste inferno.
Ele voltou a se sentar, com a cabeça entre as pernas.
— Ei! Por que voltou para aí? Me explique! — implorou Sharaene, aflita.
Era a primeira vez que falava com alguém em dias.
— O que está fazendo? Fique quieta! — gritou um soldado.
Assustada, Sharaene voltou a se sentar. Percebeu que o homem era extremamente esperto, havia previsto a vinda do guarda e voltou a fingir. Ansiedade e raiva a consumiam, queria escapar, ver sua mãe, Winton e explodir todo aquele lugar.
Horas depois, a mulher foi arrastada de volta para a cela e jogada no chão. Seu corpo todo tremia sem parar.
— Você está bem? — perguntou Sharaene, ajoelhando-se ao seu lado. Aquela situação a estava enlouquecendo.
A mulher sussurrou algo inaudível. Sharaene se aproximou ficando com o ouvido próximoa sua boca, até que entendeu suas palavras:
— Eles vão matar você também, você será a próxima.
A mulher tremia ainda mais e sua boca começou a espumar. Uma convulsão. Sharaene já havia visto isso antes.
— Socorro! Alguém me ajude! — gritou, batendo nas grades, desesperada. — Ela está morrendo! Me ajudem!
Mas ninguém veio. Gritou por horas, até ver a mulher morrer na sua frete. A última frase dela ecoava em sua mente, a ânsia de vômito era constante, mas seu estômago estava vazio. A morte era real, mais assustadora que nas competições. Sentada contra a grade, chorava descontroladamente, sem saber como escapar.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top