Capítulo 9
Algumas pessoas só possuem o rótulo que as intitulam humanas, pois a real humanidade é algo desconhecido.
O trajeto até a área destinada à prova foi feito por vários caminhões. As pessoas eram transportadas em pé, todas coladas umas nas outras, nem um transporte de maneira descente foi cedido a eles.
— Mal consigo respirar aqui, Rodolpho. — Sharaene sussurrou. Estava se sentindo extremamente sufocada.
— Isso já vai passar, meu bem. — ele falou tentando a acalmar, porém no mesmo momento o caminhão passou por um buraco levando eles a serem pressionados contra a parede do veículo pelas outras pessoas.
— Desculpa, você está bem? — ele perguntou nervoso, recebendo como resposta um assentimento dela.
Sharaene estava encostada na lataria do veículo, enquanto Rodolpho estava com um braço estendido de cada lado do corpo dela, tentando fazer com que ninguém pudesse a esbarrar e mantendo uma distância que permitisse-a se sentir um pouco confortável.
As pessoas se sentiam desconfortáveis, mas a esperança nunca diminuía, pois todos estavam felizes. Já se sentiam até vencedores! A esperança deles era tudo que Rodolpho sempre sonhou em ter.
— Acho que essa prova não será fácil, isso é suicidio e ninguém parece perceber isso. — ele sussurrou somente para Sharaene escutar, não desejava estar ali, somente estava entrando naquela roubada por que faria de tudo pela jovem na sua frente.
— Não podemos julgar os outros Rodolpho, nós estamos entrando na mesma loucura que eles. — ela sussurrou de volta, ele não fez nem questão de responder.
O restante do caminho não demorou. Quando saíram do caminhão todos estavam suados, mas ninguém se importava com esse detalhe.
Aquelas pessoas haviam sido moldadas para amar o governo e tudo que o mesmo fizer em qualquer situação. Rodolpho pensava que o povo não era tolo por vontade própria, mas sim porque nasceram sendo ensinados a aceitar tudo como está e isso os tirou o desejo revolucionário.
Estavam em um lugar completamente deserto, para todos os lados as únicas coisas que podiam ver era areia, exceto por uma direção. Um palanque coberto por lona, com a maior mordomia possível estava montado, lá o vice presidente Adolf se encontrava sentado com sua expressão de autoridade. Ele possuía em torno de uns 45 anos, seus cabelos, que um dia foram negros, fazendo contraste com sua pele, já recebiam um tom grisalho.
— Bom dia. Agora terá início a prova de resistência, olhem para o chão existe uma linha vermelha demarcando várias quadrados a qual vocês não podem sair de dentro. Todos terão cinco minutos para se ajustarem. — ele falou em um pequeno aparelho que transmitia o som pelo local.
Logo uma bagunça começou, haviam 500 quadrados demarcados, as pessoas quase não tinham distância uma das outras.
— Fique ao meu lado. - Rodolpho pediu em um sussurro. — Estou com um mal pressentimento.
— Não fique, irá dar tudo certo. — ela disse enquanto se colocava dentro de um quadrado ao lado dele.
Na verdade ela queria dizer que também estava com um mal pressentimento, porém não queria o deixar pior. Algo naquela história a incomodava. A forma como o vice presidente mantinha um leve sorriso quase imperceptível no rosto; aqueles quadrados; aquela prova; tudo parecia uma loucura!
— Agora daremos início. Lembrem-se: o jogo só acaba quando somente 300 pessoas continuarem de pé. — Adolf anunciou com indiferença.
Rodolpho observava atentamente cada movimento dele, ele sabia o quanto Adolf era desumano, era notável que ele não se importava com nenhum deles. Tudo era somente um jogo para seu divertimento, um jogo que ninguém estava disposto a perder.
Sharaene observava cada pessoa naquele local, todos esperavam ficar de pé até o final, porém era notável que o calor impediria isso logo.
Seu olhar logo foi de encontro com a menina que havia chamado sua atenção no primeiro dia de provas. Ela vestia um simples vestido desbotado que possuía alguns buracos; sua pele morena estava suja, seus curtos cabelos crespos estavam presos em um simples coque, seu olhar se encontrava perdido enquanto fitava o chão. Sharaene logo percebeu que o homem que achava ser o pai da menina, não estava ali - provavelmente não passou para essa etapa.
O calor era agonizante, ainda mais naquela área deserta. Com poucos minutos de prova a sensação de incômodo já era sentida por todos.
Enquanto todos sofriam por causa do calor, Adolf aproveitava um refrigerador de ar que melhorava o clima da área que ele se encontrava. Ver logo nos primeiros minutos o sofrimento do povo o alegrava, sua ruindade não tinha limites.
Passado duas horas, seis mulheres haviam desmaiado, porém seus corpos continuavam ali no chão. A garganta de Sharaene se encontrava seca, suor escorria por todo seu corpo. Ela observava com indignação os corpos das mulheres no chão, esperava que aquilo acabasse logo, porém sem mais desmaios. Era notável nos rostos de muitos que estavam chegando ao seu limite. Aquele calor era mais intenso do que estavam acostumados.
Um chiado ao longe chamou atenção de Rodolpho, desde pequeno sempre possuiu uma audição elevada. Quando conseguiu distinguir o real motivo do som, o desespero tomou conta de si.
— Corram para os caminhões agora! — ele gritou chamando a atenção de todos, porém ninguém parecia entender. — Uma tempestade de areia! — ele gritou novamente.
A tempestade ainda se formava ao longe, porém logo os atingiria.
Os participantes olharam em direção aonde se encontrava Adolf esperando uma orientação vinda dele, porém ele não estava mais lá, havia entrado em seu carro forte para se proteger sem se preocupar com mais ninguém.
Um tumulto começou, Rodolpho tentava chegar até os caminhões com Sharaene, porém todos tentavam fazer o mesmo o que dificultava seu caminho até lá.
— Preciso achar uma pessoa! — Sharaene gritou largando a mão de Rodolpho.
— Não temos tempo! — ele gritou de volta, tentando a levar. Mas já era tarde demais, Sharaene corria no meio das pessoas.
A tempestade estava cada vez mais perto, por sorte ela demorava, porém isso não duraria muito. Eram muitas pessoas correndo, empurrando umas as outras, era difícil distinguir qualquer pessoa no meio daquele caos.
Alguns já entravam dentro dos caminhões, alguns homens carregavam as mulheres desmaiadas, todos tinham chances de se salvar. Sharaene estava desesperada, corria contra o tempo, quando a maioria das pessoas entraram no caminhão algo chamou atenção dela, uma pessoa havia acabado de tropeçar e cair no chão. Ela correu até a pessoa e por alguma sorte ou destino era quem procurava.
— Você está bem? — perguntou preocupada.
A menina assentiu, as portas dos caminhões estavam sendo fechadas o que só aumentou o desespero de Sharaene.
— Precisamos entrar em um logo! — exclamou enquanto levantava a menina.
— Não temos tempo. — Rodolpho falou aparecendo e pegando a menina no colo. — Venha.
Eles correram na direção contrária até chegar perto do palanque.
— Se abaixa. — ele ordenou.
Antes de obedecer, Sharaene olhou para frente. A tempestade estava a pouco metros deles, única coisa que teve tempo para fazer foi se jogar de encontro ao chão.
Rodolpho abraçava Sharaene e a menina, estar ali era arriscado, porém, se tentassem chegar aos caminhões sabia que seriam pegos pela tempestade.
O som do vento e dos grãos de areia batendo contra a lataria dos caminhões ecoava pelo local, aquele som incomodava Sharaene; ela desejava com todas suas forças que todas as pessoas tivessem conseguido entrar nos caminhões.
Os minutos seguintes foram torturantes, ninguém ousava se mexer, esperavam atentamente tudo acabar bem. A areais feria a pele, a sensação era agoniante. Quando o som dos ventos cessaram, todos ainda esperaram um tempo para se levantarem.
Sharaene, Rodolpho e a menina estavam cheios de areia. Quando levantaram tentando ver a situação, perceberam que não estava pior do que imaginavam, a tempestade não foi grandiosa o bastante para soterrar, somente trouxe uma grande quantidade de terra. Passavam a mão por seus braços tentando diminuir a ardência, o corpo de Rodolpho tinha cortes que sangravam.
Aos poucos cada caminhão era aberto, eram onze ao total. Todos desciam olhando o cenário com espanto, aliás não era algo de se ver todos os dias.
— Caros competidores, daremos início novamente à prova. Como a areia cobriu as demarcações fiquem em qualquer lugar do centro. — a voz de Adolf ecoou pelo local, ele estava de volta como se nada tivesse acontecido.
Rodolpho queria partir para cima dele, porém não podia fazer aquilo, era a saúde da mãe da pessoa mais importante da vida dele que estava em jogo.
— Calma Rodolpho, vamos continuar o jogo, já estamos aqui mesmo. —Sharaene falou pegando na mão dele.
Ela passou a mão pelos baraços dele onde escorriam sangue, ele havia usado seu corpo para as proteger. Se sentia culpada, sabia que ele não queria estar ali, porém não tinha coragem de pedir a ele para desistir.
Rodolpho queria gritar que tinham acabado de quase serem mortos por uma tempestade de areia, que aquela prova era uma idiotice sem fundamentos, porém sabia que aquela era única chance dela.
— Qual é seu nome, menina? — ele perguntou para a garota que se mantinha calada ao lado deles.
— Desirée. — ela respondeu em um sussurro, sua voz saira fraca por causa da sede que sentia.
Havia a reconhecido no primeiro instante que a olhou, se perguntava se Sharaene havia a ajudado por isso.
— Um nome bonito. — ele falou lançando um sorriso para a menina.
Sharaene iria falar algo porém, foi interrompida por outro pronunciamento de Adolf.
— Não quero conversas durante a prova, o próximo que falar algo será desclassificado.
Sharaene o encarou e ele a lançou um sorriso debochado. Era notável que ele havia falado isso em relação a eles. Ela sorriu para Rodolpho e Desirée enquanto segurava as mãos deles, apesar de nunca ter tido uma conversa com a menina, gostava dela.
Todos estavam em silêncios e concentrados em continuar de pé, ninguém reclamou, ninguém ousou se impor contra Adolf por ele os largar à própria sorte. Isso era o que o poder podia causar nas pessoas; isso era como uma sociedade se calava quando se é oferecido algo.
Mais três horas haviam se passado, quase 60 pessoas se encontravam desmaiadas no chão. Rodolpho e Sharaene se sentiam horríveis por não poder fazer nada, mas naquele momento eles dependiam do governo tanto quanto os outros.
Sharaene estava quase chegando ao seu limite, sua cabeça doía intensamente. Seus pensamentos estavam totalmente voltados para como deveria estar sua mãe naquele momento, até que sentiu algo molhar sua pele.
Estava começando a chover e aquilo era desesperador. Depois do declínio a chuva quase sempre era ácida, podia nem sempre corroer a pele das pessoas porém causava graves problemas de saúde. Ela era causada pela intensa poluição que nunca abandonou os céus e a que ainda era criada atualmente.
Não deveria estar chovendo naquele dia, a chuva ácida só costumava acontecer em certos períodos do ano, e aquele não era um deles. Sharaene já viu várias pessoas adoecerem por terem entrado em contato com aquela água, não podiam ficar ali.
— Não podemos ficar aqui! — Rodolpho gritou.
— Se vocês saírem estarão desclassificados. — Adolf rebateu.
— Não façam o que ele diz! Se ficarmos aqui iremos ficar doente e ninguém poderá vencer prova alguma! Todos ficarão incapacitados! — o rapaz gritou novamente, parecia inútil tentar convencer a multidão.
A chuva começava a ficar mais forte, Sharaene sabia que aquelas palavras de Rodolpho não adiantariam de nada para aquelas pessoas, precisava fazer algo.
Os únicos dois soldados que estavam ali tentavam conter Rodolpho, era a distração que precisava. Olhava para todos os lados tentando decidir o que fazer até que algo reluzente chamou sua atenção. Sem fazer movimentos bruscos deu alguns passos para frente e pegou o objeto no chão.
Rodolpho se sentia enfurecido, gritava com os soldados sem se importar se aquilo custaria sua vida, alguns homens já se juntavam a gritaria, era aquilo que ele queria, ver o povo se impôr. Tudo estava indo como ele queria, porém, tudo pareceu ir por água abaixo quando ele olhou em direção ao vice presidente. Sharaene caminhava lentamente atrás dele, seus passos eram extremamente calculados, porém era notável que aquilo não acabaria bem.
Sharaene não pensava em nada naquele momento, só agia por impulso pois não aguentava mais ver aquelas pessoas sofrerem.
— Olhem! Tem uma garota perto do vice presidente! — uma mulher gritou.
Agora não havia mais como voltar atrás, em um ato rápido Sharaene correu e colocou o pedaço de vidro contra o pescoço de Adolf.
Todos encaravam incrédulos. Rodolpho soava frio temendo o que pudesse acontecer a Sharaene.
— Largue isso ou iremos atirar em você, garota! — um dos soldados ameaçou mirando a arma em direção a ela.
Adolf não se mexia, Sharaene estava apavorada, ela segurava o vidro com tanta força que sua mão já estava cortada e pingava sangue sobre Adolf.
Rodolpho não podia deixar Sharaene ser morta daquela forma, sabia que ela não teria coragem de matar ninguém, porém por ela ele teria. Com agilidade pegou as duas adagas que havia escondido em suas botas e encostou cada uma na nuca dos dois guardas.
— Abaixem as armas ou vocês também morrem! — ele gritou com uma voz tão potente que fez até Adolf tremer.
Aquilo era um jogo; as peças se rebelaram; agora com um ato errado uma vida seria ceifada.
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