Capítulo 5
Criar expectativas às vezes é como se jogar de um penhasco, acreditando que não se machucará no final.
— Mãe, eu consegui! Nós vamos para Potissimum! — Sharaene gritou sorrindo enquanto entrava em casa.
Sua mãe estava sentada na cama. Suas olheiras eram profundas, ela encarava o nada, parecia nem ter escutado o que Sharaene tinha acabado de dizer.
— Mãe! — ela chamou tocando no ombro da genitora.
Viviane se virou para ela com um sorriso doce em sua face.
— Olá meu anjo, você demorou bastante hoje. — ela falou com a voz falhando. Há semanas havia começado a ter problemas para falar, consequência do avanço da doença.
— Mãe, eu já lhe disse para não me esperar, você precisa descansar. — a menina disse suspirando e abraçando sua mãe.
Viviane a esperava todos os dias, independente de que horas ela chegasse e isso cortava seu coração.
— Eu já descanso o dia todo. — ela retrucou fazendo bico.
Sharaene não conseguiu conter a risada, sua mãe tinha mania de agir como criança mesmo quando estava péssima.
— Tenho uma coisa maravilhosa para lhe contar! — disse animada. — Amanhã vou comprar nossa entrada.
— Que entrada, meu amor? — sua mãe perguntou , sua expressão era confusa, o que só fazia Sharaene rir mais.
— Para Potissimum, mãe! Eu consegui todo o dinheiro! — exclamou abraçando sua mãe ainda mais forte.
— Como? Isso é sério, Sharaene? — Viviane indagou incrédula.
— Sim, mãe.
— Onde você conseguiu esse dinheiro? — perguntou, Sharaene ficou nervosa, mas já esperava alguma pergunta assim.
— Trabalhando.
— Filha, eu sei que ninguém junta esse dinheiro todo trabalhando! — sua mãe quase gritou, mas nem teve tempo nem de lançar um olhar de reprovação a menina pois logo começou a tossir fortemente.
Sharaene correu e pegou um pouco de água para acudir sua mãe.
— Não, não precisa. — ela disse enquanto tentava inutilmente parar de tossir.— Precisamos economizar.
Escutar aquilo só causou mais raiva na jovem, odiava tanto aquela situação, até a água que bebiam, algo tão fundamental para a vida era controlada pelo governo.
— Você precisa!— Sharaene exclamou já começando a se desesperar.
Viviane não aceitou o líquido apesar da insistência, após um tempo sua tosse cessou.
— Você não deveria ser tão egoísta consigo mesma.— Sharaene resmungo.
— Não mude de assunto, estou cansada de você me esconder as coisas.— Viviane falou, sua garganta arranhava a cada palavra dita.
— Estou falando a verdade, mãe. — Sharaene respondeu, naquele momento se sentia péssima, não por sua mãe desconfiar, mas sim por não poder contar a verdade a ela.
Sua mãe a encarou, um olhar que parecia enxergar sua alma. Segundos pareciam horas naquele momento, até suas mãos tremiam com medo da reação de sua genitora.
— Ah, meu amor, você é a melhor filha que eu poderia sonhar em ter! Seu pai estaria orgulhoso de você. — sua mãe disse sorrindo. Era perceptível que ela não havia acreditado, mas preferia fingir do que deixar sua filha mal.
— Amanhã iremos mudar de vida, mamãe.
Sharaene não conseguiu dormir, a ansiedade era enorme. Quando o sol estava começando a nascer, já estava de pé indo em direção aos muros, nunca antes seus pés se moveram tão rápido.
Vestiu suas melhores roupas que se limitavam somente a uma calça jeans surrada e uma blusa azul de mangas. Por todo o caminho andava sorrindo, trabalhou por treze anos para alcançar essa meta; ninguém nunca antes havia chegado tão longe. Um lado seu se sentia mal por estar se iludindo considerando que tudo foi ganho com trabalho duro, sabia melhor que qualquer um que não foi.
Quando chegou perto do portão avistou a pequena cabine onde se vendia as entradas.
Tudo era processado por alta tecnologia. Instruções eram escritas em uma tela, o primeiro passo era passar pelo detector de íris e digital. Depois de ter realizado o primeiro passo, na tela avisava que ela deveria depositar o dinheiro em uma pequena entrada abaixo do leitor de digital. Rapidamente colocou todo dinheiro, estava tão ansiosa que tremeu durante todo o processo.
Por segundos nada aconteceu até que várias luzes vermelhas começaram a piscar. Um desespero invadiu seu corpo quando um holograma do vice presidente apareceu diante de si.
— Bom dia, venho lhe avisar que o preço da entrada aumentou: agora o valor é de 1 milhão. Não iremos devolver seu dinheiro pois sabemos que conseguirá ganhar tudo novamente, boa sorte. — ele disse com um sorriso cínico no rosto. — Lembre-se sempre: "Tudo o que fazemos é juntos. Sejam gratos."
Sem pensar, ela arremessou uma pedra no holograma. A raiva e decepção era tudo o que sentia naquele momento, lutou tanto por aquilo e agora tinha perdido tudo!
Não conseguia acreditar que depois de tudo aquilo havia acontecido, seus joelhos cederam, caiu já com as lágrimas banhando seu rosto. Soltou um grito, o grito mais alto de toda sua vida, sentia como se tudo estivesse desmoronado, todo sacrifício, economia, risco, nada tinha válido a pena. Seu coração parecia que havia se rasgado ao meio, sua mãe agora continuaria sem tratamento e aquilo acabava com ela.
Naquele momento, enquanto chorava, odiou o governo ainda mais. Naquele instante decidiu que lutaria para o derrubar enquanto vivesse. Sabia que não tinha poder, era um ninguém, porém o ódio de tudo aquilo a consumia.
Quando voltou sem ainda saber ao certo de onde tiraria coragem de encarar sua mãe, encontrou Rodolpho a esperando em frente a sua casa. Ele sorria.
— Como foi? — ele perguntou animado.
Ela nada disse, somente o abraçou como se sua vida dependesse disso. Sempre encontrou conforte em seus braços, porém naquele instante nem seu abraçado diminuía a dor que sentia.
— Eu não consegui Rodolpho. O preço aumentou. Agora é um milhão, e eu não tenho esse dinheiro. — ela sussurrou com a voz falha.
— Nós vamos conseguir. Se fizermos mais alguns roubos chegamos a essa quantia. — sussurrou ele a abraçando mais forte. Era notável que ele estava com raiva mas tentava amenizar a situação.
— Não, Rodolpho! — ela gritou se afastando dele. — Eles ficaram com todo o dinheiro! O vice presidente apareceu em um holograma e disse que eu teria que conseguir tudo de novo! Eu odeio eles! Eu odeio essa vida que somos obrigados a viver!
Sem dizer nada ele a puxou novamente para um abraço, não somente para a consolar, mas também para a calar, ninguém poderia escutar ela gritando aquele tipo de coisa.
Ela chorou mais que antes, chegou a pensar que não tinha mais lágrimas, porém estava errada.
— Eu estava tão perto de salvar minha mãe. — ela sussurrou.
— Você não precisa me salvar. Tudo acontece como deveria ser. — outra voz falou.
Com o susto olhou em direção da sua casa. Sua mãe estava lá.
— Mãe, do que está falando? — Sharaene perguntou se afastando de Rodolpho enquanto tentava inutilmente limpar as lágrimas para esconder que não havia chorado.
— Está tudo bem, minha filha. Você não precisa sacrificar sua vida para salvar a minha. — ela disse com um pequeno sorriso.
— Isso não é um sacrifício! — Sharaene exclamou, odiava escutar aquele tipo de fala de sua mãe.
— É sim. Você deixou sua vida de lado para cuidar de mim. Pare de fazer isso e cuide de si mesma. — Viviane falou. Seu tom de voz era calmo, mas Sharaene não queria ouvir aquilo.— Minha morte é inevitável.
— Eu não posso deixar você morrer! Eu não quero ver você morrer sem poder fazer nada! Eu não posso perder você como perdi o papai! — gritou e saiu correndo sem olhar para trás, estava surtando após tudo, somente queria poder fugir.
— Eu vou atrás dela. — Rodolpho disse à senhora Viviane e correu atrás de Sharaene.
A menina correu até não ter mais forças. Sentou escorada em uma casa qualquer e fechou os olhos; somente desejava que tudo que aconteceu naquele dia fosse um pesadelo. Sentiu alguém sentar ao seu lado, sabia que era Rodolpho então nem abriu os olhos.
— Não sinta raiva dela, nenhuma mãe gostaria de ver seu filho trabalhando tanto como você. Ela lhe ama e só quer seu bem. — ele disse após alguns minutos.
Ela respirou fundo e abriu os olhos.
— Eu sei. — foi única coisa que conseguiu dizer.
Após quase uma hora sentados ali em silêncio, sons estranhos ecoaram pelo local.
Vários helicópteros sobrevoavam o local. Ela nunca havia visto algo como aquilo, mas sabia o que era pelo o que sua mãe contava dos meios de transportes de Potissimum.
— O que está acontecendo? — perguntou.
Rodolpho nada disse, ele também queria saber.
Várias coisas começaram a cair sendo soltas pelos helicópteros. Se fosse algo perigoso nem haveria tempo para ambos correrem.
Vários papéis começaram a cair pelas ruas. Rodolpho pegou um no chão e começou a ler.
— "Olá! Através desse panfleto tenho a honra de anunciar uma oportunidade nunca vista antes, uma chance de ouro que não pode ser desperdiçada!
Um festival de provas será iniciado daqui a duas semanas, a primeira seletiva aprovará 500 pessoas e você pode ser um dos grandes escolhidos!
O prêmio poderá ser sua salvação e de sua família. Caso você seja o vencedor, ganhará riquezas inimagináveis e passagem direta para a classe Potissimum!
Para isso é necessário realizar somente um ato, SOBREVIVER ATÉ O SOL NASCER!"
Ambos se encararam quando ele terminou de ler.
— Você acredita nisso? — ela perguntou.
— Não. — a convicção na sua voz era tanta que a surpreendeu.
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