Capítulo 23
Quando saiu do banho a tentação em se jogar na cama e dormir era enorme, porém nunca se permitiria realizar tal ato, só de ter tomado banho enquanto muitos não tinham essa oportunidade já se sentia egoísta.
Quando estava chegando ao lado de fora novamente escutou uma gritaria.
— Mais problemas. — sussurrou para si mesma.
Pensou ser uma nova prova, porém, quando observou a enorme discussão percebeu que não era isso.
— O que está acontecendo? — perguntou a Desirée que se encontrava um pouco afastada da confusão.
— É somente um povo idiota tentando criar senso de justiça. — respondeu revirando os olhos.
Ela estava diferente, Sharaene não entendia sua mudança repentina.
— O que isso quer dizer?
— Vai lá e veja com seus próprios olhos. — a voz de Desirée estava fria, seu semblante fechado, após responder saiu andando.
Sharaene até queria ir atrás dela e perguntar o que estava acontecendo, porém possuía consciência de que aquela discussão era algo mais importante no momento.
Quando chegou perto tentou pedir licença para chegar ao centro mas foi completamente ignorada. Começou a empurrar e se espremer para passar, recebeu alguns xingamentos que não deu importância.
Quando chegou no meio da roda de pessoas, seu olhar primeiramente focou em um corpo. Era Dálio. Uma adaga se encontrava enfiada em seu peito. Estava morto.
A sua frente se encontrava Arion e um outro rapaz, ambos estavam sendo segurados por vários homens.
— O que está acontecendo? — ela perguntou para ninguém em especial.
Um homem que se encontrava no meio do círculo a encarou.
— Dálio foi encontrado morto nos corredores, no momento somente quem estava lá eram eles dois, agora iremos fazer justiça. — ele respondeu com arrogância.
— Você está me dizendo que vão matar quem assassinou Dálio? — ela indagou incrédula.
— Óbvio. — ele respondeu a olhando como se ela fosse uma pessoa louca que não entendesse nada.
— Se um deles matou ele devem morrer também, nada mais justo que isso.— uma mulher falou.
Sharaene começou a gargalhar, sua risada era carregada de arrogância e zombaria. Queria lutar para de alguma forma salvar aquele povo, porém, eles no momento estavam agindo como monstros.
— Vocês querem fazer justiça? — ela perguntou com escárnio. — Vocês passaram a vida inteira, ou em alguns casos metades de suas vidas, trabalhando como escravos, vivendo de maneira desumana. E agora querem fazer justiça? Vocês deveriam ter feito justiça em relação a forma como viviam inúmeras vezes, porém, vocês sempre foram tolos e cegos. Aceitavam tudo de bom grado achando que o governo sempre faz o certo. A vida nunca foi justa com vocês e ninguém se importou. Agora não venha com essa de fazer justiça com as próprias mãos, isso só os torna semelhante ao Adolf que matou inúmeros inocentes.
Quando parou de falar respirou fundo, havia chegado ao limite de sua paciência. Estava farta, estressada, pensava nas pessoas acima até dela mesmo, mas naquele momento estava farta de todos ali também.
Todos a encaravam incrédulos com sua fala, alguns concordavam, outros sentiam vergonha de si mesmos e alguns até ousavam a rotular como uma pessoa que só quer chamar atenção.
— Que discurso comovente. — a voz de Adolf zombando ecoou pelo local. — Quase escorreu uma lágrima aqui. Nós sabemos quem é o assassino e como vi a sede de vocês por justiça decidi fazer disso uma prova. Vocês deverão decidir quem é o culpado, todos devem dar sua opinião, todavia, somente a resposta final de Sharaene contará. Caso ela acerte todos estarão livres, menos o assassino, caso ela erre muitos morrerão. Boa sorte!
— Era o que me faltava. — a jovem resmungou, sentia que aquele homem tinha prazer em colocar problemas em suas mãos.
— Isso que dá querer ser sempre o centro das atenções.— alguém debochou entra às pessoas.
Sharaene não perdeu seu tempo procurando quem havia falado.
Um rapaz, alto e moreno, que segurava Arion resolveu tentar terminar aquilo logo.
— Faremos assim, quem acha que o assassino é o menino Winton, levante a mão.
Ninguém; nenhuma pessoa levantou o braço.
— Agora quem acha que é o Arion, levante. — pediu.
Todos com excessão de Sharaene e Kayron que evitava participar daquela loucura, levantaram a mão, ela não entendia o motivo de tamanha acusação generalizada.
— Por que acham que foi ele? — ela indagou seriamente.
— Ele não gostava do Dálio!
— Era o único que vi com uma adaga.
— Ele já havia o machucado.
Logo todos falaram ao mesmo tempo, Sharaene sabia que no fundo eles tinham motivo para duvidar.
— Chega! — ela gritou.
Seu olhar foi de encontro ao de Arion, ele permanecia com a mesma expressão séria e ao mesmo tempo superior, não aparentava se importar de ser acusado. Sua postura rígida e impecável não se desfez.
Quando seu olhar foi para o jovem o observou atentamente. Magro, baixo, bastante jovem, deduziu não ter mais de 14 anos. Seu olhar transbordava ingenuidade, aparentava ser um jovem bondoso incapaz de matar uma barata.
— Anda logo garota! Todos já falamos que foi o Arion, não adianta ficar pensando. — gritou alguém atrás dela.
Estava com raiva daquela confusão desnecessária que agora poderia causar mais uma morte. Não achava que terem matado Dálio foi certo, porém, repudiava a ideia de matar outra pessoa por isso.
— Winton é o assassino. — declarou ela em alta voz.
Todos a encararam incrédulos, ninguém acreditava naquela hipótese. No fundo ela sabia que também não deveria defender Arion, aliás já tinha visto que ele era capaz de matar, porém sua mente gritava que não tinha como ser ele.
— Você é louca garota?! — um homem gritou enquanto segurava os braços dela com força, ele estava prestes a lhe dar um tapa.
Sem pensar duas vezes, Sharaene deu uma joelhada no meio das pernas do homem.
— Nunca mais encoste em mim! — exclamou de forma ríspida, enquanto o homem se encolhia de dor e era acudido por uma mulher.
Ao ver aquela situação Arion abriu um pequeno sorriso de orgulho.
— Você está indo contra todos os outros, tem certeza de sua resposta? — Adolf perguntou.
— Tenho.
— Me conte o que levou a fazer essa escolha.
Ela pensou, havia criado uma teoria e esperava estar certa.
— Os braços dele tem marcas arroxeadas, na minha opinião ele entrou em uma luta corporal com Dálio.— ela falou tão rapidamente que foi difícil entender suas palavras, estava com medo, únicas provas que tinham eram as marcas, nada além disso o fazia parecer suspeito.— Provavelmente guardava a adaga que pegou na primeira prova e como sabia que não teria chances contra o mais velho, o matou.
Todos achavam aquilo um absurdo, aliás ele era só uma criança.
— Uma boa teoria. Detesto dar essa notícia, porém, você acertou. — o vice presidente respondeu com uma voz tediosa. — Agora Winton pagará por seu crime.
— Não! — ela gritou automaticamente. — Deixe o garoto vivo! Eu lhe imploro!
Não conseguiria deixar o menino morrer, havia visto além do seu olhar inocente muita dor e sofrimento, acreditava que ele era alguém bom.
— Como no momento estou muito bondoso, faremos um trato. Estamos criando uma nova tecnologia que lhe fará viver uma lembrança muito importante do seu passado. A primeira pessoa que testou o experimento teve seu cérebro totalmente torrado, somente uma triste consequência. — ele falou rindo, nenhuma morte o comovia.— Você deverá testar, caso consiga sobreviver, ele permanecerá vivo; isso pelo menos até a próxima prova. O que tem a fazer é reviver uma lembrança de forma neutra.
— Aceito! — ela exclamou sem pensar.
— Não precisa fazer isso. — Winton sussurrou ao tocar o braço dela, os homens que o seguravam já haviam o soltado.
— Claro que preciso, quero você vivo. — ela disse abrindo um sorrido gentil para ele. — Não tente me convencer ao contrário, já tomei minha decisão.
— Obrigada. — ele murmurou.
Um som estridente ecoou pelo local, logo o olhar de todos estava direcionado ao centro do campo.
O chão se abriu, ali era uma base de ferro, do buraco começou a surgir uma espécie de jaula, dentro dela existia uma cadeira e um estranho aparelho sobre ela.
— Entre na cabine.— Adolf ordenou.
Ela começou a andar na direção quando alguém puxou seu braço.
— Não faça isso! — Arion pediu.
— Eu preciso. — ela respondeu se soltando do aperto dele.
— Você tem que parar de não pensar em suas atitudes. Deixa eu ir no seu lugar.
— Pare de me importunar. — resmungou e andou mais depressa.
Quando abriu a porta da grade e entrou ela se fechou automaticamente, a trancando. Arion tentou abrir, gritou com a menina mas de nada adiantou.
— Sente na cadeira e coloque o aparelho em sua cabeça. — uma voz eletrônica ordenou.
Sharaene não raciocinava, agia totalmente por impulso. Sentou, pegou o aparelho semelhante a um capacete – era algo estranho –, vários fios que iam para um buraco abaixo da cabina estavam conectados. Uma luz amarela estava acessa em um pequeno círculo. Em um ato rápido o colocou na cabeça.
— Feche os olhos.
Quando fez isso uma luz vermelha se acendeu no capacete.
Arion encarava aquilo com ódio, se amaldiçoava mentalmente, queria ter jogado ela sobre seus ombros e a levado para longe dali. Odiava o orgulho e imprudência dela, parecia não raciocinar sobre suas atitudes, aquilo o irritava.
Quando ela abriu os olhos novamente estava no meio de várias pessoas, não entendia aquilo. Todos estavam indo em direção a uma enorme construção, sem ter outra escolha resolveu os seguir.
Era um estádio, as pessoas entravam e sentavam nas cadeiras, entrou em uma fileira qualquer e se sentou.
Em sua frente uma menina não parava de sorrir e falar animadamente com uma senhora, provavelmente sua mãe. Aquela garotinha a lembrava alguém, só não conseguia lembrar quem.
Enquanto encarava a menina não percebeu o movimento no centro do estádio. Estava confusa até o momento que viu o rosto da mãe da criança, naquele instante seu coração se despedaçou.
— Mãe! — ela gritou e a mulher parecia não escutar.
Tentou a tocar, porém sua mão passava direto. Não estava ali de verdade.
— O que vocês presenciarão hoje será um aviso. Um aviso para que vocês nunca se esqueçam à qual lugar vocês pertencem. — uma voz cheia de arrogância disse.
Nesse instante seu olhar foi para o centro do estádio, seu coração batia fortemente.
Logo os soldados apareceram trazendo vários homens.
Seu pai; seu amado pai estava entre eles.
Queria correr e impedir aquele acontecimento, mas não conseguia se mover, estava em choque. Rever aquilo novamente era mais torturante que a primeira vez.
Assistiu os soldados se prepararem e o fuzilamento começar, viu um a um cair.
Presenciou novamente seu pai cair morto.
Então ela gritou, gritou um grito tão alto que parecia capaz de rasgar sua garganta.
Então tudo ficou escuro.
Quando abriu os olhos, estava no estádio novamente, mas dessa vez não junto as pessoas nem nada. Estava em outro corpo, no de um soldado. Não conseguia controlar seus movimentos dessa vez.
Observou Adolf falar e depois fazer o gesto para o fuzilamento. Suas mãos levantaram, estava mirando em seu próprio pai, tentou de todas as formas controlar aquele corpo, jogar aquela arma no chão, mas não conseguiu.
O gatilho foi puxado, viu o tiro perfurar várias partes do corpo dele e o sangue jorrar. Sentiu o prazer daquele soldado em fazer aquilo, sentiu ele abrir um sorriso; ele sentia prazer em matar Yarique.
Quando todos os corpos estavam jogados ao chão. Ela pôde controlar aquele corpo, gritou e chorou de uma forma mais desesperadora que a primeira, havia se sentindo matando seu próprio pai.
Então tudo ficou escuro novamente, tudo iria começar de novo, porém agora estava em outro corpo, um corpo a qual fez seu coração se quebrar ainda mais.
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