Pessoas encurraladas sempre se desesperam e usam todas as cartas na manga para se safar. Quando questionei o meu pai sobre a ausência da minha mãe no jantar e se isso tinha alguma relação com os casos extraconjugais que todos sabemos que ele possui, George Durkheim rapidamente tentou desvalidar minhas perguntas ao jogar contra mim todos os rumores propagados na mídia ao meu respeito.
"Ao menos sou discreto, Tobias. Não envergonho a sua mãe publicamente, ao contrário de você, que diz tanto amá-la. Se Sara não quer mais participar das reuniões e eventos conosco, devia se perguntar se não há uma parcela de culpa sua nisso".
Fiquei furioso com sua distorção dos próprios erros, é claro.
Mesmo depois que ele se foi e voltou para o salão em que todos os convidados do jantar estavam reunidos, eu permaneci no corredor adjacente, remoendo-me com as suas palavras muito mais do que me remoeria em dias normais. Afinal, não é a primeira vez que George deixa claro que sou uma vergonha para o sobrenome Durkheim. No entanto, foi a primeira vez em que me perguntei se minha mãe podia mesmo sentir vergonha da reputação que criei para mim mesmo e que a mídia ficou feliz em propagar.
Eu teria mesmo o apoio dela se um dia resolvesse chutar o balde e sair do armário?
Fico pensando nisso. Na forma como nunca me importei em ser um devasso perante Orion, mas que me importo de ser rebaixado apenas a isso e de ter quaisquer argumentos desvalorizados por meu pai pelo mesmo motivo.
Foi a partir desse momento que comecei a pensar no namoro falso proposto por Elisabeth de uma forma menos ofensiva. Eu ainda preferia não ter que fazer parte dos planos da princesa, é claro, mas podia usar o namoro ao meu favor e ainda transformar o processo em uma pequena vingança contra ela e contra o meu pai. Certamente, se a princesa de Orion me escolheu como namorado (falso é apenas um detalhe) é porque devo ter qualidades que todos os outros deixaram passar. Meu pai pode desvalorizar o filho festeiro e de reputação duvidosa, mas não o filho que namora um membro da família mais poderosa do país.
Por isso, voltei para o salão, interrompi o momento entre Elisabeth e o desinteressante príncipe do reino de Krepost, a levei até nossas famílias e anunciei nosso namoro, então chegando ao momento de agora: todos os olhos sobre nós dois.
O rei Timotheo IV pigarra.
"Bem", ele diz. "Isso é inesperado".
Definitivamente, essa é a palavra que melhor define o momento e as reações de todos.
"Namorando", a rainha Irene parece ter comido algo com o gosto amargo, pois uma careta deforma as suas feições enquanto ela digere a situação. "Vocês dois estão namorando. Isso não é nenhuma brincadeira de mal gosto, não é, Elisabeth?".
A princesa maldita, que apesar de ter sido a mente maquiavélica por trás do plano também parece ter sido pega de surpresa por mim, desperta de seus pensamentos e pigarreia de forma semelhante ao pai.
"É claro que não, mãe. Tobias e eu...", ela hesita, estudando-me com olhos meio assustados e meio determinados demais para arredar à essa altura do campeonato. E eu sorrio, provocando-a e encorajando-a. "Nos apaixonamos perdidamente", ela repete o mesmo que foi dito por mim antes.
Eu assinto em aprovação, mas Elisabeth não percebe, porque se volta para a rainha com mais determinação. Até apruma a postura, o que a deixa mais altiva e uns dez centímetros mais alta do que eu.
"Posso soar indelicada, mas estou curiosa. Quando foi que isso aconteceu e como?", é Cassiopeia Maximoff e sua detestável curiosidade quem levanta os questionamentos que, tenho certeza, todos os presentes também querem saber as respostas.
Elisabeth rapidamente me olha, esperando que eu responda. Aparentemente, a princesa não pensou em todos os pormenores de nosso relacionamento falso. Ou se pensou, o nervosismo a fez esquecer.
Ponho na cara o meu mais belo e galante sorriso.
"Foi há algumas semanas", é o que digo. "Elisabeth e eu nos encontramos por acaso em uma casa de chá e acabamos sentando juntos, conversando e notando que temos muito em comum. É claro que a princesa se apaixonou quase instantaneamente e não poupou esforços em declarar seu inesperado amor por mim", a princesa me fulmina depois disso, estando chocada e brava com o que digo, mas apenas sorriu para ela e mantenho o personagem. Definitivamente, vingar-me usando o teatro criado por ele é uma vingança bem mais doce do que qualquer outra que eu poderia pensar. "Eu, que sou mais velho e deveras mais prudente, apesar do que os rumores dizem de mim, hesitei acerca de devolver os sentimentos da princesa. Sei que está nos planos de vossa majestade que sua alteza tenha um bom companheiro e não me sinto exatamente à altura de tal papel. Mas Elisabeth é insistente, vocês devem saber", faço minha melhor cara de pobre homem que em nada tem culpa de ter sido o escolhido de uma louca (o que não está exatamente longe da realidade).
"Ela me procurou várias vezes e não consegui permanecer magnânimo quanto aos seus sentimentos. Como podia não devolver a ardente paixão de sua alteza, quando ela é inteligente, bela e tão, mas tão amorosa?".
Alguém deixa uma risada escapar e depois disfarça com um acesso de tosse, mas não confiro se foi Leonard ou Caellum. Os meus olhos estão apaixonadamente em Elisabeth, cuja tez franzida demonstra a ardente chama da irritação. Ela me faz sorrir, é claro.
"Nesse caso, acho que nada resta a nós a não ser apoiá-los", o próprio rei conclui, muito mais tranquilo que a esposa.
Irene Maximoff parece ter engolido do mesmo sapo que o meu pai.
"Fico feliz pelos dois, lorde Tobias e princesa Elisabeth", a belíssima rainha de Krepost (cujo nome nunca me lembro) nos oferece um sorriso.
"Obrigado, majestade", como Elisabeth ainda parece estar digerindo a sua irritação, acabo respondendo por nós dois e acenando em respeito.
"Por que não deixamos toda esta comoção de lado e voltamos aos assuntos cruciais?", apesar de falar isso para os outros, George Durkheim mantém os olhos em mim e sei que ele vai querer tirar melhor essa história a limpo depois, mas não me importo.
"Sim, claro", rei Timotheo IV logo assente.
Os adultos mais velhos se dispersam rápido, sendo a última a se afastar a rainha (o que me deixa com a sensação de que Elisabeth também terá uma longa conversa mais tarde). Os mais jovens, porém, permanecem ao nosso redor.
"Isso é tão inesperado que acho que estou esperando acordar e perceber que foi só um sonho maluco do meu subconsciente exausto", Cassiopeia nos observa como se pudesse ler a palavra FARSANTES nas testas de Elisabeth e eu.
Tomo isso como um desafio e puxo a princesa para mais perto de mim, colando o seu quadril no meu. Certamente, se existe alguém que pode descobrir que o namoro é falso, esse alguém é a intrometida lady do condado Morfeu e seu Q.I maior que 100.
Cassiopeia arqueia uma sobrancelha quando percebe o meu gesto.
"Inesperado mesmo", Caellum, irmão gêmeo dela (mas não tão inteligente quanto), comenta. "Porém é uma desculpa muito melhor para ter furado comigo e não ido à festa de ontem".
"Pois é", sinto-me como uma atração de circo sendo avaliada pelo público. Eu disse várias vezes para Elisabeth que esse namoro não convenceria ninguém, mas agora me pego desejando que convença só para ter algo em que me apoiar nas discussões futuras que terei com o meu pai.
Se sou tão vergonhoso para você assim como posso ser namorado da princesa de Orion, hein?
"Vocês disseram que já faz semanas que estão em um relacionamento", Kyle, que também parece longe de crer na força da paixão existente entre a princesa maldita e eu, comenta. "Por que não comentaram com ninguém antes e deixaram para fazer isso hoje?".
"Nós comentamos!", Elisabeth enfim fala algo, mas soa amadoramente exaltada demais e praticamente implora que acreditem nela. Posso ser um ator ruim, mas a princesa é tão pior que eu que lhe dariam um Framboesa de Ouro. Acho até que ela percebe isso, porque pigarra antes de continuar, mais calma: "Antonella sabia. Ela foi nossa cúmplice".
É a vez de todas as cabeças ao nosso redor se voltarem para a jovem de verde, cujas bochechas entram em chamas com tanta atenção.
"Sabia mesmo, Antonella?", Leonard questiona.
"S-sim", pelo visto, atuar mal é de família. Preciso reunir todo o meu autocontrole para não revirar os olhos.
"Não entendo tanta comoção", sendo quase sempre a voz da razão, Aeryn Kannenberg se pronuncia. "Se os dois são namorados, isso só diz respeito a eles".
Quase beijo a namorada do príncipe Kyle por ser a sensatez em tamanho compacto de gente, mas provavelmente levaria uma tapa depois, então me contenho.
"Não só a eles", Cassiopeia a contradiz. "Amanhã, Orion inteira saberá desse namoro e isso passará a ser da conta de todo o reino. O devasso lorde Tobias e a princesa Elisabeth juntos".
"Estamos preparados para isso", Elisabeth afirma, quase me fazendo saltar de susto quando inesperadamente entrelaça a sua mão na minha. "Acreditem ou não, Tobias e eu nos gostamos de verdade".
"Então perdi para valer o meu companheiro de noitadas", Caellum soa decepcionado, apesar de sorrir.
Eu me coço para não contar apenas a ele que isso tudo é fingimento. Se Elisabeth tem Antonella como cúmplice, eu merecia ter alguém também.
"Bom", a princesa respira fundo, ainda segurando a minha mão. "Se já acabaram o interrogatório, preciso que cuidem de nossos amigos de Krepost enquanto o meu namorado e eu trocamos algumas palavras. Com licença".
Ela não pergunta se eu quero trocar palavras com ela antes de começar a me levar para longe dos outros, rumo ao corredor onde antes estive com o meu pai e depois até uma varanda que há no final dele. Assim que saímos para fora, Elisabeth fecha as portas de vidro, impedindo-nos de ouvir o barulho no salão, e eu me recosto no parapeito da varanda, abrindo um sorriso quando a princesa me olha com os olhos em chamas.
"Você...", seja lá o que se passa na cabeça de Elisabeth, ela não parece conseguir pôr em palavras, pois o você paira entre nós sem um complemento.
"Eu?", a instigo a continuar, pois sou bastante acostumado a tirar as pessoas ao meu redor do sério.
A princesa bufa, enraivecida. Depois, fecha os olhos por um momento, vira-se de costas e só depois de um ou dois minutos torna a me olhar, aparentemente mais calma.
"Por que fez isso?", enfim, a princesa questiona algo que faz sentido.
Eu dou de ombros.
"Até onde me lembro, a ideia de assumirmos um namoro falso hoje foi toda sua, alteza. Até me chantageou para isso".
Elisabeth parece frustrada.
"Não assim. Não dessa forma", ela rebate. "Fez parecer que não foi algo pensado e eu tinha planejado comentarmos sobre o namoro durante o jantar, dando um ar mais sério. Talvez até brindássemos e fosse mais convincente", faço uma anotação mental de que a princesa não gosta quando as coisas saem do seu controle e fica inquieta quando isso acontece. Só para poder proporcionar a ela mais situação assim depois, é claro.
Enquanto Elisabeth anda de um lado ao outro da varanda, eu a observo de braços cruzados e com um sorriso debochado.
"De qualquer forma, está feito", digo.
Ela para e gira nos calcanhares, fazendo a saia do seu vestido rodar. Depois, ainda mais contrariada, franze as sobrancelhas e me olha com ainda mais irritação (se é que isso é possível).
"Eu sei", ela sibila. "Por que acha que estou brava?".
"Não sei", acabo dando alguns passos na direção de Elisabeth e ficando na frente dela. "Costumo deixar as pessoas assim, então parei de me importar ao ponto de querer saber os motivos. Mas caso também não esteja lembrada, eu disse que seria o pior namorado possível se insistisse na ideia do namoro falso. Se for ficar brava com cada coisa que eu fizer, ao final dos três meses terá uma ruga bem aqui", levo um dedo até sua testa franzida e a princesa quase perde o equilíbrio ao tentar se afastar de mim.
"Acho que interpretei que seria negligente e não que levaria esse namoro mais a sério até do que eu mesma", Elisabeth cruza os braços, como que tentando impor uma barreira entre nós.
"Mudei de ideia", torno a dar de ombros. "Resolvi que, se não posso dizer não quanto a esse namoro, pelo menos o usarei a meu favor também. Você será o alvejante que limpará as manchas da minha imagem".
Elisabeth parece ficar surpresa.
"Perdão?", ela questiona, como se não conseguisse acreditar. "Acha mesmo que ser meu namorado salvará a sua imagem?", a princesa debocha. "No máximo, todos sentirão pena de mim. Vão se perguntar se não estou sendo traída ou se apenas não me importo".
"E não estarão muito longe da verdade", percebo. "Continuarei com meus casos, porque você não se importa. Só que tomarei mais cuidado. Seremos um exemplo de casal perdidamente apaixonado para os outros e inimigos entre nós".
"Disse que não faria nada que os outros namorados fazem, esqueceu?", por algum motivo, Elisabeth parece muito mais apavorada com a minha dedicação do que quando ela não existia.
"Isso foi antes", retruco. Antes de perceber que posso tirar vantagem disso também. "Mas será tudo para os tabloides. Entre nós.... Você pode continuar fingindo que me repudia e eu te odiarei abertamente".
"Eu não finjo que te repudio. Eu te repudio de verdade", Elisabeth afirma.
E eu, que não descarto um desafio quando vejo um, apenas para contraria-la me aproximo da princesa e a enlaço pela cintura de surpresa. Os olhos de Elisabeth se arregalam, é claro. Ela também engole em seco. Mas não faz nada de imediato para me afastar, e então provo o meu ponto: ela não me repudia. Até deve me achar atraente.
Com um sorriso brincando em meus lábios, inclino-me para sussurrar ao seu ouvido: "última cláusula do contrato: não pode haver sentimentos entre os participantes do acordo. Dessa forma, não vou beijá-la. Já provei que não me repudia ou do contrário já teria me empurrado".
Como se só então se desse conta de quão próximos estamos, Elisabeth se afasta e franze as sobrancelhas em uma nova carranca de irritação.
"Não me toque", ela fala.
"Não o farei", elevo as mãos, como quem se rende.
Elisabeth não me olha nos olhos. Mesmo sob a pouca luz da varanda, percebo que o rosto dela está corado quando a princesa mexe na saia do vestido, alisando-a.
"É melhor voltarmos para o salão", ela diz.
E, possivelmente pela primeira vez, concordo com algo que Elisabeth fala.
xXx
Pelo resto do jantar, não ocorre mais nada que seja tão marcante quanto a notícia de meu namoro com a princesa. Enquanto Elisabeth e eu fingimos amor eterno ao andarmos de mãos dadas e pegarmos bebidas um para o outro, os representantes de Krepost e de Orion falam sobre política.
Quando o evento chega ao fim e tenho que me despedir de Elisabeth com nossos amigos como testemunha, beijo a sua mão e a vejo sorrir antes de me dar um rápido abraço.
"Nós nos falamos depois", dizemos.
Assim que chego em casa com Lucas e o lorde Durkheim, George me segue até meu quarto e deixa bem claro que acha Elisabeth uma desequilibrada por ter me escolhido em meio a tantas opções melhores (como o príncipe impuro de Krepost, ele deixa claro e dá ênfase ao adjetivo para provocar). Aí, como se já não fosse o bastante, meu pai também adverte ao final que, se machucar a princesa e causar algum atrito com os Greenhunter, serei deserdado.
É uma longa noite de muito mais insônia que de sono em si, graças a todos os eventos ao longo do dia.
Na manhã seguinte, quando saio dos meus aposentos, o apartamento está em silêncio e isso me traz paz. Acho o meu celular sobre a mesinha de centro (onde deixei antes de sair com Lucas ontem) e encontro algumas muitas mensagens.
Irmão Com Cérebro de Ervilha: voltamos para Minerva mais cedo. O papai ficou transtornado com essa história do namoro e quis voltar assim que o sol raiou. Ele não achou necessário que nos despedíssemos.
Nenhuma surpresa quanto a isso. No fundo, acho até que fico grato por eles terem partido e eu não precisar me desgastar ainda mais com George e suas opiniões sobre mim e hipocrisias.
Cal: seja honesto e admita que só está com a Lizzie temporariamente e que não me abandonou de verdade nas noitadas de Dominique. Jurou que ficaria solteiro durante toda a faculdade, seu traidor.
Secretamente, ainda mantenho o juramento. Secretamente.
Irmão Gênio: COMO ASSIM VOCÊ ESTÁ NAMORANDO A ELISABETH? O TIMOTHEO ESTÁ PENSANDO EM TE MATAR, SE NÃO DISSER QUE É MENTIRA!
E aí, só para comprovar que David não está mentindo, a próxima mensagem é:
Rei da Beleza, Timotheo V: eu vou te enfocar com as suas próprias bolas se não explicar essa merda que está em todos os jornais e todo mundo no quartel está comentando. É BOM ME EXPLICAR.
Por fim, a última mensagem só podia ser dela:
Princesa Maldita: sorria, estamos em todos osblogs e jornais e canais sensacionalistas do país. Alguém do palácio vazou "nossonamoro".
"Eles dizem que garotos bons te levam para o paraíso, mas garotos maus trazem o paraíso para você". A música do capítulo foi Heaven, da Julia Michaels.
Até a próxima!
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