55. O GRANDE DIA

Decidir o lugar em que o casamento seria realizado foi outro desafio dentre os tantos que tivemos ao longo da organização do evento. De primeira, por razões práticas, Miranda e eu cogitamos o Maximoff Plaza mesmo, que possui um salão de festas de tamanho considerável em seu andar térreo. No entanto, mudamos de ideia por não querermos nada que nos lembrasse de Patrick e Nancy no nosso momento, depois de eles terem deixado tão óbvio o quanto permanecem contra nós.

Por isso, a segunda opção foi o jardim da mansão Feng, mas tememos causar algum desconforto histórico para os Greenhunter em razão de sua rixa histórica velada. Então, afinal de contas, o local escolhido foi o antigo rancho do meu pai Xiao Jun. Um lugar no interior do Condado Moros, há quase trinta quilômetros de distância de Dominique.

Eu não piso no rancho há anos. Depois que papai morreu, ir para lá perdeu o sentido e se tornou algo doloroso, então só voltei algumas poucas vezes para visitas breves, com o intuito de conferir que a sua memória ainda estava bem guardada.

Por isso, na manhã do casamento, quando entro na propriedade com meu carro e sigo até a garagem subterrânea do casarão, sinto como se viajasse no tempo.

Quase posso ver a minha versão criança seguindo Xiao Jun até as baias para alimentar os cavalos e tocar seus pelos marrons, torcendo para que papai perceba o quanto desejo que ele me coloque sobre a sela e me leve por um passeio até os limites do rancho, onde começa o bosque.

Quando dou por mim, tenho lágrimas nos olhos.

"O senhor vai estar de olho em mim hoje?".

Não sou muito crente. Nunca acreditei muito na ideia de haver Ancestrais meus me guiando rumo à uma vida de aprendizado e prosperidade. Mas, por algum motivo, pensar em meu pai me vigiando hoje me faz bem.

"Gostaria que estivesse aqui, mesmo que tudo esteja bagunçado", penso em voz alta. "Apesar de tudo, sou seu filho, não sou?".

Saio dos meus devaneios quando outro carro entra na garagem e o reconheço como pertencendo a Cepheus, que desce do veículo acompanhado de Ren.

Rapidamente, porque sei que meu irmão também reconhece o meu carro, limpo os vestígios de lágrimas e saio do automóvel para me juntar a eles.

"Você já chegou?" Não escondo a minha surpresa.

O casamento é somente à tarde, então não espero encontrar ninguém além dos funcionários do cerimonial e do buffet correndo de um lado para o outro.

"A mamãe me pediu para vir te fazer companhia", meu irmão esclarece, e penso que deve ser uma dedução óbvia que Katherine estaria metida nisso. "Ela vai mandar alguns funcionários para um dia de beleza, então resolvi me aproveitar. Preciso de uma limpeza de pele para manter a minha porcelana, sabe como é", ele desliza uma mão pelo rosto de pele perfeita, exibindo-se.

Eu reviro os olhos.

"Já entendi que não veio por mim, irmãozinho", eu respondo. "Ainda assim, estou feliz de ver você e o Ren", o namorado de Cepheus me oferece um sorriso tímido e um aceno de mão quando eu o cumprimento. "Esse lugar ainda mexe comigo".

"Dá pra ver o papai em todo lugar, não é?" Apesar de ser mais novo quando o perdeu, Cepheus também sente muito a sua partida repentina. "Quando você disse que o casamento seria aqui, eu achei que estivesse brincando. A Cassie deve ter ficado muito irritada".

"Ficou", admito, lembrando-me de como minha irmã ameaçou não aparecer quando recebeu o convite há algumas semanas. "Mas eu disse que a cerimônia seria no jardim frontal e que ela só precisava aparecer por lá, o que deve ter funcionado".

"Duvido que ela entre no casarão ou que vá olhar os cavalos", Cepheus diz.

"Você vai lá?" Eu próprio não me vejo indo até as baias. Além da grande maioria das minhas lembranças com papai terem esse lugar como cenário, lá também foi onde ele teve sua morte súbita. Não quero manchar minhas memórias criando outra em que o vejo morrendo sozinho de um ataque cardíaco repentino. .

Ceph dá de ombros.

"Talvez depois do casamento", ele diz. "Agora, vamos cuidar para que esteja apresentável, Caellum Maximoff. Senão, vou apoiar a Miranda, se ela quiser fugir de um noivo tão desleixado".

xXx

O dia de beleza leva realmente boa parte do dia. Temos pausas apenas para o almoço e o lanche entre sessões de limpeza, esfoliação e massagens. No meio disso, alguém corta o meu cabelo, o qual eu não mexia desde a despensa militar, e lhe dá forma. Outra pessoa deixa minhas unhas limpas e brilhantes e mais outra me faz uma maquiagem leve, que disfarça as manchas de acne que, ao contrário do meu irmão, eu possuo.

Quando enfim estou pronto, vestido a caráter para ser um noivo, sou deixado sozinho e noto pela janela de meu antigo quarto no casarão que a decoração do casamento já está pronta e que carros despontam no horizonte com os primeiros convidados.

Restam somente cerca de uma hora para o início da cerimônia, e isso significa que Miranda também chegará em breve, o que me faz perguntar a mim mesmo se ela está tão ansiosa quanto eu para finalizar tudo.

Apesar de ter tido vontade de falar com a minha noiva várias vezes ao dia, eu não consegui tempo e sei que Miranda, assim como eu, devia estar lotada de coisas para fazer e, provavelmente, não me atenderia.

Com a mente longe em razão dos meus pensamentos, não noto quando a porta do quarto é aberta. Só me dou conta da presença de mais alguém comigo quando sinto uma mão no ombro e me viro no susto, apenas para dar de cara com um sorriso repleto de lágrimas da minha mãe.

"Ah, Caellum...", ao me analisar, ela leva uma mão à boca em sinal de emoção. "Você está tão bonito, meu filho. Nunca pensei em como me sentiria quando este dia chegasse, mas sei que, nem de longe, me imaginei tão emocionada quanto estou. É um homem agora".

"Eu só vou me casar, mamãe", brinco antes de abraçá-la, confortando-a em seu momento de mãe coruja.

"Ontem você era só um rapazinho levado e agora é um homem prestes a se casar. Eu simplesmente não consigo acreditar", ela continua me dando vontade de rir, porque a sua indignação com o meu crescimento é divertida. "E o pior de tudo é que eu sei que não vai demorar muito para os outros seguirem pelo mesmo caminho. Eu vou ficar sozinha, sofrendo com o ninho vazio".

"Que dramático, dona Katherine. Então por que a senhora não se casou de novo e teve mais filhos enquanto pôde, para evitar isso?".

A simples ideia a faz se afastar de mim e me dar uma tapinha no ombro, quase ofendida.

"Você sabe que o meu único interesse depois da viuvez se tornou o trabalho".

Isso porque Elio Prescott pareceu impossível. A quem ela pensa que engana quando, na última vez em que foi babá para os gêmeos, ela e papai dormiram juntinhos no sofá e agiram feito adolescentes pegos no flagra quando Miranda e eu chegamos?

"Isso é deprimente, mamãe. Trate de arranjar um namorado. A senhora só tem quarenta e cinco anos e é bonitona demais para viver só pelos filhos e o trabalho", analiso-a de cima a baixo em seu vestido vermelho, deixando-a corada... E irritada.

Mas antes que mamãe possa me retrucar, batidas soam na porta e, como se o destino quisesse rir dos meus pais comigo, a voz de Elio soa incerta do lado de fora:

"Caellum?".

Mamãe parece em pânico diante do meu sorrisinho. Ela balança a cabeça em negação, mas finjo que não a vejo.

"Pode entrar!".

Sem fazer ideia do que o aguarda no lado de dentro, Elio Prescott abre a porta e surge em um elegante smoking preto. Apesar de seu cabelo estar indomável como sempre, esse deve ser o seu visual mais bem afeiçoado. Meu pai biológico exibe uma expressão confusa, com a testa franzida, e nos analisa com cuidado ao entrar e se juntar a mim e a minha mãe.

"Perdoe-me, eu não sabia que você estava ocupado", ele fala diretamente para mim, provavelmente temendo deixar mais óbvio que ele estava sondando a minha mãe com o olhar. Francamente, eu sei que Katherine Maximoff é bonita pra caramba e que manter os olhos longe dela é um desafio, então jamais o julgaria por isso. Pelo contrário. "Eu posso voltar em um outro momento...".

"De jeito nenhum!" Mamãe se exalta e cora outra vez quando percebe. Ela pigarreia. "Eu já estava de saída. Vim apenas ver o Caellum antes da cerimônia. Podem ficar à vontade".

Como se fugisse de alguém, e talvez esteja fazendo isso mesmo, mamãe me dá um beijo no topo da cabeça, acena para Elio e depois sai do quarto o mais rápido que os seus saltos altos permitem.

Eu tento disfarçar o quanto acho isso engraçado quando olho para meu pai, que só parece absurdamente confuso com o que acabou de acontecer.

"Também vim para cumprimenta-lo rapidamente", ele me diz. "A cerimônia está linda e você também".

"Fazer o quê? Eu tive a quem puxar", indico-o em seu smoking, também o fazendo ficar vermelho, o que me faz questionar a mim mesmo como fui ter pais tão sensíveis.

Elio pigarreia.

"Admito que estou um pouco nervoso sobre ser o seu padrinho agora que estou aqui. Não sei se deveria ter aceito o convite quando há tanto em jogo. Se descobrirem a verdade...".

"Eu não acho certo que o senhor perca mais um momento importante da minha vida por erros do passado", eu respondo. "Seu lugar é no altar. Se o mundo fosse do jeito que era para ser, deveria estar do lado da minha mãe e não como meu padrinho, então não pense em nada que seja minimamente ruim sobre isso. Se as pessoas quiserem especular coisas a respeito, que especulem. Eu só lamento por não poder falar a verdade para todo mundo".

Sinto-me orgulhoso de mim mesmo pela simples maneira como ele me olha, como se estivesse surpreso, mas também satisfeito com as minhas palavras.

Sem dizer nada, Elio se aproxima e apoia uma mão em meu ombro.

"Quero que seja muito feliz de agora em diante, Caellum".

"Também desejo o mesmo para o senhor, pai".

É a primeira vez que me permito chamá-lo diretamente assim, o que parece pegá-lo de surpresa, porém de uma forma boa. Os olhos de Elio ficam minguados, mas há um sorriso na sua boca e ele me olha com todo o carinho do mundo antes de me dar um abraço repleto de coisas que nunca pudemos falar um para o outro.

"Sabe, eu estou feliz que seja meu pai".

"E eu estou feliz que seja meu filho".

Nosso momento mágico em que tudo parece estar em seu devido lugar só é quebrado quando a porta é aberta de forma abrupta, separando-nos.

"Cassie...", não escondo a surpresa ao vê-la. "Você entrou no casarão".

"Estava procurando por você. Eu não sabia que estava ocupado. Peço desculpas".

Ela lança um breve olhar para Elio e depois faz menção de que vai embora, mas me apresso em pará-la:

"Fique!" Digo, mas minha irmã não parece muito à vontade quando para de fechar a porta e nos olha repleta de incerteza. Assim como Katherine, ela está linda com seu cabelo preso em um coque elegante e um vestido vermelho de ombro único. "Eu quis dizer que estou surpreso que tenha entrado, porque detestou a ideia de que o casamento fosse aqui".

"Só queria vê-lo antes da cerimônia", ela responde, ainda no corredor. "Já vi, então vou indo".

Cassie fecha a porta antes que eu volte a tentar fazê-la ficar, e noto que Elio parece desconcertado pelo que acabou de acontecer.

"Eu não acho que ela aprecie muito a minha presença".

"Não se preocupe, a Cassie é assim com todo mundo".

Mas tenho que concordar que a ideia de conviver com Elio e com tudo o que ele representa ainda a perturba. Em seu lugar, talvez eu também me sentisse assim.

"De qualquer modo, é melhor que eu vá para o meu lugar", Elio me oferece um sorriso comedido. "Já levantará muitas perguntas o fato de eu ser seu padrinho. Se mais alguém me encontrar aqui, talvez a gente se enrole tentando explicar".

Isso eu não posso negar, então apenas assinto em concordância.

"Até daqui a pouco, então", busco sorrir, vendo-o seguir até a porta.

"Até daqui a pouco, filho".

xXx

Faltando quinze minutos para o início do casamento, eu saio do quarto e encontro Aiden e Tobias na sala de estar, sentados no sofá enquanto funcionários da cerimônia caminham apressados de um lado para o outro.

"Caramba, que bonitão", Tobias diz ao me ver, só para me provocar. "E se a gente fugisse e se casasse, ao invés de você entregar a sua alma para a tirana da Miranda? Ainda dá tempo de se salvar, Caellum".

"Nem nos seus melhores sonhos, Durkheim", eu retruco.

Ele e Aiden também vestem smokings pretos como o de Elio, mas, diferente dos padrinhos, Tobias não usa uma rosa no bolso do paletó, nem um lenço vermelho.

"O Timotheo ainda não chegou?" Eu dou por falta do último elemento do nosso grupo.

Embora o príncipe esteja me evitando, quero acreditar que não vai continuar fazendo isso no dia do meu casamento. Eu jamais o perdoaria se fizesse, e ele sabe.

"Chegou, mas foi sequestrado pela madrinha", Aiden responde. "A Cassiopeia cismou que eles precisavam ensaiar a tal música da valsa dos noivos uma última vez".

"Eu não sei como o Theo ainda não quebrou as teclas do próprio piano para fugir dela ou cortou as cordas do seu violoncelo. A Cassiopeia adora testar os limites de qualquer um", Tobias diz, esquecendo-se que está falando da minha irmã.

Se bem conheço seus desastres sentimentais, e devo conhecer bem a essa altura, esse é o modo nada convencional que a minha irmã encontrou de manter Theo por perto enquanto pode, mesmo que testando a sua paciência. Então como posso julgá-la por isso?

"A Cas sabe o que faz", finjo não ser nada demais. "Desde que eles estejam no altar, por mim, tudo bem".

Meus amigos parecem querer me contrariar, mas é bem quando Elisabeth surge com a sua melhor expressão de princesa arrogante e incontestável, olhando-nos como se fôssemos a razão do seu tormento.

"O que é que vocês ainda estão fazendo aqui? A Miranda vai chegar a qualquer momento!".

Suas palavras fazem o meu coração pular, porque tornam tudo ainda mais real.

"Nós já estávamos indo", eu digo, e nem um dos outros dois me contesta.

Eles teriam que ser malucos para contrariarem a princesa. Por isso, assim que respondo Lizzie, seguimos até a saída.

"Eu ainda não consigo acreditar que você vai mesmo casar por livre e espontânea vontade. Isso é tão adulto. Pelos Ancestrais...".

"Cala a boca, Tobias".

Apesar de tudo, fico grato pela companhia deles até o local em que a cerimônia será realizada, no jardim. Apesar de ser um mês frio e de quase todos os convidados ostentarem casacos por cima das roupas, insisti pelo evento externo por sentir que estaria mais perto do meu pai Xiao Jun e de suas memórias felizes ao invés de tristes.

Por isso, ignorando a friagem e o vento zunindo nos meus ouvidos, caminho e cumprimento alguns conhecidos antes de tomar o meu lugar no altar, entre minha mãe e o cerimonialista, que é meu avô Hue.

"Tenho grandes expectativas pelo seu futuro, rapaz", ele me diz quando me aproximo, pondo uma mão pesada em meu ombro. "Sabe que o casamento não está sendo nas circunstâncias que gostaria, mas, se é para ser, que seja para sempre. Cresceu sabendo o que eu penso sobre família".

"Sim, senhor".

Quando ele se posiciona atrás da pilastra, minha mãe toma a liberdade de procurar amassados inexistentes na minha roupa e eu aproveito para observar os presentes no local.

Acabo avistando os Greenhunter na primeira fileira da esquerda, os quais são seguidos pelos Durkheim, depois o Baumann, os Ventura e, por fim, os Hendrick. Já do outro lado estão os poucos convidados de Mimi dividindo espaço com todos os conhecidos dos Maximoff-Feng. Ao fundo, alguns fotógrafos contratados fazem a cobertura, porque barramos a vinda da mídia – embora eu acredite que o drone sobrevoando nossas cabeças seja uma tentativa de Stone (ou algum colega dela) driblar a imposição.

De qualquer forma, quando todos estão posicionados, sei que a hora agá chegou e sinto a atividade de meu corpo se tornar estranha. Meu coração está trabalhando como nunca e minhas mãos suam em bicas, mas me sinto frio quando noto Miranda caminhando para se posicionar no início da fileira de bancos, de braços dados com o seu pai.

É agora, penso. E deixo uma respiração profunda escapar, afundando meus ombros, quando o som de violinos da pequena orquestra se inicia e é seguido pelos demais instrumentos numa marcha nupcial.

Posso ver Miranda melhor agora. Na verdade, admito que, nesse breve instante de sua caminhada até mim, ela é tudo o que eu vejo. Mais linda do que nunca em seu vestido de quinhentos mil dólares, de tecido branco pérola e diamantes que também se destacam em seu pescoço, orelhas e até no cabelo.

Mas assumo que, provavelmente, eu a acharia a noiva mais linda do mundo até se ela não estivesse vestida como uma rainha, simplesmente porque é ela.

A mulher que amo e escolhi.

Eu vou me casar com ela agora, a garota do cachecol vermelho com quem tanto sonhei.

"Você está com cara de bobo", ela me diz quando enfim chega até mim, falhando em esconder o sorriso que mescla provocação e satisfação.

"É que eu amo você demais".

Ouço vovô Hue pigarrear como um aviso de que todos estão de olho em nós dois, mas o ignoro. Só tiro os meus olhos brevemente de Mimi para cumprimentar seu pai que, até mesmo hoje, exibe a sua carranca característica de quem não me suporta. Coitado. Vai ter que me aceitar na sua família, por bem ou por mal.

Mark me entrega a mão de sua filha e recua para perto de Juliana. Assim que somos deixados sozinhos na nossa bolha particular, eu ofereço um sorriso para minha noiva.

"Pronta para se casar, Miranda Miller?".

Eu, obviamente, tenho um problema sério de ansiedade: digo que vou postar a cada dois dias, mas não aguento esperar.

Olá, pessoas. Tudo bem?

Finalmente chegou o tão aguardado casamento e eu não poderia estar mais emocionada pela Mimi e o Caellum.

Espero que estejam gostando e até a próxima (que deve vir na quinta ou na sexta, embora eu não tenha mais moral alguma sobre respeitar cronograma :p).

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